sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

QUAL RUMO VOCÊ PRETENDE DAR À SUA VIDA EM 2017?

Missa Maria, Mãe de Deus. Palavra de Deus: Números 6,22-27; Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21.
    
            Nesta noite (ou neste dia) em que começamos a viver um novo ano, uma pergunta torna-se necessária: Que rumo você pretende dar à sua vida neste novo ano? Que rumo você gostaria de dar à sua vida afetiva (relacionamentos), profissional (financeira) ou espiritual, neste ano de 2017? O rumo que damos à nossa vida depende do que desejamos alcançar; depende de onde queremos chegar... Por isso, é importante lembrar esta verdade: “Se você não sabe aonde quer ir, qualquer caminho serve” (Lewis Carroll). Se você não toma a sua vida nas mãos e não assume a responsabilidade por suas escolhas e decisões, viverá o ano de 2017 como uma folha seca, jogada de um lado para o outro pelo vento do acaso...
            É verdade que o rumo que escolhemos dar à nossa vida, seja em que sentido for, também é afetado a partir de fora, pela situação política e econômica do nosso país; no entanto, é muito importante que cada um de nós tenha um desejo, um objetivo, uma meta; que cada um de nós saiba para onde quer ir com sua vida. Isso nos ajuda a fazer escolhas e tomar decisões segundo os valores que devem orientar a nossa consciência e o nosso coração, ao invés de simplesmente ‘seguirmos o fluxo’, vivendo como ‘massa de manobra’ e permitindo que o mundo nos ‘deforme’ segundo a sua própria desorientação.    
            Ao iniciarmos um novo ano, o apóstolo Paulo nos coloca diante de uma palavra sempre presente nos lábios e no coração de Jesus, em seu relacionamento com Deus: a palavra “Abbá”, que significa “Papai”. Paulo nos convida a rejeitar a identidade que o mundo quer nos impor a partir de fora, a identidade de escravos: escravos do medo, da insegurança e da superstição; escravos do consumismo, das drogas e do dinheiro; escravos da tecnologia, da vaidade e da ignorância religiosa. Eis as palavras do apóstolo: “Deus enviou aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: ‘Abbá! Pai!’ Portanto, você já não é escravo, mas filho” (Gl 4,6-7).
            A palavra “Abbá/Papai!” deve estar presente em seus lábios e em seu coração em cada passo, nessa nova estrada que se abre diante de você, que é o ano de 2017. ‘Eu não sou uma pessoa órfã, jogada ao acaso neste mundo. Papai me guia, me orienta, me protege. Papai me sustenta; às vezes, quando é necessário, me carrega no colo; outras vezes, Ele me lembra que eu tenho duas pernas sobre as quais me sustentar em pé e com as quais caminhar como uma pessoa adulta, sem fazer corpo mole. Papai também me corrige, permitindo que eu sofra a consequência de meus erros para que eu possa aprender o que preciso aprender. Papai constantemente me recorda que Ele é Papai de todos os seres humanos; portanto, todos os homens são meus irmãos; todos, sem nenhuma exceção’.
            Para o mundo bíblico, a única “coisa” que mantém um filho vivo, realizado, em paz e feliz, é a bênção de seu pai. Por isso, cada um de nós, filho/filha de Deus, é convidado a se colocar sob a bênção do nosso Abbá/Papai, invocando também esta bênção sobre todo ser humano, especialmente sobre aqueles que, por causa das guerras, dos conflitos, da violência, das perseguições; por causa de algum tipo de injustiça, da doença, da fome ou do desemprego, não estão conseguindo saber para onde ir com sua vida; sobre todos estes, especialmente, nós invocamos a bênção do nosso Abbá/Papai: “O Senhor te abençoe e te proteja. O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável. O Senhor volte para ti os seus olhos e te conceda a paz” (Nm 6,24-26).
O dia 1º. de janeiro é o dia mundial da paz. Na sua mensagem para este dia, o Papa Francisco nos convida a fazer “da não violência ativa o nosso estilo de vida... Desde o nível local e diário até ao nível da ordem mundial, possa a não violência tornar-se o estilo característico das nossas decisões, dos nossos relacionamentos, das nossas ações...”. Segundo Francisco, a humanidade vive hoje uma espécie de “guerra mundial aos pedaços... Esta violência que se exerce ‘aos pedaços’, de maneiras diferentes e a variados níveis, provoca enormes sofrimentos de que estamos bem cientes: guerras em diferentes países e continentes; terrorismo, criminalidade e ataques armados imprevisíveis; os abusos sofridos pelos migrantes e as vítimas de tráfico humano; a devastação ambiental... A violência não é o remédio para o nosso mundo dilacerado”. Por fim, o nosso Papa afirma que “nenhuma religião é terrorista. A violência é uma profanação do nome de Deus. Nunca nos cansemos de repetir: jamais o nome de Deus pode justificar a violência. Só a paz é santa. Só a paz é santa, não a guerra” (Mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz 2017).
Voltando nosso coração para o Evangelho de hoje, somos convidados a aprender com Maria a meditar e conservar no coração todas as coisas, procurando perceber nos acontecimentos os apelos de Deus, a voz do Seu Espírito nos falando, nos conduzindo para fora dos nossos horizontes fechados, nos ajudando a reencontrar o rumo que devemos dar à nossa vida, para que ela possa atingir a meta que Deus deseja para nós, para toda a humanidade: a comunhão com Seu Filho Jesus Cristo e sua salvação.
Oito dias depois de seu nascimento, o Filho de Deus nascido de Maria recebeu o nome de Jesus, que significa “Deus salva”. Nós, seres humanos, temos consciência de que precisamos ser salvos? Onde e de que forma costumamos buscar nossa salvação? A salvação do filho está na presença do Pai junto de si. Se Jesus, ao nascer, nos deu a bênção da filiação adotiva e, por meio d’Ele, podemos chamar a Deus de Abbá/Papai, o Pai, por sua vez quis fazer da presença de seu Filho junto a nós a presença da Sua própria salvação. Que estes dois nomes estejam em nossos lábios e em nosso coração ao longo deste novo ano: pelo nome “Abbá/Papai”, afirmamos a consciência da nossa filiação divina, e pelo nome “Jesus” invocamos a salvação do Pai sobre cada um de nós, sobre cada filho Seu.

