quinta-feira, 17 de outubro de 2019

SÓ QUEM NÃO PERDEU A ESPERANÇA CONSEGUE ORAR

Missa do 29. dom. comum. Palavra de Deus: Êxodo 17,8-13; 2Timóteo 3,14–4,2; Lucas 18,1-8.

“Jesus contou aos discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a necessidade de rezar sempre, e nunca desistir” (Lc 18,1). As mãos de muitos cristãos se cansaram de elevar-se ao Céu, assim como os seus joelhos se cansaram de se dobrar na oração... Alguns abandonaram a vida de oração porque se cansaram de esperar por Deus; outros, porque Ele não atendeu aos seus pedidos. Quantos pais suplicaram a Deus pela cura do seu filho enfermo e não foram atendidos? Muitas pessoas não conseguem mais rezar porque sua alma foi tomada pela raiva em relação a Deus, uma raiva humanamente compreensível, uma vez que nós somos profundamente limitados para compreender os caminhos de Deus. Portanto, para muitas pessoas, antes de pensar em retomar sua vida de oração, trata-se primeiro de enfrentar sua raiva, sua revolta contra Deus; trata-se até mesmo de perdoar Deus, antes de voltar a dialogar com Ele na oração. 
Quando estava diante do túmulo de Lázaro, “Jesus ergueu os olhos para o alto e disse: ‘Pai, eu sempre me ouves’” (Jo 11,41-42). Quando nos ensinou a oração do Pai nosso, Jesus nos garantiu que o Pai sabe das nossas necessidades (cf. Mt 6,8). Portanto, sempre que nos colocamos em oração, devemos ter a profunda confiança de que o Pai nos ouve, porque somos Seus filhos e filhas. O Pai sempre nos ouve; no entanto, diante de um pedido nosso Ele às vezes diz ‘sim’; às vezes, ‘não’; às vezes, ‘ainda não’. Em outras palavras, nossa oração nunca funcionará como uma senha que digitamos para ter acesso aos bens que desejamos receber de Deus; nossa oração nunca será uma “queda de braço”, até que dobremos Deus à nossa vontade. Pelo contrário, muitas vezes nossa oração será uma “queda de braço” até que o nosso egoísmo ceda e dê lugar à vontade de Deus em nossa vida, Ele que faz com que tudo concorra para o bem e para a salvação dos Seus filhos e filhas; tudo, até mesmo o ‘não’ que nos diz (cf. Rm 8,28).   
“Minha alma espera pelo Senhor, mais que os vigias pela aurora” (Sl 130,6). Às vezes a nossa oração é uma interminável noite de espera. Aí está o exemplo da oração de Moisés: “enquanto Moisés conservava a mão levantada, Israel vencia; quando abaixava a mão, vencia Amalec. Ora, as mãos de Moisés tornaram-se pesadas... Aarão e Ur, um de cada lado sustentavam as mãos de Moisés. Assim, suas mãos não se fatigaram até ao pôr do sol, e Josué derrotou Amalec...” (Ex 17,11-13). Enquanto nossa oração é sustentada pela esperança, vencemos os desafios de cada dia; quando deixamos de esperar no Senhor e abandonamos nossa oração, passamos a ser vencidos... Portanto, nosso desafio na oração é aprender a esperar no Senhor e pelo Senhor. Na verdade, só consegue rezar quem tem esperança. Aqui são oportunas as palavras do salmista: “Os que esperam em ti não ficam decepcionados, ficam decepcionados os que negam sua fé por qualquer motivo” (Sl 25,3).
Além de falar da profunda necessidade de rezar sempre e nunca desistir, Jesus quer corrigir uma possível imagem errada que temos de Deus como se, ao invés de ser o Pai que conhece nossas necessidades, Ele fosse alguém alheio ao que nos acontece, insensível à nossa dor, surdo aos nossos apelos, desinteressado em relação às injustiças que atingem inúmeras pessoas em nosso mundo. Por quatro vezes no Evangelho aparece a expressão “fazer justiça” (vv.3.5.7.8). A súplica dessa viúva por justiça nos fala de pessoas que oram a Deus não por um capricho, não para pedirem coisas supérfluas, mas para pedir aquilo que é justo para se ter uma vida digna, uma vida que Deus quer para todo ser humano.  
Nosso país é profundamente injusto. Na última quarta-feira, o IBGE divulgou que em 2018 a renda média do 1% dos mais ricos subiu de R$ 25.593 para R$ 27.744, alta de 8,4%. Já entre os 5% mais pobres, o rendimento caiu 3,2%. Em outras palavras, aumentou ainda mais a desigualdade entre ricos e pobres, uma desigualdade que gera inúmeras injustiças sociais. Nossa oração tem espaço para clamar a Deus pelos que são injustiçados em nosso país? Assim como a viúva no Evangelho, quantas pessoas clamam por justiça no Brasil? Nós também somos cristãos tradicionalistas e conservadores, cuja prática religiosa se mantém alheia às injustiças sociais e cuja consciência religiosa se mantém anestesiada por meio de práticas devocionais intimistas e individualistas?
Eis a confiança de Jesus na oração: “E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por ele? Será que vai fazê-los esperar? Eu vos digo que Deus lhes fará justiça bem depressa. Mas o Filho do homem, quando vier, será que ainda vai encontrar fé sobre a terra?” (Lc 18,7-8). Deus fará justiça! Não duvidemos disso! O mesmo Deus que fez justiça ao seu Filho, ressuscitando-o, fará justiça a todos os que clamam por Ele! Mas Jesus nos pergunta: nossa fé saberá esperar em Deus? Nossa fé sobreviverá ao aparente silêncio de Deus e às injustiças dos homens? Nossa fé se manterá firme na oração, independente se estamos sentindo Deus ou não quando oramos? O Pe. Tomáš Halík, no seu livro A noite do confessor, afirma que “a força de Deus pode manifestar-se na nossa fraqueza, mas não na nossa indiferença, preguiça, amargura ou cinismo” (p.147). Em outras palavras, que nossa oração seja marcada pela nossa fraqueza não há problema algum – o apóstolo Paulo garante que “o Espírito socorre a nossa fraqueza” (Rm 8,26) quando oramos; o problema é quando deixamos de orar por termos nos tornado indiferentes a Deus, ou preguiçosos, ou amargos ou mesmo cínicos perante a vida e os acontecimentos!
Que as seguintes palavras da monja carmelita Ruth Borrows aprofundem a nossa compreensão acerca da oração: “O único desejo e propósito de Deus é dar-Se a mim... Não temos de persuadir Deus a ser bom para nós, temos apenas de nos entregar à bondade que nos cerca... A nossa comunhão com Deus não tem absolutamente nada a ver com estados de emoção, o que experimentamos ou não experimentamos na oração. Não tem em absoluto nada a ver comigo, exceto que eu a recebo. É obra totalmente de Deus, quando Ele toma posse de mim... Toda a minha preocupação é que Deus tenha o que Ele quer: a oportunidade de ser bom para mim quanto Ele desejar. E isso excede minha compreensão. Arrisquei meu tudo no Deus que nunca me decepciona” (Essência da oração, Ed. Loyola).


Pe. Paulo Cezar Mazzi

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