Missa Maria, mãe
de Deus. Palavra de Deus: Números 6,22-27; Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21.
Quando um ano termina, é sempre uma
tarefa arriscada avaliá-lo meramente como um “ano positivo” ou um “ano
negativo”. A vida não se enquadra nessa matemática ingênua e superficial,
segundo a qual o ano é visto como “bom” ou “ruim” a partir da soma dos
acontecimentos: aconteceram mais coisas boas do que ruins, e vice-versa.
Nossa vida não é definida a partir daquilo que nos acontece, mas a partir da
forma como lidamos com o que nos acontece. Além disso, para aqueles que têm fé,
é importante lembrar que “Deus faz com que tudo concorra para o bem daqueles
que o amam” (Rm 8,28), o que significa que também as coisas ruins podem servir
para a nossa correção, o nosso crescimento e a nossa salvação.
Uma afirmação bíblica a respeito da
Maria nos ilumina nesta passagem de ano: “Quanto a Maria, guardava todos estes
fatos e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2,19). Como filhos de Maria,
somos convidados a revisar os acontecimentos que nos afetaram neste ano que
termina e nos perguntar como lidamos com eles, ou o que eles nos ensinaram, ou
ainda, o que Deus nos disse por meio deles. Deus fala conosco o tempo todo,
assim como a vida nos ensina o tempo todo, mas somente quem tem a coragem de,
como Maria, meditar, refletir em seu coração a sua forma de lidar com os
acontecimentos, consegue aprender algo novo, em vista do seu crescimento humano
e espiritual.
Esta celebração de Maria, mãe do
Filho de Deus, nos lembra também que “Deus enviou o seu Filho, nascido de uma
mulher, nascido sujeito à Lei, a fim de resgatar os que eram sujeitos à Lei e
para que todos recebêssemos a filiação adotiva” (Gl 4,5-6). A Lei a que o
apóstolo Paulo se refere é a Lei judaica (religiosa), uma Lei extremamente
exigente, diante da qual todo ser humano se sentia condenado, justamente por
não conseguir cumpri-la integralmente. Podemos alargar o sentido dessa condenação.
Todos nós estamos sujeitos às incertezas deste mundo, sujeitos à violência, às
tragédias, às doenças, às turbulências na vida financeira ou afetiva etc. Mas
Paulo nos lembra que Cristo nos deu uma nova identidade: não somos mais
escravos, mas filhos – “E porque sois filhos, Deus enviou aos nossos corações o
Espírito do seu Filho, que clama: Abá - ó Pai!” (Gl 4,6).
Jesus viveu num mundo injusto e
desigual como o nosso, um mundo também marcado por conflitos e tragédias. No
entanto, ele escolheu se manter interiormente livre; escolheu ser conduzido
pelo Espírito de Deus que afirmava constantemente dentro dele: “Você é Filho,
não escravo”; “Você nem sempre escolherá qual acontecimento atravessará seu
caminho, mas sempre poderá escolher a forma de lidar com ele”. Se nós recebemos
esse mesmo Espírito de Jesus, que comprova que somos “filhos de Deus”, já
passou da hora de nos libertarmos de comportamentos que nos mantém escravos da
superstição, do medo e da ignorância, escravos do celular e da internet,
escravos da bebida, das drogas e da pornografia, escravos do consumismo e de
uma vida vazia e superficial, escravos das cobranças do mercado e da
expectativa dos outros, escravos da nossa dependência afetiva e do nosso
sentimento de inferioridade etc.
Diante do novo ano que se abre,
podemos nos perguntar: o que há novo nele? Tudo, e também nada. Não somente
cada ano que nasce, mas também cada dia que desponta, é sempre uma página em
branco: as linhas estão ali, mas somos nós que decidimos o que vamos escrever. Escrever
as mesmas coisas é sempre mais fácil; é a vida no piloto automático; é a
síndrome de Gabriela – “eu nasci assim, eu cresci assim, vou ser sempre assim”.
Nada muda quando não nos damos ao trabalho de mudar. Nada melhora quando não nos
esforçamos em melhorar. Nada se modifica quando não aceitamos corrigir atitudes
que precisam ser corrigidas. Por isso, pedir a bênção de Deus para o novo ano
significa também arregaçar as mangas e trabalhar no sentido da bênção que Deus,
como Pai, quer dar a cada filho Seu na face da terra.
“O
Senhor te abençoe e te guarde! O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face, e se
compadeça de ti! O Senhor volte para ti o seu rosto e te dê a paz!” (Nm 6,24-26).
Bênção não é mágica. Não adianta eu pedir a bênção de Deus, mas não aceitar
obedecer à Sua voz em minha consciência. Não posso esperar que a bênção de Deus
funcione como uma “blindagem” contra todo tipo de dor, dificuldade ou
sofrimento. A vida não poupa ninguém de dificuldade. A terra não é o céu. Esperar
que a estrada de 2020 seja totalmente asfaltada, pista dupla, sem pedágio,
sobre a qual deslizaremos tranquilamente, sem enfrentar nenhum tipo de
contratempo, é não ter senso de realidade. Deus nos quer fortes, e não covardes.
Deus nos quer maduros, e não mimados. Deus nos quer em comunhão com a dor que
afeta o nosso próximo, e não indiferentes, fechados em nossa bolha chamada “individualismo”.
Termino
esta reflexão com uma proposta de oração para esta passagem de ano:
Meu
Pai, em comunhão com Maria santíssima deposito diante de Ti todos os acontecimentos
que atingiram a mim e à humanidade neste ano. Nem tudo eu consegui refletir ou
assimilar. Nem sempre eu vi Tua mão me conduzindo. Alguns dos meus sofrimentos
foram frutos da minha teimosia em fazer as coisas do meu jeito, sem obedecer à
Tua voz em minha consciência.
Concede-me
um coração filial, sempre mais consciente da voz do Teu Espírito em mim, Ele que
comprova que não preciso viver como escravo(a) de coisas que me adoecem e
destroem, mas como alguém que sempre tem a liberdade de escolher como lidar com
aquilo que me acontece. Liberta-me não só das correntes de ferro que me prendem
ao erro, mas, sobretudo, daquele fio de ouro que não tenho a coragem de cortar,
porque me oferece falsas compensações.
Hoje
peço Tua benção, Pai, sobre mim e sobre toda a humanidade. Torna-nos fortes
diante da adversidade, perseverantes diante das tribulações, firmes na fé
diante das provações, alegres por causa da esperança, fiéis à cruz de Teu Filho
Jesus, capazes de solidariedade para com os que sofrem, construtores da paz e confiantes na força da Tua verdade que prevalecerá sobre toda mentira que há no mundo. Em
nome de Jesus, amém!