Missa de Nossa
Senhora Aparecida. Palavra de Deus: Ester 5,1b-2; 7,2b-3; Apocalipse
12,1.5.13a.15-16a; João 2,1-11.
A Sagrada Escritura
nasceu num ambiente patriarcal, marcado fortemente pela figura e pela atuação
masculina, em detrimento da figura feminina. Por isso, encontramos na Bíblia um
número incontável de homens e ao mesmo tempo um número reduzido de mulheres que
ajudaram a escrever a história da salvação. Uma das poucas figuras femininas
mencionadas pelo Antigo Testamento apareceu na 1ª. leitura: Ester. Sendo
portadora de uma beleza física incomparável e tendo um coração temente e
voltado para Deus, Ester se coloca diante do rei para pedir pela vida de seu
povo, os judeus, que estavam ameaçados de morte. Nossa Igreja recorda hoje a
intercessão de Ester junto ao rei ao professar a sua fé na intercessão de
Maria, a mãe de Jesus, invocada em nosso país como Nossa Senhora Aparecida.
Tanto a sensibilidade de Ester (1ª. leitura)
quanto a de Maria (Evangelho) nos falam da força do feminino que se coloca em
diálogo com o masculino para dar um outro rumo à história humana, até mesmo no
sentido de ampliar o horizonte de visão do masculino e lembrá-lo de que ele não
é somente razão, mas também sentimento. Ao mesmo tempo, as figuras de Ester e
de Maria nos remetem a inúmeras mulheres que hoje lutam por aquilo em que
acreditam, mulheres que não entregam os pontos diante das dificuldades e dos
problemas, que mantêm a casa em pé onde a presença masculina é fraca ou
totalmente ausente.
No
livro do Apocalipse a imagem da Igreja é retratada na imagem da mulher grávida,
em dores de parto. Ela está revestida de sol, da luz da ressurreição, tendo o
tempo debaixo dos pés, sinal que aponta para a eternidade, e sobre sua cabeça
uma coroa, prêmio que Jesus prometeu a todos aqueles que perseverarem até o fim
na sua fé. As doze estrelas remetem para os 12 apóstolos e as doze tribos de
Israel – imagem da Igreja, do povo de Deus. Há um dragão que ameaça devorar o
filho da mulher; é a presença do mal que ameaça devorar nossos sonhos e acabar
com nossos esforços em trabalhar em favor da vida e da esperança. Mas podemos
contar com a intervenção de Deus, que preserva o filho que nasce e protege a
mulher do dragão: “Se nós trabalhamos e lutamos é porque colocamos a nossa
esperança no Deus vivo, salvador de todos os homens, principalmente dos que têm
fé” (1Tm 4,10).
Essa
intervenção de Deus que protege e salva a criança do dragão nos lembra hoje da
nossa responsabilidade em proteger as crianças que estão à nossa volta. Sabemos
que inúmeras crianças são expostas ao mal em nosso mundo, seja por não terem
pai ou mãe junto delas, seja porque seus pais não têm a consciência voltada
para Deus e acabam eles mesmos expondo seus filhos ao mal: crianças expostas a
palavrões e agressões, expostas à bebida, ao cigarro e a outras drogas,
expostas à pornografia e ao abuso sexual, expostas à fome, às doenças, às
guerras etc., crianças que estão crescendo sem nenhum tipo de educação
religiosa, distantes de Deus e da fé.
O Evangelho nos
coloca numa cena de casamento, imagem do desejo de Deus de unir-se a cada ser
humano e de lhe conceder a verdadeira alegria, simbolizada pelo vinho (cf. Os
2,21-22). Acontece que, durante a festa de casamento, o vinho veio a faltar. Na
prática, isto pode significar o desgaste provocado pela rotina; o descuido com
as coisas pequenas; os ressentimentos acumulados, guardados e não enfrentados;
as expectativas excessivas e idealizadas em relação ao outro...
Maria intercede
junto a Jesus, mas ele a coloca no seu lugar: “Minha hora ainda não chegou” (Jo
2,4). A hora de Jesus derramar o sangue da nova e eterna aliança entre o Pai e
a humanidade será a hora da cruz. Mas Maria, com a sua intercessão, antecipa
esta hora, aconselhando aos servos: “Fazei o que ele vos disser” (Jo 2,5). Se
não há alegria em nós, se o vinho acabou, precisamos nos perguntar: Estamos vivendo
a nossa vida segundo o que Jesus nos diz no Evangelho? Jesus nos manda encher
as talhas de água, isto é, cuidar daquilo que caiu no descuido, voltar a encher
aquilo que se esvaziou, tendo a certeza de que o vinho melhor, a alegria maior,
sempre poderá nascer depois de uma crise ou de um sério desgaste.
Por fim, a liturgia
de hoje nos convida a pensar o lugar da mulher na Igreja. Duas palavras do Papa
Francisco podem nos ajudar: “A família atravessa uma crise cultural profunda...
O matrimônio tende a ser visto como mera forma de gratificação afetiva...” (EG
66). “Ainda é preciso ampliar os espaços para uma presença feminina mais
incisiva na Igreja... nos vários lugares onde se tomam as decisões
importantes...” (EG 103).
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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