Missa
de Cristo Rei do Universo. Palavra de Deus: 2Samuel 5,1-3; Colossenses 1,12-20;
Lucas 23,35-43.
A
figura de um rei tem quase nada a dizer ao nosso mundo moderno, mas no mundo
bíblico ela se reveste de uma grande importância. O rei é o defensor do seu
povo; é aquele que vai à frente do exército para lutar e proteger o seu povo. Neste
sentido, ele é o promotor da paz. Além disso, o rei é responsável por garantir
a justiça e o direito, o que significa não permitir que no seu reino haja
injustiças que levem pessoas inocentes a sofrerem e a morrerem. Enfim, como nos
ensina o Salmo 72, o rei é o defensor dos mais fracos: só ele pode salvar a
vida dos indigentes, esmagar os opressores, libertar os prisioneiros e ter
compaixão dos fracos. Este sentido bíblico da figura do rei deve iluminar a
nossa celebração de hoje, dia em que a Igreja proclama Jesus Cristo, Rei do universo.
Pode
parecer muita pretensão nossa afirmar que Jesus Cristo é Rei “do universo”, uma
vez que nós, cristãos, somos apenas um terço da humanidade. Por isso, precisamos
entender essa verdade a respeito de Jesus a partir da Sagrada Escritura, quando
o apóstolo Paulo afirma: “Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele existe
antes de todas as coisas, e todas têm nele a sua consistência” (Cl 1,16-17). Em
relação ao mundo, em relação a tudo o que foi criado, Jesus Cristo desempenha o
papel de fonte, fundamento, consistência e meta final. Portanto, só em Jesus
Cristo é que nós encontramos a razão de ser da nossa existência, pois nele o
Pai nos escolheu antes da criação do mundo (cf. Ef 1,4). Quando Jesus Cristo
não ocupa o centro da nossa existência, perdemos o nosso fundamento, como uma
construção que, por perder seu próprio alicerce, desaba. Nele ainda está também
a nossa consistência, o nosso humano curado, redimido, integrado. Por fim, Ele
é a nossa meta final, que é a comunhão definitiva com o Pai.
Apesar
dessa verdade profunda da nossa fé, não apenas a maior parte da humanidade
desconhece Jesus Cristo como muitos de nós, que supostamente já O conhecemos,
não vivemos sob o seu domínio salvífico, no sentido de que não nos submetemos à
sua verdade, não pautamos a nossa conduta segundo o seu Evangelho e não
aceitamos sua “interferência” em diversos âmbitos da nossa vida. Quando muito,
Jesus se tornou para não poucos cristãos, apenas um pronto-socorro nas horas
críticas da vida. Portanto, há uma distância muito grande entre a declaração de
que Jesus Cristo é rei do universo e o fato de que muitos cristãos não aceitam
viver sob o domínio desse rei, sofrendo, em contrapartida, a dominação imposta
pelo maligno ou por um mundo especializado em guiar cegos para o mesmo buraco
em que ele se encontra.
A
boa notícia é que todos nós, seres humanos, podemos dizer em relação a Jesus
Cristo o que todas as tribos de Israel disseram em relação ao rei Davi: “Aqui
estamos. Somos teus ossos e tua carne” (2Sm 5,1). Sendo verdadeiro Deus e
verdadeiro homem, Jesus Cristo assumiu em tudo a nossa condição humana,
sofrendo ele mesmo nossas fraquezas e escolhendo livremente se submeter ao Pai,
para nos livrar do círculo vicioso da desobediência que nos leva para a
destruição e a morte. É por isso que Paulo afirma: “Deus quis habitar nele com
toda a sua plenitude e por ele reconciliar consigo todos os seres, os que estão
na terra e os que estão no céu, realizando a paz pelo sangue da sua cruz” (Cl
1,19-20).
Da
mesma forma como todas as coisas foram afetadas pelo pecado e pela morte, a
partir das pessoas que se deixaram dominar pelo mal, Deus Pai confiou ao seu
Filho o poder de restaurar todas as coisas, reconciliando-as com sua própria
verdade, devolvendo a cada uma delas o seu próprio fundamento e a sua
consistência, realizando a paz pelo sangue da cruz de seu Filho. Desse modo,
toda pessoa que escolhe livremente colocar-se sob o domínio espiritual de Cristo
é como um enfermo que se deixa curar, um perdido que se deixa encontrar, um coração
conflito que se deixa pacificar ou um condenado que se deixa absolver e salvar.
Eis,
portanto, a cena central do Evangelho de hoje: dois homens estão condenados,
junto com Jesus, à morte de cruz. Enquanto um deles ridiculariza o senhorio de
Jesus, dizendo: “Tu não és o Cristo? Salva-te a ti mesmo e a nós!” (Lc 23,39),
o outro reconhece tanto a necessidade de ambos serem salvos como também Aquele
que é o único que tem o poder de realizar tal salvação: “Jesus, lembra-te de
mim quando entrares no teu reinado” (Lc 23,42), ao que Jesus lhe respondeu: “Em
verdade eu te digo, ainda hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43).
Essas
palavras de Jesus revelam o verdadeiro sentido do seu reinado, do seu domínio
salvífico sobre todo ser humano que escolhe livremente se submeter a ele: este
Rei nos abre o caminho de volta ao paraíso, devolvendo-nos o estado psíquico e
espiritual de pessoas reconciliadas, pacificadas pelo sangue de sua cruz. Essa
é a realeza escandalosa de Jesus: em um mundo cheio de pessoas injustiçadas,
Ele aceitou morrer como um injusto, mas a sua morte derramou sobre toda a
humanidade o sangue da justificação, isto é, a graça de sermos declarados
justos não devido à nossa vitória sobre o pecado, mas devido às palavras
daquele que nos absolve das nossas culpas e nos livra das nossas condenações.
Eis, portanto, o nosso Rei! Um homem
pacífico, não violento, que morreu experimentando a violência deste mundo, mas que
ressuscitou e se assentou à direita do trono de Deus Pai, para restaurar todas
as coisas, para reconciliar e pacificar todas as criaturas no céu e na terra. A
Ele suplicamos: Senhor Jesus Cristo, tu és a minha fonte, o meu fundamento, a
minha consistência e a meta final da minha vida. Olha para o nosso mundo,
ferido pelas injustiças praticadas por inúmeros ‘reis’ terrenos dominados pela
ganância, corrompidos pelo poder e submissos à escravidão do dinheiro. Estende
sobre todos nós o teu senhorio, o teu domínio salvífico, libertando-nos do
domínio destrutivo do mal, absolvendo-nos de todo tipo de condenação,
reconciliando-nos com a nossa própria verdade e pacificando-nos interiormente. Enfim,
restabelece o direito, a justiça e a paz sobre a face da terra; defende os mais
fracos, salva a vida dos indigentes, esmaga os opressores e restaura toda a
criação de Deus, conduzindo-nos todos ao teu Reino eterno. Amém!
Pe. Paulo Cezar
Mazzi
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