Missa do domingo
de ramos. Palavra de Deus: Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Mateus 26,47 – 27,54.
Muitos
filmes já foram feitos para retratar a Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo. E nós,
diante desses filmes, sempre fomos expectadores. Mas nesse ano fomos jogados
para dentro do filme: o novo coronavírus impôs uma forma mais intensa e real de
cruz na vida de todos nós. Estamos vivendo o nosso momento de “paixão”, isto é,
de sofrimento, de padecimento através da tristeza, do medo, da angústia e do
sentimento de solidão.
Os
textos bíblicos que ouvimos hoje nos dizem que precisamos aprender com Jesus a
partir da maneira como ele se posicionou diante da dor, do sofrimento, da cruz.
Jesus foi alguém que aprendeu a ouvir Deus no sofrimento: “Ele me desperta cada
manhã, para ouvir como um discípulo” (Is 50,4). Isso fez de Jesus uma pessoa
capaz de “dizer palavras de conforto à pessoa abatida” (Is 50,4). Há muitas
pessoas abatidas à nossa volta, precisando de uma palavra de conforto, e nós
podemos lhes oferecer essa palavra na medida em que aprendemos a ouvir Deus a
partir da nossa própria experiência de cruz.
O
apóstolo Paulo afirmou que Jesus esvaziou-se da sua divindade até adquirir um
aspecto humano (cf. Fl 2,6-9). Porque se humanizou, se expôs ao sofrimento. A
ameaça de contaminação pelo novo coronavírus nos esvaziou das nossas falsas
seguranças e revelou que a vida não está sob o nosso controle, como pensamos
que estivesse. Agora temos que admitir que somos passíveis de adoecer, de
sofrer e de morrer. Nem o dinheiro, nem a tecnologia, nem a ciência e nem mesmo
a fé pode nos impedir de sermos atingidos pela morte.
A
dor da morte começou a atingir Jesus muito antes da Cruz, logo após a última
Ceia. “Jesus ainda falava, quando veio Judas, um dos Doze, com uma grande
multidão armada de espadas e paus” (Mt 26,47). Judas, decepcionado com Jesus –
pois esperava que ele fosse um líder político que libertaria, por meio da
violência, o povo de Israel da dominação imposta pelo Império Romano – o
entrega. Quais expectativas temos em relação a Deus? Como lidamos com as decepções?
Judas desistiu de esperar em Jesus. E nós?
Um
dos que estavam com Jesus tentou impedi-lo de ser preso usando uma espada. “Jesus,
porém, lhe disse: ‘Guarda a espada na bainha! pois todos os que usam a espada
pela espada morrerão’” (Mt 26,52). Quantos de nós acreditamos que a violência é
a única forma de frear a violência em nosso país e no mundo? Quantos de nós desistimos
de acreditar na força do bem e passamos a acreditar que o mal só pode ser
combatido por meio de um mal mais forte?
“Então
todos os discípulos, abandonando Jesus, fugiram” (Mt 26,56). Em todos nós fala
mais alto o instinto de sobrevivência. Quando nos sentimos ameaçados, desistimos
até mesmo dos valores mais sagrados. Nós também defendemos a ideia de que é
melhor um covarde vivo do que um herói morto. Quem de nós acha que jamais
abandonaria Jesus precisa rever sua convicção e se perguntar se ela resistirá à
ameaça contra a sua própria vida.
O
primeiro julgamento de Jesus é religioso, diante do sumo sacerdote. Para acusar
Jesus, ele se apoia em duas falsas testemunhas (cf. Mt 27,59). Quantas
injustiças são hoje cometidas baseadas na mentira? Quantos advogados e juízes se
afastaram da verdade para defender aquilo que lhes é mais conveniente? Quem de
nós ainda acredita na Justiça? Quem de nós consegue ser verdadeiro e sincero
nas coisas corriqueiras do dia a dia? Para quantos de nós a conveniência,
sobretudo financeira, é muito mais importante do que a honestidade, a verdade?
