Missa
do 29. dom. comum. Palavra de Deus: Êxodo 17,8-13; 2Timóteo 3,14–4,2; Lucas
18,1-8.
“Jesus
contou aos discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a necessidade de rezar
sempre, e nunca desistir” (Lc 18,1). As mãos de muitos cristãos se cansaram de
elevar-se ao Céu, assim como os seus joelhos se cansaram de se dobrar na
oração... Alguns abandonaram a vida de oração porque se cansaram de esperar por
Deus; outros, porque Ele não atendeu aos seus pedidos. Quantos pais suplicaram
a Deus pela cura do seu filho enfermo e não foram atendidos? Muitas pessoas não
conseguem mais rezar porque sua alma foi tomada pela raiva em relação a Deus,
uma raiva humanamente compreensível, uma vez que nós somos profundamente
limitados para compreender os caminhos de Deus. Portanto, para muitas pessoas, antes de pensar em retomar sua vida de oração, trata-se
primeiro de enfrentar sua raiva, sua revolta contra Deus; trata-se até mesmo de
perdoar Deus, antes de voltar a dialogar com Ele na oração.
Quando
estava diante do túmulo de Lázaro, “Jesus ergueu os olhos para o alto e disse: ‘Pai, eu sempre me ouves’” (Jo
11,41-42). Quando nos ensinou a oração do Pai nosso, Jesus nos garantiu que o
Pai sabe das nossas necessidades (cf. Mt 6,8). Portanto, sempre que nos
colocamos em oração, devemos ter a profunda confiança de que o Pai nos ouve,
porque somos Seus filhos e filhas. O Pai sempre nos ouve; no entanto, diante de
um pedido nosso Ele às vezes diz ‘sim’; às vezes, ‘não’; às vezes, ‘ainda não’.
Em outras palavras, nossa oração nunca funcionará como uma senha que digitamos
para ter acesso aos bens que desejamos receber de Deus; nossa oração nunca será
uma “queda de braço”, até que dobremos Deus à nossa vontade. Pelo contrário,
muitas vezes nossa oração será uma “queda de braço” até que o nosso egoísmo ceda
e dê lugar à vontade de Deus em nossa vida, Ele que faz com que tudo concorra
para o bem e para a salvação dos Seus filhos e filhas; tudo, até mesmo o ‘não’
que nos diz (cf. Rm 8,28).
“Minha alma
espera pelo Senhor, mais que os vigias pela aurora” (Sl 130,6). Às vezes a nossa oração é uma interminável
noite de espera. Aí está o exemplo da oração de Moisés: “enquanto Moisés
conservava a mão levantada, Israel vencia; quando abaixava a mão, vencia
Amalec. Ora, as mãos de Moisés tornaram-se pesadas... Aarão e Ur, um de cada
lado sustentavam as mãos de Moisés. Assim, suas mãos não se fatigaram até ao
pôr do sol, e Josué derrotou Amalec...” (Ex 17,11-13). Enquanto nossa oração é
sustentada pela esperança, vencemos os desafios de cada dia; quando deixamos de
esperar no Senhor e abandonamos nossa oração, passamos a ser vencidos... Portanto,
nosso desafio na oração é aprender a esperar no Senhor e pelo Senhor. Na
verdade, só consegue rezar quem tem
esperança. Aqui são oportunas as palavras do salmista: “Os que esperam em
ti não ficam decepcionados, ficam decepcionados os que negam sua fé por
qualquer motivo” (Sl 25,3).
Além
de falar da profunda necessidade de rezar sempre e nunca desistir, Jesus quer corrigir uma possível imagem
errada que temos de Deus como se, ao invés de ser o Pai que conhece nossas
necessidades, Ele fosse alguém alheio ao que nos acontece, insensível à nossa dor,
surdo aos nossos apelos, desinteressado em relação às injustiças que atingem
inúmeras pessoas em nosso mundo. Por quatro vezes no Evangelho aparece a
expressão “fazer justiça” (vv.3.5.7.8). A súplica dessa viúva por justiça nos
fala de pessoas que oram a Deus não por um capricho, não para pedirem coisas
supérfluas, mas para pedir aquilo que é justo para se ter uma vida digna, uma
vida que Deus quer para todo ser humano.
Nosso
país é profundamente injusto. Na última quarta-feira, o IBGE divulgou que em
2018 a renda média do 1% dos mais ricos subiu de R$ 25.593 para R$ 27.744, alta
de 8,4%. Já entre os 5% mais pobres, o rendimento caiu 3,2%. Em outras
palavras, aumentou ainda mais a desigualdade entre ricos e pobres, uma
desigualdade que gera inúmeras injustiças sociais. Nossa oração tem espaço para clamar a Deus pelos que são injustiçados
em nosso país? Assim como a viúva no Evangelho, quantas pessoas clamam por
justiça no Brasil? Nós também somos cristãos tradicionalistas e conservadores,
cuja prática religiosa se mantém alheia às injustiças sociais e cuja
consciência religiosa se mantém anestesiada por meio de práticas devocionais intimistas
e individualistas?
Eis
a confiança de Jesus na oração: “E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos,
que dia e noite gritam por ele? Será que vai fazê-los esperar? Eu vos digo que
Deus lhes fará justiça bem depressa. Mas o Filho do homem, quando vier, será
que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” (Lc 18,7-8). Deus fará justiça! Não
duvidemos disso! O mesmo Deus que fez justiça ao seu Filho, ressuscitando-o,
fará justiça a todos os que clamam por Ele! Mas Jesus nos pergunta: nossa fé saberá esperar em Deus? Nossa fé
sobreviverá ao aparente silêncio de Deus e às injustiças dos homens? Nossa fé
se manterá firme na oração, independente se estamos sentindo Deus ou não quando
oramos? O Pe. Tomáš Halík, no seu livro A
noite do confessor, afirma que “a força de Deus pode manifestar-se na nossa
fraqueza, mas não na nossa indiferença, preguiça, amargura ou cinismo” (p.147).
Em outras palavras, que nossa oração seja marcada pela nossa fraqueza não há
problema algum – o apóstolo Paulo garante que “o Espírito socorre a nossa
fraqueza” (Rm 8,26) quando oramos; o problema é quando deixamos de orar por
termos nos tornado indiferentes a Deus, ou preguiçosos, ou amargos ou mesmo cínicos
perante a vida e os acontecimentos!
Que
as seguintes palavras da monja carmelita Ruth Borrows aprofundem a nossa
compreensão acerca da oração: “O único desejo e propósito de Deus é dar-Se a
mim... Não temos de persuadir Deus a ser bom para nós, temos apenas de nos
entregar à bondade que nos cerca... A nossa comunhão com Deus não tem
absolutamente nada a ver com estados de emoção, o que experimentamos ou não
experimentamos na oração. Não tem em absoluto nada a ver comigo, exceto que eu
a recebo. É obra totalmente de Deus, quando Ele toma posse de mim... Toda a
minha preocupação é que Deus tenha o que Ele quer: a oportunidade de ser bom
para mim quanto Ele desejar. E isso excede minha compreensão. Arrisquei meu
tudo no Deus que nunca me decepciona” (Essência
da oração, Ed. Loyola).
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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