                        Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

TRÊS REFLEXÕES OPORTUNAS PARA ESTE FINAL DE 2016

LIXOS EXISTENCIAIS

Se é verdade que a cada dia basta a sua carga, por que então teimamos em carregar para o dia seguinte nossas mágoas e dores? Há ainda os que carregam para a semana seguinte, o mês seguinte e anos afora... Nos apegamos ao sofrimento, ao ressentimento, como nos apegamos a essas coisinhas que guardamos nas nossas gavetas, sabendo inúteis, mas sem coragem para jogar fora. Vivemos com o lixo da existência, quando tudo seria mais claro e límpido com o coração renovado.
As marcas e cicatrizes ficam para nos lembrar da vida, do que fomos, do que fizemos e do que devemos evitar. Não inventaram ainda uma cirurgia plástica da alma, onde podem tirar todas as nossas vivências e nos deixar como novos. Ainda bem.
Não devemos nos esquecer do nosso passado, de onde viemos, do que fizemos, dos caminhos que atravessamos. Não podemos nos esquecer das nossas vitórias, nossas quedas e nossas lutas. Menos ainda das pessoas que encontramos, essas que direcionaram nossa vida, muitas vezes sem saber. O que não podemos é carregar dia a dia, com teimosia, o ódio, o rancor, as mágoas, o sentimento de derrota.
Acredite ou não, mas perdoar a quem nos feriu dói mais na pessoa do que o ódio que podemos sentir toda uma vida. As mágoas envelhecidas transparecem no nosso rosto e nos nossos atos e moldam nossa existência. Precisamos, com muita coragem e ousadia, abrir a gaveta do nosso coração e dizer: eu não preciso mais disso, isso aqui não me traz nenhum benefício e  eu posso viver sem.
E quando só ficarem as lembranças das festas, do bem que nos fizeram, das rosas secas, mas carregadas de amor, mais espaço haverá para novas experiências, novos encontros. Seremos mais leves, mais fáceis de ser carregados mesmo por aqueles que já nos amam. Não é a expressão do rosto que mostra o que vai dentro do coração? De coração aberto e limpo nos tornamos mais bonitos e atrativos e as coisas boas começarão a acontecer. Luz atrai, beleza atrai. Tente a experiência!... Sua vida é única e merece que, a cada dia, você dê uma chance para que ela seja rica e feliz.

