sexta-feira, 11 de outubro de 2019

MARIA, O SAGRADO DO FEMININO


Missa de Nossa Senhora Aparecida. Palavra de Deus: Ester 5,1b-2; 7,2b-3; Apocalipse 12,1.5.13a.15-16a; João 2,1-11.

A Sagrada Escritura nasceu num ambiente patriarcal, marcado fortemente pela figura e pela atuação masculina, em detrimento da figura feminina. Por isso, encontramos na Bíblia um número incontável de homens e ao mesmo tempo um número reduzido de mulheres que ajudaram a escrever a história da salvação. Uma das poucas figuras femininas mencionadas pelo Antigo Testamento apareceu na 1ª. leitura: Ester. Sendo portadora de uma beleza física incomparável e tendo um coração temente e voltado para Deus, Ester se coloca diante do rei para pedir pela vida de seu povo, os judeus, que estavam ameaçados de morte. Nossa Igreja recorda hoje a intercessão de Ester junto ao rei ao professar a sua fé na intercessão de Maria, a mãe de Jesus, invocada em nosso país como Nossa Senhora Aparecida.
 Tanto a sensibilidade de Ester (1ª. leitura) quanto a de Maria (Evangelho) nos falam da força do feminino que se coloca em diálogo com o masculino para dar um outro rumo à história humana, até mesmo no sentido de ampliar o horizonte de visão do masculino e lembrá-lo de que ele não é somente razão, mas também sentimento. Ao mesmo tempo, as figuras de Ester e de Maria nos remetem a inúmeras mulheres que hoje lutam por aquilo em que acreditam, mulheres que não entregam os pontos diante das dificuldades e dos problemas, que mantêm a casa em pé onde a presença masculina é fraca ou totalmente ausente.
No livro do Apocalipse a imagem da Igreja é retratada na imagem da mulher grávida, em dores de parto. Ela está revestida de sol, da luz da ressurreição, tendo o tempo debaixo dos pés, sinal que aponta para a eternidade, e sobre sua cabeça uma coroa, prêmio que Jesus prometeu a todos aqueles que perseverarem até o fim na sua fé. As doze estrelas remetem para os 12 apóstolos e as doze tribos de Israel – imagem da Igreja, do povo de Deus. Há um dragão que ameaça devorar o filho da mulher; é a presença do mal que ameaça devorar nossos sonhos e acabar com nossos esforços em trabalhar em favor da vida e da esperança. Mas podemos contar com a intervenção de Deus, que preserva o filho que nasce e protege a mulher do dragão: “Se nós trabalhamos e lutamos é porque colocamos a nossa esperança no Deus vivo, salvador de todos os homens, principalmente dos que têm fé” (1Tm 4,10).
Essa intervenção de Deus que protege e salva a criança do dragão nos lembra hoje da nossa responsabilidade em proteger as crianças que estão à nossa volta. Sabemos que inúmeras crianças são expostas ao mal em nosso mundo, seja por não terem pai ou mãe junto delas, seja porque seus pais não têm a consciência voltada para Deus e acabam eles mesmos expondo seus filhos ao mal: crianças expostas a palavrões e agressões, expostas à bebida, ao cigarro e a outras drogas, expostas à pornografia e ao abuso sexual, expostas à fome, às doenças, às guerras etc., crianças que estão crescendo sem nenhum tipo de educação religiosa, distantes de Deus e da fé.
O Evangelho nos coloca numa cena de casamento, imagem do desejo de Deus de unir-se a cada ser humano e de lhe conceder a verdadeira alegria, simbolizada pelo vinho (cf. Os 2,21-22). Acontece que, durante a festa de casamento, o vinho veio a faltar. Na prática, isto pode significar o desgaste provocado pela rotina; o descuido com as coisas pequenas; os ressentimentos acumulados, guardados e não enfrentados; as expectativas excessivas e idealizadas em relação ao outro...
Maria intercede junto a Jesus, mas ele a coloca no seu lugar: “Minha hora ainda não chegou” (Jo 2,4). A hora de Jesus derramar o sangue da nova e eterna aliança entre o Pai e a humanidade será a hora da cruz. Mas Maria, com a sua intercessão, antecipa esta hora, aconselhando aos servos: “Fazei o que ele vos disser” (Jo 2,5). Se não há alegria em nós, se o vinho acabou, precisamos nos perguntar: Estamos vivendo a nossa vida segundo o que Jesus nos diz no Evangelho? Jesus nos manda encher as talhas de água, isto é, cuidar daquilo que caiu no descuido, voltar a encher aquilo que se esvaziou, tendo a certeza de que o vinho melhor, a alegria maior, sempre poderá nascer depois de uma crise ou de um sério desgaste. 
Por fim, a liturgia de hoje nos convida a pensar o lugar da mulher na Igreja. Duas palavras do Papa Francisco podem nos ajudar: “A família atravessa uma crise cultural profunda... O matrimônio tende a ser visto como mera forma de gratificação afetiva...” (EG 66). “Ainda é preciso ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja... nos vários lugares onde se tomam as decisões importantes...” (EG 103). 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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