Missa do 4. Dom.
da Páscoa. Atos dos Apóstolos 2,14a.36-41; 1Pedro 2,20b-25; João 10,1-10.
A Campanha da Fraternidade deste ano
trouxe como lema o cuidado para com a vida, a partir da atitude do bom
samaritano que, ao encontrar pelo caminho um homem ferido, “viu, sentiu
compaixão e cuidou dele” (Lc 10,33-34). A vida pede para ser cuidada. Na
verdade, tudo o que não cuidamos perdemos. Justamente por isso, tudo aquilo que
nos é caro, precioso e significativo, pede para ser cuidado: nossa saúde,
nossos relacionamentos, as pessoas que amamos, o meio ambiente, nossa própria
espiritualidade etc.
Todo ato de cuidar nasce de uma
relação afetiva entre o cuidador e aquele ou aquilo que necessita ser cuidado.
Ao mesmo tempo em que a imagem do cuidador é retratada na Sagrada Escritura pela
pessoa do Pastor, a imagem daquele que necessita de cuidados é retratada pela ovelha.
Antes de falar do relacionamento que existe entre o pastor e a ovelha, isto é,
entre o cuidador e aquele que ele é chamado a cuidar, Jesus chama a nossa
atenção para a porta: “Quem não entra no redil das ovelhas pela porta, mas sobe
por outro lugar, é ladrão e assaltante” (Jo 10,1). O próprio Jesus dirá a
seguir: “Eu sou a porta” (Jo 10,9).
Na região onde Jesus viveu, existiam
rebanhos de ovelhas e seus respectivos pastores. Ao final do dia, o pastor
recolhia suas ovelhas no redil e sentava-se na porta do redil, dormindo ali
mesmo. Era uma atitude de proteção: nenhuma pessoa e nenhum animal poderiam
entrar no redil para roubar ou atacar uma ovelha sem passar pelo pastor. Em
outras palavras, o corpo – a própria vida – do pastor era a porta que protegia
as ovelhas. Jesus identifica-se com a porta, primeiramente porque seu corpo foi
ferido na cruz para curar as feridas de todas as ovelhas do rebanho de Deus – a
humanidade. Daí a palavra de Pedro: “Sobre a cruz, carregou nossos pecados em
seu próprio corpo, a fim de que, mortos para os pecados, vivamos para a
justiça. Por suas feridas fostes curados” (1Pd 2,24).
Mas há também outro motivo. Ao
identificar-se como porta do redil das ovelhas, Jesus se dirige aos líderes
religiosos do seu tempo, afirmando que qualquer pessoa que tem como função
cuidar dos outros, cuidar de valores que favoreçam a vida, precisa espelhar-se
n’Ele. “Entrar pela porta” significa, portanto, configurar-se a Jesus, o bom
Pastor. Jesus sempre será o modelo do autêntico cuidador. Toda pessoa que
exerce liderança sobre outras, que tem a responsabilidade de educar, chefiar,
liderar, governar, precisa aprender com Jesus como cuidar, permitindo que a
vida que está sob seus cuidados desabroche em toda a sua capacidade e
unicidade.
Cuidar é uma questão de
relacionamento e um relacionamento que se estabelece no afeto entre o cuidador
e aquele que precisa ser cuidado. Cuidar não é uma questão somente efetiva,
mas, sobretudo, afetiva. Quanto mais eu amo, mais cuido. Se eu, porventura,
deixar de amar, deixarei também de cuidar. Isso vale para a minha própria vocação
e também para as pessoas que Deus confiou aos meus cuidados, como consequência
da minha vocação.