Letícia Thompson


TREM BALA
Ana Vilela

Não é sobre ter todas as pessoas do mundo pra si. É sobre saber que em algum lugar Alguém zela por ti. É sobre cantar e poder escutar mais do que a própria voz. É sobre dançar na chuva de vida que cai sobre nós. É saber se sentir infinito num universo tão vasto e bonito. É saber sonhar e então fazer valer a pena cada verso daquele poema sobre acreditar.
Não é sobre chegar no topo do mundo, saber que venceu. É sobre escalar e sentir que o caminho te fortaleceu. É sobre ser abrigo e também ter morada em outros corações, e assim ter amigos contigo em todas as situações. A gente não pode ter tudo. Qual seria a graça do mundo se fosse assim? Por isso eu prefiro sorrisos e os presentes que a vida trouxe pra perto de mim.
Não é sobre tudo que o seu dinheiro é capaz de comprar, e sim sobre cada momento, sorriso a se compartilhar. Também não é sobre correr contra o tempo pra ter sempre mais, porque quando menos se espera, a vida já ficou pra trás.
Segura teu filho no colo. Sorria e abraça teus pais enquanto estão aqui, que a vida é trem-bala, parceiro, e a gente é só passageiro prestes a partir.


ORAÇÃO DA SERENIDADE

Só por hoje tratarei de viver exclusivamente este meu dia, sem querer resolver o problema de minha vida, todo de uma vez. Só por hoje terei o máximo de cuidado com o modo de tratar os outros: serei delicado nas minhas maneiras, não criticarei ninguém, não pretenderei melhorar ou disciplinar ninguém senão a mim mesmo. Só por hoje me sentirei feliz com a certeza de ter sido criado para ser feliz, não só no outro mundo, mas também neste. Só por hoje me adaptarei às circunstâncias, sem pretender que as circunstâncias se adaptem todas aos meus desejos. Só por hoje dedicarei dez minutos do meu tempo a uma boa leitura, pois, assim como é preciso comer para sustentar o meu corpo, assim também a leitura é necessária para alimentar a minha alma. Só por hoje praticarei uma boa ação sem contá-la a ninguém. Só por hoje farei uma coisa de que não gosto e, se for ofendido nos meus sentimentos, procurarei que ninguém o saiba. Só por hoje farei um programa bem completo de meu dia. Talvez não o execute perfeitamente, mas em todo o caso, vou fazê-lo. E evitarei dois males: a pressa e a indecisão. Só por hoje serei bem firme na fé de que a Divina Providência se ocupa de mim, como se existisse somente eu no mundo, ainda que as circunstâncias manifestem o contrário. Só por hoje não terei medo de nada. Em particular, não terei medo de crer na bondade.

São João XXIII



sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

O PAI TUDO ASSUMIU EM SEU FILHO, PARA TUDO REDIMIR

Missa do Natal do Senhor. Palavra de Deus: Isaías 9,1-6; Tt 2,11-14; Lc 2,1-14.

