quinta-feira, 3 de outubro de 2019

SUA FÉ SOBREVIVERÁ?


Missa do 27º. Dom. comum. Palavra de Deus: Habacuc 1,2-3; 2,2-4; 2Timóteo 1,6-8.13-14; Lucas 17,5-10.

             “Os apóstolos disseram ao Senhor: ‘Aumenta a nossa fé!’” (Lc 17,5). Crer, ter fé, nunca foi e nunca será fácil, porque significa abrir mão das nossas seguranças humanas, deixar de nos apoiar em nós mesmos para nos apoiar no “Deus escondido” (Is 45,15), isto é, no Deus que não podemos ver, no sentido de “controlar”, mas apenas ouvir e confiar no que Ele nos fala, isto é, na sua Palavra.
            Num momento difícil para o rei Acaz, que enfrentava a ameaça de uma guerra e seu coração se agitava “como se agitam as árvores do bosque impelidas pelo vento” (Is 7,2), o profeta Isaías lhe disse: “Se você não tiver fé, não se manterá firme” (Is 7,9). A mesma coisa Deus nos diz: “Se vocês não se atreverem a se apoiar em Mim, jamais experimentarão que são amparados”.  
A imagem dos trapezistas nos ajuda a entender o quanto a fé exige que nós soltemos da nossa barra de segurança e confiemos que Deus vai nos segurar em Suas mãos: “A cada desempenho, os trapezistas confiam em que seu voo terminará quando suas mãos deslizarem para o aperto seguro das mãos do parceiro. Sabem que só o ato de soltar-se da barra de segurança permite-lhes voarem com leveza para a próxima. Antes de serem pegos, precisam soltar. Precisam desafiar o vazio do espaço. Viver com essa disposição para soltar é um dos maiores desafios que enfrentamos” (H. Nouwen, Transforma meu pranto em dança).
Não há fé que não passe por crise, dúvidas, noites escurar e questionamentos. Exemplo concreto disso: “Senhor, até quando clamarei, sem me atenderes? Até quando devo gritar a ti: ‘Violência!’, sem me socorreres? Por que me fazes ver iniquidades, quando tu mesmo vês a maldade?” (Hab 1,2-3). O profeta Habacuc não está questionando se Deus existe, mas está questionando por que Ele não age, por que não intervém e dá um basta ao mal que há no mundo? Aquilo que mais se opõe à fé não são nossas dúvidas e interrogações, mas o fato de nos tornarmos indiferentes a com Deus, desistindo de buscá-Lo.
Muitas pessoas abandonaram o caminho da fé porque não souberem lidar com o silêncio de Deus diante das suas orações. Talvez elas não tenham se dado conta de que “ninguém ouve Deus continuamente; a fé é vida, que também consiste em momentos em que somos confrontados com o silêncio de Deus” (Tomáš Halík*, A noite do confessor, p.106). Desse modo, são muito oportunas essas palavras de Santo Agostinho: “Quando você se afasta do fogo, ele continua aceso e aquecendo, mas você se esfria. Quando você se afasta da luz, ela continua brilhando, mas você se cobre de escuridão. O mesmo acontece quando você se afasta de Deus”.
Deus respondeu ao questionamento de Habacuc por meio de uma visão, mas o alertou: “A visão refere-se a um prazo definido, mas tende para um desfecho, e não falhará; se demorar, espera, pois ela virá com certeza, e não tardará. Quem não é correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hb 2,3-4). Deus não é indiferente ao mal que age no mundo e fere muitos dos Seus filhos. Mas nossa fé n’Ele nunca vai funcionar como uma pressão da nossa parte que forçará Deus a agir quando e como queremos que Ele aja. Ele nos garante que há um desfecho, há uma resposta, mas se essa resposta, essa intervenção de Deus demorar, precisamos esperar, na fé e na certeza de que ela não tardará. Além disso, Deus nos alerta que chegará um tempo em que nós só nos manteremos vivos pela força da nossa fé, enquanto que todo aquele que abandonar o caminho da fé – deixar de ser correto – morrerá, isto é, se tornará como um arco frouxo do qual nenhuma flecha poderá ser lançada.
Enquanto o profeta Habacuc estava vivendo uma crise de fé e os discípulos estavam se sentindo fracos na fé, nós estamos vivendo numa época não apenas marcada por muitas incertezas, mas também por propagandas enganosas de fé: pregadores que vendem uma fé mágica, que resolve todos os nossos problemas de maneira instantânea, uma fé sem cruz, sem sofrimento, sem necessidade de esperar pela intervenção de Deus. Mas a verdade é que “é precisamente uma fé temperada no fogo da crise, livre dos elementos demasiadamente humanos, que se revelará mais resistente às tentações constantes de simplificar e vulgarizar a religião... A fé que aguenta o fogo da cruz sem bater em retirada perderá, provavelmente, grande parte daquilo com que costumava se identificar ou a que tinha se habituado. Será uma fé nua, sem armadura” (Tomáš Halík, A noite do confessor, pp.32.36).
Não há dúvida de que o pedido dos discípulos a Jesus é também o nosso: “Aumenta a nossa fé!”. “Não nos deixes cair num cristianismo sem cruz. Ensina-nos a descobrir que a fé não consiste em acreditar no Deus que nos convém, mas naquele que fortalece a nossa responsabilidade e desenvolve a nossa capacidade de amar. Ensina-nos a seguir-te tomando a nossa cruz cada dia. Aumenta-nos a fé. Dá-nos uma fé centrada no essencial, purificada de adesões artificiais que nos afastam do núcleo do teu Evangelho. Ensina-nos a viver nestes tempos uma fé, não fundada em apoios externos, mas na tua presença viva nos nossos corações e nas nossas comunidades crentes” (Pe. Pagola).
Enfim, para aqueles que entendem que a fé só poderá surgir em sua alma quando Deus remover totalmente o absurdo do mal que há no mundo, vale refletir sobre esta verdade: “O mistério do mal e do sofrimento tem conduzido pessoas para Deus, mas também as afastado d’Ele. Que sentido tem um Deus que não sabe o que fazer do sofrimento, ou, se o sabe, não nos quer ajudar? Mas se nós Lhe viramos as costas, será que isso ajuda a nos livrar do sofrimento, ou será que, pelo contrário, nos privará da força para confrontarmos e fazermos frente ao mal e ao sofrimento? (Tomáš Halík, A noite do confessor, pp.156-157).

* Tomáš Halík, padre e teólogo tcheco.

Pe. Paulo Cezar Mazzi


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