Missa
da Ceia do Senhor. Êxodo 12,1-8.11-14; 1Coríntios 11,23-26; João 13,1-15.
A
nossa vida é feita de passagens: passamos da infância para a adolescência, da
adolescência para a juventude, da juventude para a idade adulta, da idade
adulta para a velhice, e um dia chegará o momento de passarmos deste mundo para
o Pai. A leitura do Êxodo nos fala da páscoa dos hebreus, quando o Senhor Deus
passou pela terra do Egito, fazendo justiça e libertando seu povo do sofrimento
e da escravidão. Nós não estávamos lá, mas esta primeira páscoa também diz
respeito a nós. Assim como o povo de Israel, nós também necessitamos ser libertos,
necessitamos passar da doença para a saúde, do desemprego para o emprego, da
solidão para a comunhão, da mágoa para o perdão, da tristeza para a alegria, da
morte para a vida.
As
famílias dos hebreus não foram atingidas pelo espírito exterminador porque
marcaram as portas das suas casas com o sangue de um cordeiro. Aquele sangue
prefigurava o sangue de Jesus, que seria derramado na cruz. Nesta noite,
suplicamos ao Pai que o sangue precioso de Seu Filho proteja nossas famílias, para
que não sejam atingidas pelo espírito do mal, que age no mundo; suplicamos que
o sangue do Cordeiro de Deus cubra todas as casas, todas as famílias, a vida de
cada ser humano, para nos libertar a todos da ameaça do novo coronavírus.
Contudo,
é importante termos consciência de que o sangue na porta não é um sinal mágico.
Sangue é sinônimo de sacrifício. Jesus derramou seu sangue na cruz porque amou
até o fim. Nossas casas, nossas famílias só podem ser poupadas do extermínio quando
nos dispomos a nos sacrificar por aqueles que amamos; quando, a exemplo de
Jesus, nos dispomos a amar até o fim. O que tem sido sacrificado em nossa casa
pelo bem da família? O que nossa família em particular está disposta a
sacrificar pelo bem da família humana?
Dentro
da celebração da Páscoa dos hebreus, Jesus celebrou a sua Última Ceia com seus
discípulos: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo
13,1). Ao nos dar o seu Corpo e o seu Sangue na Eucaristia, Jesus nos convida a
fazer a difícil passagem de quem desistiu de amar para quem decidiu amar até o
fim. Jesus nos convida a uma constante atitude pascal para com as pessoas, o
que significa amar até o fim aqueles que Deus confiou aos nossos cuidados. Além
disso, ao nos fazer assentar à mesa da Eucaristia, Jesus nos convida a fazer
também a difícil passagem de quem espera ser servido pelos outros para quem
decide servir aos outros: “Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também
vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma
coisa que eu fiz” (Jo 13,14-15).
Muitos
de nós comungamos, mas nem todos nós estamos dispostos a lavar os pés uns dos
outros. Comungamos o Corpo e Sangue daquele que veio para servir, mas não nos
dispomos a assumir nenhum tipo de serviço em favor do Evangelho e do bem comum
da sociedade. Devemos reconhecer que somos pessoas que comungam do sacrifício
de Cristo, mas que às vezes achamos que não vale a pena nos sacrificar pela
sociedade humana, pela verdade e pela justiça. Por isso, precisamos manter os
nossos olhos fixos naquele que nos deu o exemplo, naquele que “amou até o fim”.
Enquanto
o evangelista João resumiu a vida de Jesus nas palavras “amou até o fim” (Jo
13,1), o apóstolo Paulo descreveu a pessoa de Jesus como “Corpo doado e Sangue
derramado” (cf. 1Cor 11,24-25). Como trigo que se inclina para ser colhido e
feito pão, como o cacho de uva se oferece para ser colhido e feito vinho, assim
Jesus quis deixar, na Última Ceia, a lembrança do que foi a sua passagem pela
terra: uma vida doada aos outros, uma vida que se inclinou sobre as feridas e
sobre os sofrimentos dos outros. Assim devemos fazer se queremos ser
reconhecidos como discípulos de Jesus Cristo.
Nossa
vida cristã é chamada a testemunhar o Senhor Jesus, morto e ressuscitado para a
salvação de todo ser humano. Todas as vezes que comemos do Corpo e bebemos do
Sangue do Cordeiro de Deus, estamos proclamando que Ele morreu por nós, que
venceu a morte em nosso lugar; estamos proclamando que Ele nos amou até o fim;
estamos pedindo que o seu Sangue esteja nas portas da nossa casa, para proteger
a nossa família; estamos assumindo com Ele o serviço em favor dos que
necessitam de nós; enfim, estamos aguardando a sua vinda definitiva, na
esperança de sermos introduzidos no banquete do Reino de Deus.
Concluindo,
nesta noite rezamos por todas as pessoas que precisam de Páscoa, que precisam
que o Pai passe por suas vidas, por suas casas, derramando novamente o sangue
precioso de seu Filho, o Cordeiro de Deus, para que o mal não prevaleça sobre
essas famílias. Nesta noite, comendo espiritualmente do mesmo pão e bebendo
espiritualmente do mesmo cálice, anunciamos ao mundo a morte redentora de Jesus
em favor de todos os homens, e proclamamos que Ele virá um dia para concluir a
passagem de cada ser humano deste mundo para o Pai. Nesta noite, enfim, nos
comprometemos a passar: passar pelas casas, pelas famílias, pela vida de tantas
pessoas que precisam redescobrir em si mesmas a força da Páscoa, a força do
Deus que, em seu Filho
Jesus Cristo, nos faz passar da morte para a vida.
Pe. Paulo Cezar
Mazzi
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