quinta-feira, 31 de outubro de 2019

SER FIEL À PRÓPRIA ESSÊNCIA


Missa de todos os Santos. Palavra de Deus: Apocalipse 7,2-4.9-14; 1João 3,1-3; Mateus 5,1-12a.

            A Sagrada Escritura afirma que nós, seres humanos, fomos criados à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26). Isso significa que dentro de cada um de nós existe algo sagrado, divino: é a nossa verdadeira essência. Sempre que vivemos a partir da nossa essência, do nosso sagrado, temos saúde e nos sentimos felizes, realizados. Porém, sempre que vivemos no sentido contrário à nossa essência, ao nosso sagrado, adoecemos, perdemos a paz e nos sentimos infelizes.
            O dia de todos os Santos nos convida a tomar consciência da nossa essência, do divino, do sagrado que habita o mais profundo de cada um de nós. Esse divino, esse sagrado fala conosco e pede para ser respeitado, reconhecido, desenvolvido. É verdade que nós levamos esse sagrado, esse divino, como que “em vasos de barro” (2Cor 4,7), ou seja, ele não é reconhecido e valorizado pelo mundo, que só enxerga aquilo que é exterior e superficial. Além disso, por sermos frágeis como “vasos de barro”, nós podemos fazer escolhas erradas e acabar por jogar fora o sagrado que nos habita. Sendo assim, a primeira pessoa que precisa tomar consciência do valor que carrega consigo somos nós mesmos.
            Uma das perguntas necessárias no dia de hoje é: como cuidar do divino, do sagrado, da santidade de Deus que nos habita, vivendo num mundo profano, que despreza e ridiculariza o sagrado? Esse cuidado passa pela nossa liberdade. Toda pessoa que quer ser fiel à sua essência divina precisa se lembrar do seguinte lema paulino: “Posso fazer tudo o que quero, mas nem tudo me convém” (1Cor 6,12). Sobretudo no mundo atual, cada um tem a liberdade de ser o que quer, de fazer o que quer; no entanto, a pessoa que deseja ser fiel à sua verdade interior, à sua essência, precisa discernir, separar o que convém à sua essência e o que não convém, o que respeita o divino nela e o que o ignora ou até mesmo atenta contra ele. Justamente porque o cuidado com a nossa santidade passa pela maneira como lidamos com a nossa liberdade é que Paulo volta a afirmar: “Posso fazer tudo o que quero, mas não me deixarei escravizar por coisa alguma” (1Cor 6,12).
            O Apocalipse nos fala da nossa essência divina como uma marca que recebemos em nossa consciência (cf. Ap 7,3). Numa época em que a maioria das pessoas acha mais fácil deixar-se levar por suas emoções cegas e por seus afetos desordenados, São João nos lembra que a nossa consciência precisa assumir o papel que lhe é próprio: administrar nossas emoções, ordenar nossos afetos, orientar a nossa liberdade segundo a verdade de Deus que nos habita, segundo a Sua voz, presente na essência divina que se esconde no mais profundo de nós e que pede para ser levada em conta nas nossas escolhas e decisões, se quisermos ser pessoas verdadeiramente saudáveis, felizes e realizadas. Além disso, João nos alerta para o fato de que, embora todo ser humano passe por muitas tribulações na sua vida terrena, toda pessoa que deseja ser fiel à sua vocação à santidade enfrentará tribulações muito mais intensas e dolorosas, tanto dentro quanto fora de si mesma (cf. Ap 7,14).  
            O mesmo apóstolo João nos ensina, na sua primeira carta, que a santidade é um processo nunca concluído, mas sempre em andamento: “Desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos” (1Jo 3,2). Se a nossa meta é nos tornarmos semelhantes à imagem do Filho de Deus, sabemos que nossa caminhada rumo à meta é feita de avanços, retrocessos, quedas, paradas e retomadas. Por isso, temos que caminhar mantendo os nossos olhos fixos em Jesus (cf. Hb 12,1). Ele foi humano como nós em tudo. Procurando nos comportar como Ele se comportou conseguiremos olhar o mundo com outros olhos: não como um lugar do qual devemos nos manter distantes ou nos defender, mas como o lugar que precisa receber a luz do divino que nos habita, o lugar onde existem pessoas que precisam ser salvas, que precisam tomar consciência de quem pertencem a Deus e são infinitamente amadas por Ele!
            Sendo verdadeiramente homem e verdadeiramente Deus, Jesus escolheu viver segundo a sua essência divina e nos indicou o caminho da santidade: aprender com os pobres, consolar os aflitos, tornar-se capaz de mansidão, comungar da fome e da sede de quem anseia por justiça, exercer a misericórdia (afetar-se pela dor do outro), cuidar da nossa essência (ser puro de coração), não se cansar de lutar pela paz e suportar ser perseguido por querer um mundo e uma Igreja mais justos, mais de acordo com os valores do Evangelho. Ser santo não significa tornar-se o que não se é, mas ser fiel ao que se é; não significa vestir-se com roupas “religiosas”, mas despir-se das vestes farisaicas que servem apenas para disfarçar o barro de que somos feitos.    

Pe. Paulo Cezar Mazzi

Algumas reflexões dos Santos para a nossa vida:

“Pregue o Evangelho em todo tempo. Se necessário, use palavras”
(São Francisco de Assis).

“Quanto mais escuridão se faz ao nosso redor, mais devemos abrir o coração à luz que vem do alto” (Santa Edith Stein).

“Tem sempre presente que a pele se enruga, que o cabelo se torna branco, que os dias se convertem em anos, mas o mais importante mão muda: tua força interior”
(Madre Teresa de Calcutá).

“A esperança tem duas filhas lindas, a indignação e a coragem; a indignação nos ensina a não aceitar as coisas como estão; a coragem, a mudá-las”
(Santo Agostinho).

“Trabalha em algo, para que o diabo te encontre sempre ocupado”
(São Jerônimo).

“Quem diz verdades perde amizades”
(Santo Tomás de Aquino).

“Não se opor ao erro é aprová-lo; não defender a verdade é negá-la”
(Santo Tomás de Aquino).

“No entardecer da vida, seremos julgados sobre o amor”
(São João da Cruz).

“Pertence àquele que tem fome o pão que tu guardas; àquele que está nu a capa que tu conservas nos teus armários; àquele que está descalço, os sapatos que apodrecem em tua casa; ao pobre o dinheiro que tu tens guardado. Assim tu cometes tantas injustiças quantas as pessoas às quais poderias dar” 
(São Basílio Magno).

“Quando rezamos, falamos com Deus. Quando lemos a Sagrada Escritura, Deus fala conosco”
(São Jerônimo).

“Enquanto formos cordeiros, venceremos e, mesmo que sejamos circundados por numerosos lobos, conseguiremos superá-los. Mas se nos tornarmos lobos, seremos derrotados, porque ficaremos desprovidos da ajuda do pastor”
(São João Crisóstomo).

“Não há santos sem passado, nem pecadores sem futuro”
(Cardeal Van Thuan).

“Não tenhas medo da santidade. Não te tirará forças, nem vida nem alegria. Muito pelo contrário, porque chegarás a ser o que o Pai pensou quando te criou e serás fiel ao teu próprio ser”
(Papa Francisco).

“A santidade não te torna menos humano, porque é o encontro da tua fragilidade com a força da graça” (Papa Francisco).

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