terça-feira, 7 de abril de 2020

FAZER A PASSAGEM É SEMPRE NECESSÁRIO


Missa da Ceia do Senhor. Êxodo 12,1-8.11-14; 1Coríntios 11,23-26; João 13,1-15.


A nossa vida é feita de passagens: passamos da infância para a adolescência, da adolescência para a juventude, da juventude para a idade adulta, da idade adulta para a velhice, e um dia chegará o momento de passarmos deste mundo para o Pai. A leitura do Êxodo nos fala da páscoa dos hebreus, quando o Senhor Deus passou pela terra do Egito, fazendo justiça e libertando seu povo do sofrimento e da escravidão. Nós não estávamos lá, mas esta primeira páscoa também diz respeito a nós. Assim como o povo de Israel, nós também necessitamos ser libertos, necessitamos passar da doença para a saúde, do desemprego para o emprego, da solidão para a comunhão, da mágoa para o perdão, da tristeza para a alegria, da morte para a vida.
As famílias dos hebreus não foram atingidas pelo espírito exterminador porque marcaram as portas das suas casas com o sangue de um cordeiro. Aquele sangue prefigurava o sangue de Jesus, que seria derramado na cruz. Nesta noite, suplicamos ao Pai que o sangue precioso de Seu Filho proteja nossas famílias, para que não sejam atingidas pelo espírito do mal, que age no mundo; suplicamos que o sangue do Cordeiro de Deus cubra todas as casas, todas as famílias, a vida de cada ser humano, para nos libertar a todos da ameaça do novo coronavírus.
Contudo, é importante termos consciência de que o sangue na porta não é um sinal mágico. Sangue é sinônimo de sacrifício. Jesus derramou seu sangue na cruz porque amou até o fim. Nossas casas, nossas famílias só podem ser poupadas do extermínio quando nos dispomos a nos sacrificar por aqueles que amamos; quando, a exemplo de Jesus, nos dispomos a amar até o fim. O que tem sido sacrificado em nossa casa pelo bem da família? O que nossa família em particular está disposta a sacrificar pelo bem da família humana?
Dentro da celebração da Páscoa dos hebreus, Jesus celebrou a sua Última Ceia com seus discípulos: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Ao nos dar o seu Corpo e o seu Sangue na Eucaristia, Jesus nos convida a fazer a difícil passagem de quem desistiu de amar para quem decidiu amar até o fim. Jesus nos convida a uma constante atitude pascal para com as pessoas, o que significa amar até o fim aqueles que Deus confiou aos nossos cuidados. Além disso, ao nos fazer assentar à mesa da Eucaristia, Jesus nos convida a fazer também a difícil passagem de quem espera ser servido pelos outros para quem decide servir aos outros: “Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,14-15).
Muitos de nós comungamos, mas nem todos nós estamos dispostos a lavar os pés uns dos outros. Comungamos o Corpo e Sangue daquele que veio para servir, mas não nos dispomos a assumir nenhum tipo de serviço em favor do Evangelho e do bem comum da sociedade. Devemos reconhecer que somos pessoas que comungam do sacrifício de Cristo, mas que às vezes achamos que não vale a pena nos sacrificar pela sociedade humana, pela verdade e pela justiça. Por isso, precisamos manter os nossos olhos fixos naquele que nos deu o exemplo, naquele que “amou até o fim”.
Enquanto o evangelista João resumiu a vida de Jesus nas palavras “amou até o fim” (Jo 13,1), o apóstolo Paulo descreveu a pessoa de Jesus como “Corpo doado e Sangue derramado” (cf. 1Cor 11,24-25). Como trigo que se inclina para ser colhido e feito pão, como o cacho de uva se oferece para ser colhido e feito vinho, assim Jesus quis deixar, na Última Ceia, a lembrança do que foi a sua passagem pela terra: uma vida doada aos outros, uma vida que se inclinou sobre as feridas e sobre os sofrimentos dos outros. Assim devemos fazer se queremos ser reconhecidos como discípulos de Jesus Cristo. 
Nossa vida cristã é chamada a testemunhar o Senhor Jesus, morto e ressuscitado para a salvação de todo ser humano. Todas as vezes que comemos do Corpo e bebemos do Sangue do Cordeiro de Deus, estamos proclamando que Ele morreu por nós, que venceu a morte em nosso lugar; estamos proclamando que Ele nos amou até o fim; estamos pedindo que o seu Sangue esteja nas portas da nossa casa, para proteger a nossa família; estamos assumindo com Ele o serviço em favor dos que necessitam de nós; enfim, estamos aguardando a sua vinda definitiva, na esperança de sermos introduzidos no banquete do Reino de Deus. 
Concluindo, nesta noite rezamos por todas as pessoas que precisam de Páscoa, que precisam que o Pai passe por suas vidas, por suas casas, derramando novamente o sangue precioso de seu Filho, o Cordeiro de Deus, para que o mal não prevaleça sobre essas famílias. Nesta noite, comendo espiritualmente do mesmo pão e bebendo espiritualmente do mesmo cálice, anunciamos ao mundo a morte redentora de Jesus em favor de todos os homens, e proclamamos que Ele virá um dia para concluir a passagem de cada ser humano deste mundo para o Pai. Nesta noite, enfim, nos comprometemos a passar: passar pelas casas, pelas famílias, pela vida de tantas pessoas que precisam redescobrir em si mesmas a força da Páscoa, a força do Deus que, em seu Filho Jesus Cristo, nos faz passar da morte para a vida.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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