terça-feira, 24 de dezembro de 2019

NOSSA CARNE REDIMIDA POR AQUELE QUE SE FEZ CARNE


Missa de Natal. Palavra de Deus: Isaías 9,1-6; Tito 2,11-14; Lucas 2,1-14; João 1,1-5.9-14.  

                A Sagrada Escritura nos ensina que “Deus é Espírito” (Jo 4,24), mas o ser humano é “carne” (Is 40,6). Enquanto “Espírito” significa vida, força e imortalidade, “carne” significa aquilo que perece, envelhece, adoece e morre. “Carne” significa aquilo que apodrece, que se corrompe, que se estraga. Nós somos “carne”! Apesar dessa verdade nua e crua, o nascimento de Jesus Cristo foi anunciado por João com essas palavras: “E toda carne verá a salvação que vem de Deus” (Lc 3,6). Por isso, Santo Agostinho afirmou, em sua homilia de Natal: “Por tua causa Deus se fez homem. Estarias morto para sempre, se ele não tivesse nascido no tempo. Jamais te libertarias da carne do pecado, se ele não tivesse assumido uma carne semelhante à do pecado. Estarias condenado a uma eterna miséria, se não fosse a sua misericórdia. Não voltarias à vida, se ele não tivesse vindo ao encontro da tua morte. Terias perecido, se ele não te socorresse. Estarias perdido, se ele não viesse salvar-te”.
            Natal é a festa da “Encarnação”, pois “a Palavra se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Jesus, Palavra viva do Pai, por meio da qual tudo foi criado – “Tudo foi feito por ela” (Jo 1,3) – assumiu a nossa “carne”, isto é, a nossa condição humana. Ele assumiu a nossa carne, justamente para redimi-la, para libertá-la da estreiteza do seu egoísmo, da cegueira do seu horizonte fechado, do círculo vicioso do seu pecado e de todo tipo de opressão e injustiça a que o ser humano está exposto neste mundo. É por isso que o profeta Isaías proclama: “(...) para os que habitavam nas sombras da morte, uma luz resplandeceu” (Is 9,1), e o Evangelho afirma a respeito do nascimento de Jesus: “Era a luz da verdade que, vindo ao mundo, ilumina todo ser humano” (Jo 1,9).
            Quando os anjos anunciam aos pastores: “Hoje... nasceu para nós um salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2,11), estão afirmando que Jesus nasceu como salvador de todo ser humano. Ele não nasceu apenas para Maria e José, como também não nasceu apenas para o povo judeu; ele nasceu para todo ser humano, porque “a graça de Deus se manifestou, trazendo a salvação para todos os homens” (Tt 2,11), isto é, para todas as pessoas. Onde quer que exista uma “carne”, isto é, um ser humano ferido, violentado, injustiçado, fragilizado, desrespeitado, entristecido, sem esperança, é ali que Jesus quer se fazer presente, assumindo toda a sua situação de sofrimento para libertá-lo, redimi-lo, salvá-lo.           
            Se queremos celebrar verdadeiramente o Natal, precisamos nos lembrar deste conselho de Deus: “Não se esconda daquele que é sua própria carne” (Is 58,7), ou seja, não ignore o sofrimento daquele que é humano como você; não se torne indiferente às pessoas à sua volta; não se desumanize, pois o Filho de Deus se fez pessoa humana e veio devolver humanidade ao nosso coração, ferido pelo ódio, adoecido pelo rancor, endurecido pela maldade que há em nosso mundo. “Não esconder-se da sua própria carne” também significa olhar com coragem e sinceridade para si mesmo, para aquilo que em você é frágil, imperfeito, doente, deformado pelo mal, e acolher-se, reconciliar-se com sua própria história, dialogar com sua própria verdade, admitir sua absoluta necessidade de ser redimido, liberto, salvo.
            A manjedoura onde Jesus foi colocado após seu nascimento, “pois não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7), nos remete para tantas situações da nossa vida onde o ideal foi ocupado pelo real. Quantos ideais, quantos sonhos e quantos projetos nossos foram desfeitos, modificados, atropelados por acontecimentos que viraram a nossa vida do avesso? E, no entanto, Deus, ao permitir que Seu Filho nascesse naquela situação de total desamparo, está nos dizendo que Ele está conosco em toda e qualquer situação. Embora nem sempre consigamos perceber, Ele está nos acompanhando nas nossas noites escuras, conduzindo os acontecimentos de modo que tudo concorra para o nosso bem, segundo o Seu amor e seu desígnio de salvação para conosco. Portanto, justamente ali, onde pensamos “não haver lugar” para a vida nascer, para a esperança nos visitar, para a nossa situação se transformar, é ali que Deus nos surpreende com a sua Providência e nos revela que a luz sempre encontra uma forma de vencer as trevas.
Porque Jesus Cristo é “a luz da verdade que, vindo ao mundo, ilumina todo ser humano” (Jo 1,9), nesta noite de Natal nós suplicamos por todas as pessoas e situações em nosso mundo que precisam ser iluminadas pela verdade da encarnação, para que cada ser humano experimente em sua própria “carne”, em sua própria condição de finitude, de fragilidade, de sofrimento e de morte, a graça da redenção, a certeza de ser infinitamente amado pelo Pai que enviou seu Filho para nos salvar.    
      
            ORAÇÃO: “Para os que habitavam nas sombras da morte, uma luz resplandeceu” (Is 9,1). Deus da luz, em Ti não há trevas! Desce a nós, Pai das luzes! Visita-nos em nossas trevas. Visita especialmente todas as pessoas que se encontram na sombra escura da bebida e das drogas, do desemprego, da violência, da angústia, da depressão ou da falta de sentido para a vida. “Botas de tropa de assalto, trajes manchados de sangue, tudo será queimado e devorado pelas chamas” (Is 9,4). Deus forte, Príncipe da paz, desarma o coração daqueles que promovem guerras; livra nosso mundo da violência do tráfico e do trânsito, da intolerância e da perseguição política e religiosa. Derruba os muros que levantamos e ensina-nos a construir pontes em nossas famílias, igrejas e ambientes de trabalho. “Nasceu para nós um salvador, que é o Cristo Senhor” (Lc 2,11). Que a luz do Teu nascimento, Senhor Jesus, resplandeça sobre toda consciência e todo coração, de modo que nenhuma pessoa seja tomada pelo desespero, mas experimente a graça da Tua libertação e salvação. “E a Palavra se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Habita em nós, Senhor Jesus! Toca em nossa carne, abraça nossa fragilidade mais profunda, reconcilia-nos com a nossa própria humanidade e liberta-nos de nós mesmos! Amém!  

Pe. Paulo Cezar Mazzi    

Um comentário:

  1. Eu sou Padre Edson da Diocese de Guaxupé-MG, da cidade de Guaxupé mesmo, da Paróquia São José Operário. Quero te desejar um Feliz Natal. Parabéns pelas suas homilias. Eu amo! Obrigado!

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