quinta-feira, 10 de outubro de 2019

TEMOS MUITO AINDA POR FAZER, MAS TAMBÉM TEMOS MUITO A AGRADECER!

Missa do 28º. dom. comum. Palavra de Deus: 2Reis 5,14-17; 2Timóteo 2,8-13; Lucas 17,11-19.

Alguns desejam apenas um copo de água; outros desejam encontrar a fonte de onde jorra a água. Alguns desejam apenas colocar um remendo para tapar o buraco que se abriu na roupa; outros desejam despir-se totalmente, suportarem a própria nudez, até que sejam revestidos de uma veste totalmente nova. Alguns desejam receber alguma bênção ou alguma graça de Deus; outros desejam encontrar-se com o próprio Deus. Alguns desejam apenas a cura da pele; outros procuram por Aquele que pode mudar o coração de pedra num coração de carne. Alguns desejam apenas um remédio para aliviar a dor que sentem; outros se dispõem a enfrentar um tratamento demorado e doloroso, a fim de que sua doença seja verdadeiramente erradicada, sanada.
No caminho da viagem de Jesus para Jerusalém, dez leprosos vêm ao seu encontro: nove deles são judeus; apenas um é samaritano. Na época de Jesus, judeus e samaritanos se odiavam reciprocamente. No entanto, a doença da lepra os une, os iguala: são todos homens necessitados de cura, de salvação. Em nosso país, há também um ódio entre aqueles que se consideram da “direita” e os da “esquerda”, um ódio que se manifestou de maneira gritante nas eleições ocorridas no final do ano passado e que já deveria ter sido superado, se não fosse o fato de o Presidente da República usar as redes sociais para alimentar nos seus seguidores a ideia de que todas as pessoas que discordam dele são inimigos da Pátria, “maus brasileiros”, pessoas que merecem ser odiadas, atacadas, agredidas e, se possível, destruídas.
            Esses dez leprosos do Evangelho nos lembram que, independente das nossas diferenças de opinião quanto à política e à religião e das diferenças entre as classes sociais e níveis de escolaridade, todos estamos contaminados com a lepra da violência, todos somos passíveis de sofrer uma injustiça, de desenvolver uma doença grave, de perdermos o emprego, de sermos atingidos por algum tipo de mal; numa palavra, todos temos feridas e todos precisamos de cura.  
            O que nos chama a atenção no Evangelho de hoje é a forma como os dez leprosos são curados. Depois de eles gritarem: “Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!” (Lc 11,13), Jesus lhes disse: “Vão apresentar-se aos sacerdotes”. E o Evangelho diz que “enquanto caminhavam, aconteceu que ficaram curados” (Lc 17,14). A nossa cura acontece enquanto caminhamos, obedecendo à palavra de Jesus. Enquanto algumas pessoas só aceitam sair do seu lugar depois que Deus se manifestar na vida delas modificando sua situação de sofrimento, muitos outros confiam na palavra de Deus e se colocam a caminho ainda estando doentes, ainda não tendo todos os seus problemas resolvidos ou todas as suas perguntas respondidas. Não há cura para quem não aceita fazer um caminho com Jesus, orientando-se por sua palavra.
            Mas um outro detalhe importantíssimo surge na cura desses dez leprosos: “Um deles, ao perceber que estava curado, voltou glorificando a Deus em alta voz; atirou-se aos pés de Jesus, com o rosto por terra, e lhe agradeceu” (Lc 17,15-16). Enquanto caminhamos com Deus, algumas das nossas perguntas vaõ sendo respondidas, assim como algumas das nossas feridas vão sendo curadas. Mas quem de nós se dá conta disso? Quem de nós percebe as pequenas mudanças que vão se dando em nossa vida porque decidimos dar passos na direção que a palavra de Deus nos apontou? Muitas vezes, nós estamos tão preocupados em chegar ao final do caminho, contabilizando e sofrendo pelos passos que ainda nos faltam dar, que não reconhecemos aquilo que já caminhamos e o quanto já fomos transformados na caminhada que já fizemos.
            O samaritano que voltou a Jesus para agradecer pela cura nos ensina que quando nós só vemos o que nos falta, o que ainda não alcançamos, quando só vemos os problemas a serem enfrentados e as lutas a serem travadas, não encontramos motivos para agradecer. Quando nos tornamos pessoas descontantes, amargas e preocupadas, não conseguimos reconhecer e valorizar o que há de positivo no momento presente. Muitas pessoas religiosas não expressam alegria no seu rosto, mas uma constante preocupação, uma constante angústia, como se a alegria e a gratidão fizessem parte apenas da vida de quem não sofre o que elas sofrem. E, no entanto, ter alegria e demonstrar gratidão não é consequência de uma vida sem problemas, mas de pessoas que caminham confiantes de que Deus sempre fará com que tudo concorra para o bem daqueles que n’Ele confiam, a Ele se entregam e por Sua palavra orientam suas vidas.    
No seu livro “Despertar a gratidão”, Anselm Grün observa que “muitas vezes está por trás da atitude da ingratidão uma insaciabilidade. Ao invés de aceitar com gratidão alguma coisa, a pessoa devora tudo. Mas nunca basta. Todo presente que recebe é pouco” (p.19). Outra coisa importante que este autor afirma é que, na medida em que nos reconhecemos como homens e mulheres criados por Deus, agradecemos justamente o fato de termos sido criados, agradecemos o fato de sermos e não o se não sermos. Portanto, a gratidão é uma forma de enxergar a vida e a nós mesmos...
Posso olhar para a minha história de vida, e agradecer a Deus por ser quem eu sou. Posso olhar para o meu corpo e agradecer porque, para além dos padrões de estética do momento, eu tenho a minha própria beleza. Posso olhar para as minhas cicatrizes, as minhas rugas, os meus cabelos brancos, e agradecer porque cada uma dessas marcas me diz que eu vivi e não fui vivido pelos acontecimentos. Posso olhar para a minha alma e para as cicatrizes que estão nela, e agradecer porque elas são as memórias das lutas que travei comigo para amadurecer como pessoa...  

Pe. Paulo Cezar Mazzi  

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