Missa do 27º.
Dom. comum. Palavra de Deus: Habacuc 1,2-3; 2,2-4; 2Timóteo 1,6-8.13-14; Lucas
17,5-10.
“Os apóstolos disseram ao Senhor: ‘Aumenta a
nossa fé!’” (Lc 17,5). Crer, ter fé, nunca foi e nunca será fácil, porque
significa abrir mão das nossas seguranças humanas, deixar de nos apoiar em nós
mesmos para nos apoiar no “Deus escondido” (Is 45,15), isto é, no Deus que não
podemos ver, no sentido de “controlar”, mas apenas ouvir e confiar no que Ele
nos fala, isto é, na sua Palavra.
Num momento difícil para o rei Acaz,
que enfrentava a ameaça de uma guerra e seu coração se agitava “como se agitam
as árvores do bosque impelidas pelo vento” (Is 7,2), o profeta Isaías lhe
disse: “Se você não tiver fé, não se manterá firme” (Is 7,9). A mesma coisa Deus
nos diz: “Se vocês não se atreverem a se apoiar em Mim, jamais experimentarão
que são amparados”.
A imagem
dos trapezistas nos ajuda a entender o quanto a fé exige que nós soltemos da nossa
barra de segurança e confiemos que Deus vai nos segurar em Suas mãos: “A cada
desempenho, os trapezistas confiam em que seu voo terminará quando suas mãos
deslizarem para o aperto seguro das mãos do parceiro. Sabem que só o ato de
soltar-se da barra de segurança permite-lhes voarem com leveza para a próxima.
Antes de serem pegos, precisam soltar. Precisam desafiar o vazio do espaço.
Viver com essa disposição para soltar é um dos maiores desafios que
enfrentamos” (H. Nouwen, Transforma meu
pranto em dança).
Não
há fé que não passe por crise, dúvidas, noites escurar e questionamentos.
Exemplo concreto disso: “Senhor, até quando clamarei, sem me atenderes? Até
quando devo gritar a ti: ‘Violência!’, sem me socorreres? Por que me fazes ver
iniquidades, quando tu mesmo vês a maldade?” (Hab 1,2-3). O profeta Habacuc não
está questionando se Deus existe, mas está questionando por que Ele não age,
por que não intervém e dá um basta ao mal que há no mundo? Aquilo que mais se
opõe à fé não são nossas dúvidas e interrogações, mas o fato de nos tornarmos indiferentes
a com Deus, desistindo de buscá-Lo.
Muitas
pessoas abandonaram o caminho da fé porque não souberem lidar com o silêncio de
Deus diante das suas orações. Talvez elas não tenham se dado conta de que “ninguém
ouve Deus continuamente; a fé é vida, que também consiste em momentos em que
somos confrontados com o silêncio de Deus” (Tomáš Halík*, A noite do confessor, p.106). Desse modo, são muito oportunas essas
palavras de Santo Agostinho: “Quando você se afasta do fogo, ele continua aceso
e aquecendo, mas você se esfria. Quando você se afasta da luz, ela continua
brilhando, mas você se cobre de escuridão. O mesmo acontece quando você se afasta
de Deus”.
Deus
respondeu ao questionamento de Habacuc por meio de uma visão, mas o alertou: “A
visão refere-se a um prazo definido, mas tende para um desfecho, e não falhará;
se demorar, espera, pois ela virá com certeza, e não tardará. Quem não é
correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé” (Hb 2,3-4). Deus não é
indiferente ao mal que age no mundo e fere muitos dos Seus filhos. Mas nossa fé
n’Ele nunca vai funcionar como uma pressão da nossa parte que forçará Deus a
agir quando e como queremos que Ele aja. Ele nos garante que há um desfecho, há
uma resposta, mas se essa resposta, essa intervenção de Deus demorar,
precisamos esperar, na fé e na certeza de que ela não tardará. Além disso, Deus
nos alerta que chegará um tempo em que nós só nos manteremos vivos pela força
da nossa fé, enquanto que todo aquele que abandonar o caminho da fé – deixar de
ser correto – morrerá, isto é, se tornará como um arco frouxo do qual nenhuma
flecha poderá ser lançada.
Enquanto
o profeta Habacuc estava vivendo uma crise de fé e os discípulos estavam se
sentindo fracos na fé, nós estamos vivendo numa época não apenas marcada por muitas
incertezas, mas também por propagandas enganosas de fé: pregadores que vendem
uma fé mágica, que resolve todos os nossos problemas de maneira instantânea,
uma fé sem cruz, sem sofrimento, sem necessidade de esperar pela intervenção de
Deus. Mas a verdade é que “é precisamente uma fé temperada no fogo da crise,
livre dos elementos demasiadamente humanos, que se revelará mais resistente às
tentações constantes de simplificar e vulgarizar a religião... A fé que aguenta
o fogo da cruz sem bater em retirada perderá, provavelmente, grande parte
daquilo com que costumava se identificar ou a que tinha se habituado. Será uma
fé nua, sem armadura” (Tomáš Halík, A
noite do confessor, pp.32.36).
Não
há dúvida de que o pedido dos discípulos a Jesus é também o nosso: “Aumenta a
nossa fé!”. “Não nos deixes cair num cristianismo sem cruz. Ensina-nos a
descobrir que a fé não consiste em acreditar no Deus que nos convém, mas
naquele que fortalece a nossa responsabilidade e desenvolve a nossa capacidade
de amar. Ensina-nos a seguir-te tomando a nossa cruz cada dia. Aumenta-nos a
fé. Dá-nos uma fé centrada no essencial, purificada de adesões artificiais que
nos afastam do núcleo do teu Evangelho. Ensina-nos a viver nestes tempos uma
fé, não fundada em apoios externos, mas na tua presença viva nos nossos
corações e nas nossas comunidades crentes” (Pe. Pagola).
Enfim,
para aqueles que entendem que a fé só poderá surgir em sua alma quando Deus
remover totalmente o absurdo do mal que há no mundo, vale refletir sobre esta
verdade: “O mistério do mal e do sofrimento tem conduzido pessoas para Deus,
mas também as afastado d’Ele. Que sentido tem um Deus que não sabe o que fazer
do sofrimento, ou, se o sabe, não nos quer ajudar? Mas se nós Lhe viramos as
costas, será que isso ajuda a nos livrar do sofrimento, ou será que, pelo
contrário, nos privará da força para confrontarmos e fazermos frente ao mal e
ao sofrimento? (Tomáš Halík, A noite do
confessor, pp.156-157).
* Tomáš
Halík, padre e teólogo tcheco.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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