            Certamente, este ano de 2016 colocou muitas perguntas em nosso coração, perguntas que ainda questionam a nossa fé, a nossa alegria, a nossa esperança e até mesmo o sentido da nossa vida. Na verdade, as perguntas são importantes porque nos fazem caminhar, nos fazem ir em busca de respostas. Mas, quantas vezes nós sentimos que o máximo que conseguimos chegar com nossas perguntas é a um muro, a uma parede, a uma espécie de beco sem saída? Quantas vezes o máximo que conseguimos experimentar com nossas buscas é um grande e doloroso silêncio da parte de Deus? 
            Mas a noite (ou o dia) de Natal traz a resposta a toda e qualquer pergunta que o ser humano leva consigo, no coração. Deus escolheu nos responder de uma forma única e surpreendente: “a Palavra (de Deus) se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). “A Palavra se fez carne”, isto é, pessoa humana, sujeita à dor, ao sofrimento, à injustiça e à morte. Esta Palavra é a resposta de Deus às nossas perguntas mais profundas. Para um mundo como o nosso, sempre mais ambicioso, admirador da grandeza e adorador do poder, Deus envia seu Filho como Salvador da humanidade na fragilidade de um menino: “(...) nasceu para nós um menino, foi-nos dado um filho” (Is 9,4-5).
            Deus é assim, sempre surpreendente! Talvez você esperasse que a salvação d’Ele chegasse à situação social do nosso país ou à sua vida particular por meio de um Juiz do Supremo, ou por meio de um Senador ou Deputado de Brasília, por meio de uma pessoa forte, poderosa, influente... Mas Ele convida você a contemplar o menino que nasceu em Belém, o menino que, ao nascer, foi colocado numa manjedoura, “pois não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2,7).
            O que esse menino pobre, totalmente despojado, sem um lugar digno para nascer, poderia estar dizendo a mim, a você, ao nosso país, à humanidade? O fato do Salvador do mundo ter como seu primeiro berço uma manjedoura, o lugar onde se coloca comida para os animais, nos diz alguma coisa? Você se decepciona ou se encanta pela maneira como Deus escolhe vir até você? Embora não houvesse lugar para eles, a estrebaria foi uma brecha possível para Maria dar à luz o Filho de Deus. Existe alguma brecha na sua vida pela qual Deus possa fazer entrar a Sua luz neste momento?
            Oito séculos antes de Jesus nascer, uma promessa havia sido feita à humanidade: “O povo que andava na escuridão viu uma grande luz; para os que habitavam nas sombras da morte, uma luz resplandeceu... O amor zeloso do Senhor dos exércitos há de realizar estas coisas” (Is 9,1.6). Segundo o evangelista João, Jesus é “a luz verdadeira que, vindo ao mundo, ilumina todo ser humano” (Jo 1,9). E o apóstolo Paulo nos deixou claro o sentido do nascimento de Jesus: “A graça de Deus se manifestou trazendo salvação para todos os homens” (Tt 1,11). Aqui temos indicações importantes de como podemos celebrar o Natal...
            Para toda e qualquer pessoa que se encontra na escuridão e na sombra da morte – dependentes químicos, refugiados, perseguidos, injustiçados, desempregados, doentes etc. – cada um de nós é chamado a ser uma presença concreta da luz d’Aquele que, sendo luz, também disse a nosso respeito: “Vocês são a luz do mundo” (Mt 5,14). Em sintonia com a Encarnação de Jesus, a nossa luz deve concretamente ser vista, sentida, experimentada e “apalpada” pelo máximo de pessoas, porque Deus enviou seu Filho como Salvador de toda a humanidade. O anúncio do anjo aos pastores na noite de Natal – “Eu vos anuncio uma grande alegria... Hoje (...) nasceu para vós um Salvador, que é Cristo Senhor” (Lc 2,10.11) – precisa de cada um de nós para se encarnar na realidade de tantas pessoas que necessitam sentir que também para elas existe um Salvador, que é Cristo Senhor!
            O Natal nos revela que Deus escolheu vir nos salvar não na pessoa de um homem adulto, forte e com super poderes, mas na pessoa de um menino recém nascido, pobre, indefeso, frágil e exposto a todo tipo de dor e de riscos. Diante deste mistério cada um de nós é convidado a dobrar seus joelhos, abaixar-se, esvaziar-se de todo tipo de orgulho, soberba ou arrogância, diminuir-se, para então poder aproximar-se deste Menino e ficar sob a Sua luz, luz que veio curar o que estava ferido, corrigir o que estava errado, encontrar o que estava perdido, reconduzir o que estava extraviado, libertar o que estava aprisionado, perdoar o que estava condenado...
            Hoje, ao contemplar o Menino Jesus, lembremos das palavras de São Gregório de Nissa († 394): “O que não foi assumido pelo Verbo, não foi redimido.” Dizendo de outra forma, só o que é assumido pode ser redimido. Jesus, ao se encarnar, assumiu tudo o que em mim, em você, em cada pessoa existe de humano, frágil, passível de erro, de dor e de sofrimento; Ele assumiu a nossa carne, a nossa condição mortal, para nos redimir, nos resgatar, nos salvar. Por isso, podemos acolher na fé esta Palavra que hoje nos é dirigida com toda a sua verdade: “Não tenhais medo... Eu vos anuncio uma grande alegria... Hoje nasceu para vós um Salvador!” Bendito seja Deus, nosso Pai, por ter vindo redimir e salvar a humanidade na pessoa de Seu Filho Jesus Cristo!