Jesus nos ensina que o afeto entre o
pastor e a ovelha é expresso pela voz do pastor: “as ovelhas escutam a sua voz;
ele chama as ovelhas pelo nome e as conduz para fora. E, depois de fazer
sair todas as que são suas, caminha à sua frente, e as ovelhas o seguem, porque
conhecem a sua voz” (Jo 10,3-4). A voz é a própria comunicação do afeto do
pastor para com cada uma de suas ovelhas. Cada ovelha se sente amada pelo seu
pastor porque ele a chama pelo nome; ela se encontra no meio de um imenso
rebanho, mas sabe que é única para o seu pastor! Ela tem um nome, uma história,
uma necessidade que só o seu pastor conhece. As ovelhas seguem a voz do pastor
porque sua voz lhes transmite orientação, segurança, confiança, amparo.
Como nós, ovelhas do rebanho do
Senhor, estamos em relação a isso? Vivendo neste mundo cheio de ruído, cheio de
barulho, ainda conseguimos identificar a voz de Jesus em nossa consciência? A
voz do pastor indica a direção para a ovelha: eu sou uma pessoa dirigida a
partir de fora (mundo) ou a partir de dentro (Jesus)?
A voz do pastor conduz as ovelhas “para fora”
do redil. Todo autêntico líder provoca as pessoas que estão sob seus cuidados a
virem para fora, a saírem da sua zona de conforto, a crescerem, a olharem a
vida nos olhos, a enfrentarem os desafios. Todo cuidador que ama aqueles que
estão sob seus cuidados provoca-os ao crescimento, ao amadurecimento, ao
fortalecimento perante os desafios da vida. Superproteger as pessoas que nós
amamos impede que elas cresçam e se responsabilizem pela vida. Precisamos evitar
que as pessoas que estão sob nossos cuidados cresçam infantilizadas.
“Depois de fazer sair todas as que
são suas, caminha à sua frente, e as ovelhas o seguem” (Jo 10,4). Por mais
afeto e intimidade que exista entre pastor e ovelha, cada um precisa saber qual
é o seu papel, qual é o seu lugar. Pais não são filhos e filhos não são pais.
Como se costuma dizer, seu filho pode escolher amigos, mas ele não pode
escolher pai ou mãe. Pais que se tornam “amigos” dos filhos e abrem mão do
papel de cuidadores/orientadores, estão deixando seus filhos órfãos. A
intimidade e a liberdade entre pais e filhos não pode anular o lugar que cada
um ocupa na família e perante a vida. O lugar do cuidador é “à frente” daqueles
que ele cuida, e não “ao lado”, muito menos “atrás”! A orientação a respeito da
vida deve vir dos pais e não dos filhos.
Ao final do Evangelho, Jesus volta à
imagem da porta: “Eu sou a porta. Quem entrar por mim será salvo; entrará e
sairá e encontrará pastagem” (Jo 10,9). A porta serve tanto para nos
deixar entrar quanto para nos deixar sair. Entrar pela porta que é Jesus
significa saber que somente Ele pode nos dar acesso ao Pai. A única porta que a
humanidade tem aberta para conhecer verdadeiramente o Pai é seu Filho Jesus.
“por meio dele, nós... num só Espírito, temos acesso ao Pai” (Ef 2,18). Jesus
“é capaz de salvar para sempre aqueles que, por meio dele, se aproximam de
Deus” (Hb 7,25).
“(...) entrará e sairá e encontrará
pastagem” (Jo 10,9). Sair pela porta significa ser liberto de uma situação de
não-vida. Nosso mundo ama a liberdade. No entanto, as inúmeras portas que nos
oferece muitas vezes nos jogam em situações de aprisionamento, de adoecimento e
de morte. Muitas pessoas abriram portas erradas e se permitiram prender a
situações de adoecimento e de infelicidade. Jesus se oferece como a porta que
nos dá acesso à libertação de tudo aquilo que nos escraviza e nos desumaniza. A
porta está aberta: depende de cada um de nós se levantar e sair por ela, para
encontrar a verdadeira vida que o Pai deseja oferecer à humanidade na pessoa do
Filho.
Pe. Paulo Cezar
Mazzi