Missa
do 3º dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 2,14.22-33;
1Pedro 1,17-21; Lucas 24,13-35.
Nossa
vida é feita de acontecimentos. Alguns acontecimentos são bons; outros, ruins;
alguns são consequência das nossas atitudes; outros, surgem sem que os tenhamos
provocado. É verdade que nós nem sempre somos responsáveis por aquilo que nos
acontece, mas sempre somos responsáveis pela maneira como estamos lidando com
aquilo que nos acontece.
A
morte de Jesus na cruz foi um acontecimento extremamente negativo para os
discípulos. Ao vê-lo crucificado e morto, a esperança que haviam depositado n’Ele
morreu também. É por isso que esses dois discípulos deixam Jerusalém, lugar da crucifixão
e morte de Jesus, e dirigem-se para Emaús. O Evangelho nos revela a tristeza e
o desencanto desses discípulos, tristeza e desencanto que algumas vezes marcam
a nossa vida de maneira intensa e profunda.
Como
lidamos com acontecimentos que nos deixam tristes e desencantados? A reação mais
comum é o afastamento, o abandono. Por não acreditarem mais na possibilidade da
mudança ou de uma recuperação, algumas pessoas abandonaram determinado
relacionamento ou até mesmo a sua vida profissional. Outras talvez não chegaram
à atitude radical do abandono, mas estão seguindo pela vida com o rosto
nitidamente triste, expressando desencanto, como estavam os discípulos de
Emaús.
Exatamente
nessa situação de tristeza e desencanto Jesus se aproxima dos dois discípulos e
começa a caminhar com eles. “Os discípulos, porém, estavam como que cegos, e
não o reconheceram” (Lc 24,16). Eis aqui algo muito comum em nossa vida: não
reconhecemos que Jesus caminha conosco! Nos esquecemos de que Ele mesmo
prometeu: “Eu estarei convosco todos os dias...!” (Mt 28,20). Como é que não
reconhecemos o Ressuscitado caminhando conosco? A razão é que nós estamos
presos em nossa dor; nos deixamos cegar pela tristeza e pela falta de
esperança; nos fechamos a qualquer tipo de ajuda que pudesse nos fazer
compreender as coisas de uma outra maneira.
O
que Jesus fez para ajudar os discípulos a saírem de dentro do túmulo da
tristeza e do desencanto? Ele primeiro quis ouvi-los, deixou-os falar. Nós
precisamos falar sobre o que sentimos, precisamos dar nome àquilo que está
trancado em nossa alma ou entalado em nossa garganta. Quando falamos sobre o
que sentimos, quando damos nome às nossas emoções, começamos a administrar o
que está acontecendo conosco, deixando de simplesmente sofrer passivamente os
acontecimentos. Sobretudo nos nossos relacionamentos, precisamos falar o que
sentimos e precisamos igualmente ouvir o outro, ter a coragem de silenciar e
deixar a outra pessoa falar como ela se sente em relação a nós ou àquilo que
fizemos.
Após
ouvir os discípulos, Jesus deu a sua interpretação sobre os acontecimentos que
haviam enterrado a esperança deles: “‘Será que o Cristo não devia sofrer tudo
isso para entrar na sua glória?’ E, começando por Moisés e passando pelos
Profetas, explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura que falavam
a respeito dele” (Lc 24,26-27). O que Jesus fez foi mostrar àqueles discípulos
que a nossa vida não é fruto do acidente ou do acaso; há um propósito para cada
um de nós estar no mundo. Diante de cada coisa que nos acontece, é importante
nos perguntar: O que a vida (ou Deus) está tentando me dizer com isso? Qual
atitude a vida (ou Deus) está pedindo que eu tenha diante desse acontecimento?
Embora esse fato seja desagradável, sofrido, será que não há uma forma positiva,
construtiva, de eu lidar com ele, dos que simplesmente desistir de tudo e ir
embora para Emaús?
A
luz que começou a clarear a visão dos discípulos veio da Escritura. A Bíblia
não é um livro de respostas fáceis e práticas a todas as perguntas que hoje
temos no coração, mas é luz. Ela nos oferece a Palavra que pode ampliar nosso
horizonte de compreensão das coisas e nos indicar caminhos diferentes para
lidar com os acontecimentos, caminhos que nos tornem maduros e responsáveis
para com a nossa própria história de vida. Enquanto a voz do nosso ego nos
aconselha a fugir de toda experiência difícil, a voz de Deus na sua Palavra nos
incentiva a enfrentar aquilo que está nos acontecendo com serenidade, liberdade
e responsabilidade.
Conversa
vai, conversa vem, a noite chegou, e os dois discípulos pediram àquele homem
que caminhava com eles: “‘Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem
chegando!' Jesus entrou para ficar com eles. Quando se sentou à mesa com eles,
tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía. Nisso os olhos dos
discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus” (Lc 24,29-31). Eis a maneira
como Jesus, após a ressurreição, escolheu estar junto dos seus discípulos,
junto da sua Igreja: pela Palavra da Escritura, (sobretudo, o Evangelho) e pelo
partir o pão, que é a Eucaristia. Eis também uma indicação importante para nós,
que comungamos a Eucaristia: nos colocar junto das pessoas que se afastaram das
nossas celebrações ou que nunca estiveram nelas, pessoas que caminham por este
mundo desorientadas e muitas vezes tomadas pela tristeza e pelo desencanto, e
dialogar com elas, de modo que em seus corações renasça a alegria, a esperança,
o sentido da própria vida, e elas possam confirmar: “Realmente, o Senhor
ressuscitou...!” (Lc 24,34).
Tenhamos
a Escritura mais perto de nós! Permitamos que ela amplie a visão que temos da
própria vida e nos ajude não somente a compreender melhor os acontecimentos,
mas, sobretudo, a confirmar em nossos corações a convicção acerca da verdade da
ressurreição: “Deus ressuscitou a Jesus, libertando-o das angústias da morte,
porque não era possível que ela o dominasse... ‘Porque não deixarás minha alma na
região dos mortos nem permitirás que teu Santo experimente corrupção’. É,
portanto, a ressurreição de Cristo que (Davi) previu e anunciou com as
palavras: ‘Ele não foi abandonado na região dos mortos e sua carne não conheceu
a corrupção’” (At 2,24.27.31).
Retomemos
diariamente o apelo do Papa Francisco em vista de nos tornarmos sempre mais uma
“Igreja em saída”, uma Igreja que se coloca junto dos desencantados e dos
entristecidos desse mundo, para ajudá-los a interpretar suas histórias de vida
à luz da fé e do plano do Pai, de salvar todas as pessoas em seu Filho Jesus
Cristo. Ajudemos as pessoas do nosso tempo a tomarem consciência de que a fé a
esperança delas devem ser colocadas em Deus (cf. 2ª leitura).
Obrigado, Pe. Paulo, por suas reflexões existenciais e de alta espiritualidade.
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