Missa do
4º dom. do Advento. Palavra de Deus: Isaías 7,10-14; Romanos 1,1-7; Mateus
1,18-24.
Que lugar
eu ocupo no mundo? Minha existência faz alguma diferença para a humanidade? Por
mais que existam pessoas consideradas “importantes”, “absolutamente
necessárias”, “insubstituíveis”, a verdade é que ninguém é o centro do mundo, ninguém
é o centro do universo: todos nós somos mortais e, de certa forma,
“substituíveis”; nem o mundo, nem a história da humanidade, começaram conosco
ou tem em nós o seu eixo. Pode até ser que muita coisa dependa de nós nesse
momento, mas quando viermos a faltar, a vida passará por um processo de
adaptação e seguirá seu curso, assim como a história humana continuará a ser
escrita por outras pessoas. Então, mais uma vez a pergunta: Minha existência
faz alguma diferença para a humanidade?
No centro
do Evangelho que hoje ouvimos está a figura de José, um homem que não teve
qualquer palavra registrada na Sagrada Escritura, um homem silencioso e
humilde, mas cuja presença na vida de Jesus – uma presença querida por Deus –
nos ensina que cada um de nós ocupa um lugar importante, único e específico
dentro da história da salvação. Enquanto as narrativas do nascimento e da
infância de Jesus dão muito destaque à figura de Maria, o evangelista Mateus
quis resgatar a figura de José, para nos falar da importância de compreendermos
a nossa existência como uma vocação, como um convite a fazer da nossa vida uma
“palavra de salvação” para o mundo.
Assim
como José, nós passamos por situações onde a vida parece virar de cabeça para
baixo. Quando tudo estava caminhando segundo os nossos sonhos e projetos, um
acontecimento estranho chegou e tirou o chão debaixo dos nossos pés, nos
enchendo de medo, de raiva, de angústia e de incompreensão. É a nossa noite
escura; é quando não entendemos mais o que está acontecendo e não conseguimos
nos conectar com Deus, para receber uma mensagem Sua que responda às nossas
perguntas. No entanto, apesar de estar com sua vida totalmente “desajustada”, o
Evangelho afirma que José “era justo”. Não compreendendo a origem da gravidez
de Maria, ele toma a decisão de abandoná-la em segredo. Fazendo assim, Maria
não seria vista como adúltera, enquanto José seria visto como um homem
irresponsável, que engravidou sua noiva e depois a abandonou.
A
resposta que José não encontrou nos seus pensamentos embaralhados pelo medo,
pela angústia, pela raiva e pela incompreensão, ele a encontrou quando
conseguiu dormir, isto é, quando se desarmou. Como escreveu o Pe. Pagola, “acordado,
consciente, o homem se defende, censurando aquilo que não quer. No sono, se
desarma, e pode receber aquilo que Deus quer dar-lhe”. Quantas vezes rezamos “armados”
em relação a Deus? Reclamamos das nossas feridas, mas não permitimos que Ele
toque nelas; sofremos com determinadas situações, mas não aceitamos que Ele nos
torne conscientes sobre a nossa responsabilidade em relação às mesmas. É
verdade que Deus tem algo novo para nos dar, mas nossas mãos estão firmemente
fechadas, assim como fechados estão os nossos pensamentos e também o nosso
coração. E quanto mais nós estamos fechados, mais Deus precisa bater, quem sabe
até nos “quebrar”, até abrir uma brecha através da qual fazer brilhar a Sua luz
no meio da nossa sofrida noite escura...
Deus
encontrou uma abertura na mente, na psique, na alma de José, e ampliou o seu
horizonte de compreensão: se José não foi de modo algum “necessário” para o
filho de Deus vir ao mundo, ele era “absolutamente necessário” para impor o
nome ao Menino, isto é, para ajudá-lo a tornar-se consciente da sua própria identidade,
para transmitir-lhe uma segurança emocional, para encaminhá-lo na vida e prepará-lo
para a missão de salvar a humanidade. Eis aí, portanto, o lugar de cada um de
nós na história da salvação: não somos salvadores das pessoas, mas
colaboradores na salvação delas; não somos o personagem central na história da
vida, mas sem a nossa presença e atuação, essa história fica gravemente prejudicada,
incompleta.
Portanto,
nós não somos a Mãe que gera o Filho de Deus, mas somos o “pai” que tem como
tarefa sagrada amparar os inúmeros filhos de Deus que ainda não sabem seu
próprio nome; crianças, adolescentes e jovens sem identidade ou com uma
identidade profundamente frágil, confusa, fragmentada, adoecida; uma geração
sem rumo e sem sentido para a vida, que não sabe o que significa “limite”, que
não admite ser frustrada; uma geração que não sabe diferenciar o bem do mal, a
justiça da injustiça; que só conhece a liberdade, mas não a responsabilidade...
“Quando
acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado, e aceitou sua esposa”
(Mt 1,24). Eis aqui outro traço importante da “justiça” de José. Enquanto se
debatia entre os seus projetos humanos e o projeto de Deus, José havia perdido
a sua paz e se enchido de angústia. A partir do momento em que ele decidiu
“ajustar” a sua vida à vontade de Deus, voltou a sentir paz, confiança,
serenidade e clareza. Desse modo, ele “aceitou” receber Maria, grávida do Filho
de Deus. À semelhança de José, nós somos convidados a nos tornar homens e
mulheres “justos”, isto é, capazes de – não sem dor, não sem uma intensa luta
interior – ajustar a nossa vida à vontade de Deus, abrindo-nos àquilo que Ele
quer gerar em nós: uma vida mais ampla, mais profunda, mais livre, mais plena
de sentido, uma vida que se torne “palavra de salvação” para a humanidade da
qual fazemos parte.
ORAÇÃO:
Pai, quero tornar-me consciente do meu lugar na história da salvação. Eu tenho
meus planos e meus sonhos, mas sei que a minha realização está em abrir-me aos
Teus planos e os Teus sonhos a respeito de mim e da humanidade. Muitas vezes eu
resisto ao Teu querer e me fecho à Tua vontade porque tenho medo, porque quero
manter o controle da minha vida em minhas mãos. Mas hoje o Senhor me convida a abrir
mão desse controle; o Senhor me convida a dormir, a me desarmar, a permitir que
o meu horizonte estreito e fechado se abra para algo novo, para algo muito
maior que o Senhor tem para mim e para aqueles que o Senhor quer salvar por
meio da minha humilde e breve existência neste mundo. Eu aceito ser Teu José.
Eu quero ocupar o lugar que me cabe na história humana, para o bem da humanidade e para que a Tua
salvação chegue onde ela ainda precisa chegar. Faça-se em mim o Teu querer. Sou
Teu José! Em nome de Jesus, amém!
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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