quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

OCUPE SEU LUGAR NA HISTÓRIA DA SALVAÇÃO!


Missa do 4º dom. do Advento. Palavra de Deus: Isaías 7,10-14; Romanos 1,1-7; Mateus 1,18-24.

Que lugar eu ocupo no mundo? Minha existência faz alguma diferença para a humanidade? Por mais que existam pessoas consideradas “importantes”, “absolutamente necessárias”, “insubstituíveis”, a verdade é que ninguém é o centro do mundo, ninguém é o centro do universo: todos nós somos mortais e, de certa forma, “substituíveis”; nem o mundo, nem a história da humanidade, começaram conosco ou tem em nós o seu eixo. Pode até ser que muita coisa dependa de nós nesse momento, mas quando viermos a faltar, a vida passará por um processo de adaptação e seguirá seu curso, assim como a história humana continuará a ser escrita por outras pessoas. Então, mais uma vez a pergunta: Minha existência faz alguma diferença para a humanidade?
No centro do Evangelho que hoje ouvimos está a figura de José, um homem que não teve qualquer palavra registrada na Sagrada Escritura, um homem silencioso e humilde, mas cuja presença na vida de Jesus – uma presença querida por Deus – nos ensina que cada um de nós ocupa um lugar importante, único e específico dentro da história da salvação. Enquanto as narrativas do nascimento e da infância de Jesus dão muito destaque à figura de Maria, o evangelista Mateus quis resgatar a figura de José, para nos falar da importância de compreendermos a nossa existência como uma vocação, como um convite a fazer da nossa vida uma “palavra de salvação” para o mundo.
            Assim como José, nós passamos por situações onde a vida parece virar de cabeça para baixo. Quando tudo estava caminhando segundo os nossos sonhos e projetos, um acontecimento estranho chegou e tirou o chão debaixo dos nossos pés, nos enchendo de medo, de raiva, de angústia e de incompreensão. É a nossa noite escura; é quando não entendemos mais o que está acontecendo e não conseguimos nos conectar com Deus, para receber uma mensagem Sua que responda às nossas perguntas. No entanto, apesar de estar com sua vida totalmente “desajustada”, o Evangelho afirma que José “era justo”. Não compreendendo a origem da gravidez de Maria, ele toma a decisão de abandoná-la em segredo. Fazendo assim, Maria não seria vista como adúltera, enquanto José seria visto como um homem irresponsável, que engravidou sua noiva e depois a abandonou.
A resposta que José não encontrou nos seus pensamentos embaralhados pelo medo, pela angústia, pela raiva e pela incompreensão, ele a encontrou quando conseguiu dormir, isto é, quando se desarmou. Como escreveu o Pe. Pagola, “acordado, consciente, o homem se defende, censurando aquilo que não quer. No sono, se desarma, e pode receber aquilo que Deus quer dar-lhe”. Quantas vezes rezamos “armados” em relação a Deus? Reclamamos das nossas feridas, mas não permitimos que Ele toque nelas; sofremos com determinadas situações, mas não aceitamos que Ele nos torne conscientes sobre a nossa responsabilidade em relação às mesmas. É verdade que Deus tem algo novo para nos dar, mas nossas mãos estão firmemente fechadas, assim como fechados estão os nossos pensamentos e também o nosso coração. E quanto mais nós estamos fechados, mais Deus precisa bater, quem sabe até nos “quebrar”, até abrir uma brecha através da qual fazer brilhar a Sua luz no meio da nossa sofrida noite escura...
Deus encontrou uma abertura na mente, na psique, na alma de José, e ampliou o seu horizonte de compreensão: se José não foi de modo algum “necessário” para o filho de Deus vir ao mundo, ele era “absolutamente necessário” para impor o nome ao Menino, isto é, para ajudá-lo a tornar-se consciente da sua própria identidade, para transmitir-lhe uma segurança emocional, para encaminhá-lo na vida e prepará-lo para a missão de salvar a humanidade. Eis aí, portanto, o lugar de cada um de nós na história da salvação: não somos salvadores das pessoas, mas colaboradores na salvação delas; não somos o personagem central na história da vida, mas sem a nossa presença e atuação, essa história fica gravemente prejudicada, incompleta.
Portanto, nós não somos a Mãe que gera o Filho de Deus, mas somos o “pai” que tem como tarefa sagrada amparar os inúmeros filhos de Deus que ainda não sabem seu próprio nome; crianças, adolescentes e jovens sem identidade ou com uma identidade profundamente frágil, confusa, fragmentada, adoecida; uma geração sem rumo e sem sentido para a vida, que não sabe o que significa “limite”, que não admite ser frustrada; uma geração que não sabe diferenciar o bem do mal, a justiça da injustiça; que só conhece a liberdade, mas não a responsabilidade...
“Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado, e aceitou sua esposa” (Mt 1,24). Eis aqui outro traço importante da “justiça” de José. Enquanto se debatia entre os seus projetos humanos e o projeto de Deus, José havia perdido a sua paz e se enchido de angústia. A partir do momento em que ele decidiu “ajustar” a sua vida à vontade de Deus, voltou a sentir paz, confiança, serenidade e clareza. Desse modo, ele “aceitou” receber Maria, grávida do Filho de Deus. À semelhança de José, nós somos convidados a nos tornar homens e mulheres “justos”, isto é, capazes de – não sem dor, não sem uma intensa luta interior – ajustar a nossa vida à vontade de Deus, abrindo-nos àquilo que Ele quer gerar em nós: uma vida mais ampla, mais profunda, mais livre, mais plena de sentido, uma vida que se torne “palavra de salvação” para a humanidade da qual fazemos parte.

ORAÇÃO: Pai, quero tornar-me consciente do meu lugar na história da salvação. Eu tenho meus planos e meus sonhos, mas sei que a minha realização está em abrir-me aos Teus planos e os Teus sonhos a respeito de mim e da humanidade. Muitas vezes eu resisto ao Teu querer e me fecho à Tua vontade porque tenho medo, porque quero manter o controle da minha vida em minhas mãos. Mas hoje o Senhor me convida a abrir mão desse controle; o Senhor me convida a dormir, a me desarmar, a permitir que o meu horizonte estreito e fechado se abra para algo novo, para algo muito maior que o Senhor tem para mim e para aqueles que o Senhor quer salvar por meio da minha humilde e breve existência neste mundo. Eu aceito ser Teu José. Eu quero ocupar o lugar que me cabe na história humana, para o bem da humanidade e para que a Tua salvação chegue onde ela ainda precisa chegar. Faça-se em mim o Teu querer. Sou Teu José! Em nome de Jesus, amém!     


Pe. Paulo Cezar Mazzi

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