“Pedro
começou a maldizer e a jurar, dizendo que não conhecia esse homem! E nesse
instante o galo cantou. Pedro se lembrou do que Jesus tinha dito: ‘Antes que o
galo cante, tu me negarás três vezes’. E saindo dali, chorou amargamente” (Mt
27,74-75). Pedro é mais um exemplo de luta pela sobrevivência. Temendo ser preso
por ser discípulo de Jesus, nega conhecê-lo. Ele escapa da prisão, mas fica
preso na mentira, na negação e, pior ainda, na culpa. Nós ainda somos capazes
de sentir culpa? O sentimento de culpa é importante quando nos leva à revisão
das nossas atitudes e ao arrependimento. Reconhecendo sua covardia, Pedro
“chorou amargamente”. Sempre há esperança para uma pessoa que é capaz de chorar
amargamente pelos erros que cometeu.
“Então
Judas, o traidor, ao ver que Jesus fora condenado, ficou arrependido e foi
devolver as trinta moedas de prata aos sumos sacerdotes e aos anciãos, dizendo:
‘Pequei, entregando à morte um homem inocente’. Eles responderam: ‘O que temos
nós com isso? O problema é teu’” (Mt 27,3-4). Assim como Pedro, Judas também se
arrependeu. Mas, diferente de Pedro, ele não foi capaz de se perdoar, nem
confiou no perdão que certamente receberia de Jesus. Diante do triste suicídio
de Judas precisamos nos dar conta de que esse problema é de todos nós. Nosso
mundo está doente. Os transtornos mentais são cada vez mais comuns entre nós. Jamais
podemos dizer a essas pessoas: “O problema é teu!”. O suicídio é um problema social,
de todos nós. Oremos pelos que se suicidaram, bem como pelas famílias que
sofrem profundamente com essa triste lembrança.
“Pilatos
bem sabia que eles haviam entregado Jesus por inveja” (Mt 27,18). Estamos agora
diante do segundo julgamento de Jesus: o julgamento político. No interrogatório
feito por Pilatos aparece o verdadeiro motivo da condenação de Jesus: a inveja
que os sumos sacerdotes tinham de Jesus. A inveja pode nos levar a matar ou a
desejar a morte de alguém. Ela está em todo lugar, sobretudo nos ambientes de
trabalho, na política e mesmo nas igrejas e religiões. A inveja é fruto do
nosso sentimento de inferioridade. Como não gostamos de nos sentir inferiores,
ao nos compararmos com outras pessoas e nos sentirmos menos do que elas,
desejamos ter o que elas têm e ser o que elas aparentam ser. Por não
conseguirmos isso, ficamos com raiva e não suportamos que o outro, que
aparentemente é mais do que nós, continue a “mexer” com o nosso sentimento de
inferioridade. Daí o desejo de que ele deixe de existir.
“O
governador tornou a perguntar: ‘Qual dos dois quereis que eu solte?’ Eles
gritaram: ‘Barrabás’” (Mt 27,21). A escolha de Barrabás é a escolha do
anti-herói. Ela reflete a inversão de valores que também marca fortemente o
nosso tempo. O anti-herói está na moda. É moda defender o errado e desprezar o
certo. Barrabás era “famoso”. Ser bom, ser correto, ser humilde e justo não
torna ninguém famoso. Pelo contrário, famosos são os que matam, os que roubam,
os que fazem guerra, os que têm uma vida vazia, pautada na aparência, mas sem
nenhuma consistência interior, sem uma verdadeira essência. A multidão
identificou-se com Barrabás, não com Jesus. Com que tipo de pessoa você se
identifica atualmente?
“Pilatos
viu que nada conseguia e que poderia haver uma revolta. Então mandou trazer
água, lavou as mãos diante da multidão, e disse: ‘Eu não sou responsável pelo
sangue deste homem. Este é um problema vosso!’” (Mt 27,24). Lavar as mãos
significa tornar-se indiferente ao sofrimento dos outros; não
responsabilizar-se por nada nem por ninguém. No entanto, nossa indiferença para
com a desgraça alheia acaba por atrair a desgraça sobre nós. Precisamos
reconhecer que a morte que a nossa indiferença “provoca” nos outros atinge a
nós com a mesma intensidade e violência.
