quinta-feira, 24 de outubro de 2019

DEUS NÃO SE ENCONTRA NO ALTO DA MONTANHA DO NOSSO ORGULHO, MAS NO VALE DA NOSSA HUMILDADE.



Missa do 30º. dom. comum. Palavra de Deus: Eclesiástico 35,15b-17.20-22a; 2Timóteo 4,6-8.16-18; Lucas 18,9-14.

            Primeiro Jesus nos ensinou a orar (cf. Lc 11,1-13); depois nos ensinou a sermos perseverantes na oração (cf. Lc 18,1-8); agora ele nos convida a repensar a maneira como nos colocamos diante de Deus na oração. Quando rezo, posso me colocar nas mãos de Deus como o barro se coloca nas mãos do oleiro, permitindo que o Oleiro divino me corrija, me aperfeiçoe, me transforme, fazendo de mim um vaso novo, uma pessoa nova. No entanto, também é possível colocar-se diante de Deus como uma pessoa que se vê perfeita, irrepreensível, que já amadureceu e, principalmente, que se julga superior às outras. Neste caso, o Oleiro não tem o que fazer, pois o barro endureceu na sua arrogância e autossuficiência, tornando-se uma estátua rígida, uma peça pronta, que está ali não para ser modelada, mas admirada ou mesmo “recompensada”.
            Segundo Jesus, todo encontro que temos com Deus na oração deveria nos fazer sair dele “justificados”, isto é, transformados. No entanto, às vezes essa transformação não acontece, e o problema não está em Deus, mas em nós, porque, ao invés de mergulhar de cabeça na água da piscina, nos dispusemos a molhar somente os pés; ao invés de permitir que o Médico tocasse nas nossas feridas mais profundas, nós quisemos que Ele nos desse somente um remédio para aliviar os sintomas da nossa doença; ao invés de nos despirmos diante d’Aquele que nos conhece por dentro, colocamos a melhor roupa e fizemos a melhor maquiagem para disfarçar – como se isso fosse possível – diante d’Ele aquilo que realmente somos.
            Assim como existem orações “perdidas” – orações que não nos transformam – existem também tratamentos “perdidos”, terapias jogadas fora, dinheiro desperdiçado em consultas médicas e tratamentos caros que não curam; inúmeras orações feitas em novenas, trezenas, missas, cultos, jejuns, quaresmas de São Miguel, cercos de Jericó etc.; devoções que nada modificam, nada transformam porque a pessoa se recusa a mergulhar no profundo de si mesma e a reconhecer seus erros e suas responsabilidades. São pessoas que mudam constantemente de médico, de terapeuta, de igreja, de religião, de crença, de parceiros(as), mas continuam sempre as mesmas, porque se recusam a mudar por dentro, se recusam a enfrentar seus fantasmas e a sofrerem a dor da transformação.
            Assim como a condição para ser curado é reconhecer e admitir que se está doente, a condição para sairmos da oração transformados é descer do pedestal da nossa arrogância. Da mesma forma como não se pode colocar mais nada num copo que já está cheio, a pessoa arrogante, que se julga justa e melhor do que as outras – como o fariseu na parábola – é alguém “impermeável” à graça de Deus. Por isso, Jesus nos propõe uma outra atitude – a do pecador na parábola: reconhecer a verdade de si mesmo perante Deus; permitir que Ele coloque a mão onde estamos feridos; aceitar as correções da sua Palavra; assumir verdadeiramente a responsabilidade diante das mudanças que são necessárias para a nossa vida; confrontar-nos com os nossos limites; enfim, reconhecer que precisamos ser salvos!    
            Jesus afirmou que “quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado” (Lc 18,14). “Elevar-se” significa ser o que não se é, afastar-se da própria verdade, mentir para si mesmo e para os outros, trilhar um caminho de distanciamento de si mesmo, desligar-se das suas próprias raízes, rejeitar seus próprios limites, sua sombra, suas fraquezas. Ora, se é verdade que a força de Deus se manifesta justamente em nossa fraqueza (cf. 2Cor 12,9), elevar-se significa fechar-se à graça transformadora de Deus. Por outro lado, “humilhar-se” não significa diminuir-se, mas reconciliar-se com a própria verdade, acolher-se e aceitar-se como se é, tomar consciência do próprio tamanho e das próprias capacidades, voltar a ter contato com as próprias raízes, das quais recebemos a seiva do Espírito de Deus e a partir das quais recobramos a consciência da nossa força e da nossa capacidade de resistir aos ventos contrários. Humilhar-se significa compreender que o verdadeiro encontro com Deus na oração nunca se dará no alto da montanha da nossa soberba, do nosso orgulho ou da nossa arrogância, mas lá embaixo, no vale da nossa humildade, no confronto com as nossas feridas, com as nossas sombras e com os nossos medos.      
            Eis, portanto, uma oração que talvez seja necessária para cada um de nós neste momento:

            Senhor Deus, o mundo tem me incentivado a subir os degraus da escada do orgulho e da arrogância, para que eu me sinta forte, vencedor(a), inabalável e melhor que muitas outras pessoas. Mas sempre que me coloco assim diante de Ti, não há espaço para a Tua graça penetrar em minha alma. Deixo de ser barro em Tuas mãos e saio da oração do mesmo jeito que entrei, sem ser transformado(a).
            Teu Filho Jesus me convida a descer do alto da montanha da minha arrogância até o vale da minha humildade, onde posso voltar a dialogar com a minha verdade, reencontrar as minhas raízes e falar contigo a partir delas, a partir da minha verdadeira necessidade de ser curado(a), corrigido(a), transformado(a).
            Diante do Teu amor que tudo pode curar e transformar quero me despir da minha armadura de fariseu, de pessoa que não se reconhece necessitada de salvação, que não admite suas próprias fraquezas e se julga melhor do que as outras. Assim como o salmista, eu Te peço: “preserva-me do orgulho, para que ele nunca me domine” (Sl 19,13). Concede-me a graça e a coragem de ser humilde, de estar assentado sobre o chão da minha verdade, consciente da minha força e da minha fraqueza, da minha luz e da minha sombra, reconciliado(a) com a minha história de vida. Amém!    

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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