quinta-feira, 23 de abril de 2020

RECONDUZIR O CORAÇÃO PARA A ALEGRIA E O ENCANTO

Missa do 3º dom. da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 2,14.22-33; 1Pedro 1,17-21; Lucas 24,13-35.

Nossa vida é feita de acontecimentos. Alguns acontecimentos são bons; outros, ruins; alguns são consequência das nossas atitudes; outros, surgem sem que os tenhamos provocado. É verdade que nós nem sempre somos responsáveis por aquilo que nos acontece, mas sempre somos responsáveis pela maneira como estamos lidando com aquilo que nos acontece.
A morte de Jesus na cruz foi um acontecimento extremamente negativo para os discípulos. Ao vê-lo crucificado e morto, a esperança que haviam depositado n’Ele morreu também. É por isso que esses dois discípulos deixam Jerusalém, lugar da crucifixão e morte de Jesus, e dirigem-se para Emaús. O Evangelho nos revela a tristeza e o desencanto desses discípulos, tristeza e desencanto que algumas vezes marcam a nossa vida de maneira intensa e profunda.
Como lidamos com acontecimentos que nos deixam tristes e desencantados? A reação mais comum é o afastamento, o abandono. Por não acreditarem mais na possibilidade da mudança ou de uma recuperação, algumas pessoas abandonaram determinado relacionamento ou até mesmo a sua vida profissional. Outras talvez não chegaram à atitude radical do abandono, mas estão seguindo pela vida com o rosto nitidamente triste, expressando desencanto, como estavam os discípulos de Emaús.
Exatamente nessa situação de tristeza e desencanto Jesus se aproxima dos dois discípulos e começa a caminhar com eles. “Os discípulos, porém, estavam como que cegos, e não o reconheceram” (Lc 24,16). Eis aqui algo muito comum em nossa vida: não reconhecemos que Jesus caminha conosco! Nos esquecemos de que Ele mesmo prometeu: “Eu estarei convosco todos os dias...!” (Mt 28,20). Como é que não reconhecemos o Ressuscitado caminhando conosco? A razão é que nós estamos presos em nossa dor; nos deixamos cegar pela tristeza e pela falta de esperança; nos fechamos a qualquer tipo de ajuda que pudesse nos fazer compreender as coisas de uma outra maneira.
O que Jesus fez para ajudar os discípulos a saírem de dentro do túmulo da tristeza e do desencanto? Ele primeiro quis ouvi-los, deixou-os falar. Nós precisamos falar sobre o que sentimos, precisamos dar nome àquilo que está trancado em nossa alma ou entalado em nossa garganta. Quando falamos sobre o que sentimos, quando damos nome às nossas emoções, começamos a administrar o que está acontecendo conosco, deixando de simplesmente sofrer passivamente os acontecimentos. Sobretudo nos nossos relacionamentos, precisamos falar o que sentimos e precisamos igualmente ouvir o outro, ter a coragem de silenciar e deixar a outra pessoa falar como ela se sente em relação a nós ou àquilo que fizemos.
Após ouvir os discípulos, Jesus deu a sua interpretação sobre os acontecimentos que haviam enterrado a esperança deles: “‘Será que o Cristo não devia sofrer tudo isso para entrar na sua glória?’ E, começando por Moisés e passando pelos Profetas, explicava aos discípulos todas as passagens da Escritura que falavam a respeito dele” (Lc 24,26-27). O que Jesus fez foi mostrar àqueles discípulos que a nossa vida não é fruto do acidente ou do acaso; há um propósito para cada um de nós estar no mundo. Diante de cada coisa que nos acontece, é importante nos perguntar: O que a vida (ou Deus) está tentando me dizer com isso? Qual atitude a vida (ou Deus) está pedindo que eu tenha diante desse acontecimento? Embora esse fato seja desagradável, sofrido, será que não há uma forma positiva, construtiva, de eu lidar com ele, dos que simplesmente desistir de tudo e ir embora para Emaús? 
A luz que começou a clarear a visão dos discípulos veio da Escritura. A Bíblia não é um livro de respostas fáceis e práticas a todas as perguntas que hoje temos no coração, mas é luz. Ela nos oferece a Palavra que pode ampliar nosso horizonte de compreensão das coisas e nos indicar caminhos diferentes para lidar com os acontecimentos, caminhos que nos tornem maduros e responsáveis para com a nossa própria história de vida. Enquanto a voz do nosso ego nos aconselha a fugir de toda experiência difícil, a voz de Deus na sua Palavra nos incentiva a enfrentar aquilo que está nos acontecendo com serenidade, liberdade e responsabilidade.  
Conversa vai, conversa vem, a noite chegou, e os dois discípulos pediram àquele homem que caminhava com eles: “‘Fica conosco, pois já é tarde e a noite vem chegando!' Jesus entrou para ficar com eles. Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía. Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus” (Lc 24,29-31). Eis a maneira como Jesus, após a ressurreição, escolheu estar junto dos seus discípulos, junto da sua Igreja: pela Palavra da Escritura, (sobretudo, o Evangelho) e pelo partir o pão, que é a Eucaristia. Eis também uma indicação importante para nós, que comungamos a Eucaristia: nos colocar junto das pessoas que se afastaram das nossas celebrações ou que nunca estiveram nelas, pessoas que caminham por este mundo desorientadas e muitas vezes tomadas pela tristeza e pelo desencanto, e dialogar com elas, de modo que em seus corações renasça a alegria, a esperança, o sentido da própria vida, e elas possam confirmar: “Realmente, o Senhor ressuscitou...!” (Lc 24,34). 
Tenhamos a Escritura mais perto de nós! Permitamos que ela amplie a visão que temos da própria vida e nos ajude não somente a compreender melhor os acontecimentos, mas, sobretudo, a confirmar em nossos corações a convicção acerca da verdade da ressurreição: “Deus ressuscitou a Jesus, libertando-o das angústias da morte, porque não era possível que ela o dominasse... ‘Porque não deixarás minha alma na região dos mortos nem permitirás que teu Santo experimente corrupção’. É, portanto, a ressurreição de Cristo que (Davi) previu e anunciou com as palavras: ‘Ele não foi abandonado na região dos mortos e sua carne não conheceu a corrupção’” (At 2,24.27.31).
Retomemos diariamente o apelo do Papa Francisco em vista de nos tornarmos sempre mais uma “Igreja em saída”, uma Igreja que se coloca junto dos desencantados e dos entristecidos desse mundo, para ajudá-los a interpretar suas histórias de vida à luz da fé e do plano do Pai, de salvar todas as pessoas em seu Filho Jesus Cristo. Ajudemos as pessoas do nosso tempo a tomarem consciência de que a fé a esperança delas devem ser colocadas em Deus (cf. 2ª leitura).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

Um comentário:

  1. Obrigado, Pe. Paulo, por suas reflexões existenciais e de alta espiritualidade.

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