“Com
ele também crucificaram dois ladrões, um à direita e outro à esquerda de Jesus”
(Mt 27,38). O inocente está condenado entre os condenados. Aquele que não tinha
pecado leva consigo o pecado de todos nós e sofre a nossa própria condenação. Quantas
pessoas se sentem condenadas? Quantos estão condenados, se não a morrer, a
viver uma vida sem dignidade, sem alegria e sem esperança? Toda pessoa que se
sente condenada precisa saber que “não há mais condenação para aqueles que
estão em Jesus Cristo” (Rm 8,1).
“As
pessoas que passavam por ali o insultavam... ‘Confiou em Deus; que o livre
agora, se é que Deus o ama! Já que ele disse: Eu sou o Filho de Deus’’ (Mt 27,39.43).
Insultos e ironia. Para aquelas pessoas, não bastava que Jesus tivesse sofrido
agressões físicas; era preciso machucá-lo com palavras, machucá-lo em sua fé,
confiança e esperança em Deus. Será que nós já pensamos, a respeito de uma
pessoa que passa por um grande sofrimento: ‘De que valeu ela confiar em Deus?
De que valeu ela ser fiel a Deus?’.
“Pelas
três horas da tarde, Jesus deu um forte grito: ‘Eli, Eli, lamá sabactâni?’, que
quer dizer: ‘Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?’” (Mt 27,46). Jesus
expressa em sua oração o sentimento de abandono da parte de Deus. Quando o
sofrimento se torna por demais intenso e cruel, não conseguimos sentir Deus
junto a nós. Certamente, muitos enfermos pelo novo coronavírus se sentiram ou
se sentem assim. O lugar de Deus neles foi ocupado por um vazio insuportável,
por um amargo sentimento de abandono. No entanto, Deus está ali onde sofremos, nos
sustentando, sofrendo conosco, embora não O sintamos. Nessa hora, precisamos
professar nossa fé como o salmista: “Guardei a minha fé mesmo dizendo: ‘É
demais o sofrimento em minha vida!’” (Sl 116,1).
“E
eis que a cortina do santuário rasgou-se de alto a baixo, em duas partes, a
terra tremeu e as pedras se partiram. Os túmulos se abriram e muitos corpos dos
santos falecidos ressuscitaram!” (Mt 27,51-52). O céu que se rasga de alto a
baixo e o terremoto que abala a terra fazendo as pedras se partirem são a
resposta visível de Deus à oração de seu Filho. Deus intervém, revelando que a
morte de seu Filho provoca a libertação definitiva daqueles que estavam presos
na morte. Começa a ressurreição dos justos! Aquele que morreu venceu a morte e
nos abriu o caminho para a nossa ressurreição!
Vendo tudo o que tinha acontecido, o
oficial e os soldados reconheceram: “Ele era mesmo Filho de Deus!” (Mt 27,54).
Vendo a maneira como você lida com sua experiência de cruz, as pessoas podem
ser sacudidas em sua fé adormecida, se abrirem para Deus e reconhecerem você
como um verdadeiro filho de Deus. Nesta semana, voltemos o nosso olhar para nosso
Senhor crucificado, lembrando que Ele “pela graça de Deus, provou a morte em
favor de todas as pessoas” (Hb 2,9). Não nos esqueçamos: “Depois que Cristo
morreu na cruz, toda situação, inclusive a mais frágil e trágica ou a
aparentemente falimentar e maldita, pode tornar-se lugar e causa de salvação.
Ou seja, se um crime horrendo foi o contexto histórico escolhido por Deus ou
por meio do qual o Pai nos salvou, isso quer dizer que qualquer cenário
histórico é ideal para se viver a própria história pessoal de salvação” (Amedeo
Cencini).
Pe. Paulo Cezar
Mazzi
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