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

DEUS PROCURA POR "JOSÉS"

Missa do 4º. dom. do advento. Palavra de Deus: Is 7,10-14; Rm 1,1-7; Mt 1,18-24.     

            Sempre que nos preparamos para celebrar o Natal e pensamos em Jesus menino, nós o imaginamos nos braços de Maria, sua Mãe. É como se as luzes dos holofotes se concentrassem unicamente no Menino e na sua Mãe, enquanto José, o pai, permanece na sombra, no escuro, como se não fosse importante. De fato, Deus não precisou de José para trazer Jesus ao mundo. O nascimento de Jesus a partir de Maria, sem a participação de José, se deu dessa forma para entendermos que a origem de Jesus é divina. De fato, o Evangelho de hoje começa com essas palavras: “A origem de Jesus Cristo foi assim...” (Mt 1,18).    
            José não está na origem de Jesus Cristo nascido como nosso Salvador, mas o Evangelho de hoje nos diz algo muito importante: Deus procura pessoas que cuidem de tudo aquilo que Ele, por meio do Espírito Santo, tem gerado no coração da humanidade em vista da sua salvação. Deus procura por “Josés”, por homens e mulheres que protejam a vida, alimentem a esperança e possibilitem o nascimento de um mundo mais justo, de um mundo ajustado ao bem, à felicidade e à salvação que Deus quer para cada ser humano.
            Por não entender o que estava acontecendo, por não querer prejudicar Maria, que poderia ser acusada de adultério e, portanto, apedrejada, José havia decidido fugir, preferindo levar sobre si a acusação de ter sido um homem irresponsável. Mas enquanto ele dormia, Deus falou ao seu inconsciente por meio de um sonho, e lhe mostrou que a sua presença na vida de Jesus e de Maria era extremamente importante: “José, (...) não tenha medo de receber Maria... Ela dará à luz um filho, e você lhe dará o nome de Jesus...” (Mt 1,20.21).
Naquela época, era função do pai dar o nome ao filho, assumindo assim, plenamente, a sua paternidade. Se Deus não precisou de José para gerar Jesus no ventre de Maria, quis precisar dele para que Jesus crescesse como pessoa humana junto de um pai. Essa atitude de Deus, por um lado, mostra que Ele quer que você se torne “pai”, que você assuma como “seu” o sonho de Deus em “salvar o seu povo”, em salvar aquelas pessoas com as quais você convive no seu dia a dia. Por outro lado, essa insistência de Deus na permanência de José junto de Maria e do Menino que vai nascer aponta para essa preocupante “ausência” do pai em nossa sociedade.
Na sua exortação “A alegria do amor”, o Papa Francisco nos lembra que “a ausência do pai penaliza gravemente a vida familiar, a educação dos filhos e a sua integração na sociedade” (n.55). Conforme já mencionamos, por ocasião do dia dos pais, uma reportagem da Folha de São Paulo, publicada em 27 de junho deste ano, constatou que 2 em cada 3 menores infratores não têm pai dentro de casa. Para o Papa Francisco, só um pai com uma clara e feliz identidade masculina pode ajudar o filho “a perceber os limites da realidade, caracterizando-se mais pela orientação, pela saída para o mundo mais amplo e rico de desafios, pelo convite a esforçar-se e lutar” (n.176).
A ausência, física ou afetiva, de José tem colaborado para que muitos filhos cresçam fracos, covardes, acomodados e incapazes de dialogar com a vida olhando-a nos olhos. Por outro lado, é preciso reconhecer e louvar tantos filhos que souberam transformar suas feridas paternas em pérolas, e escolheram dar um sentido à ausência paterna que marcou-lhes a infância ou a adolescência, decidindo responsabilizar-se pela própria vida e abrindo-se a um futuro melhor.  
            O Evangelho de hoje nos convida a orar por algumas situações específicas...

            Pai, hoje Te pedimos por todos os “Josés”, por todos os homens que se sentem desorientados ou angustiados, especialmente pelos que estão ameaçados por algum mal ou alguma injustiça... Fala ao coração deles, como o Senhor falou ao coração de José. Orienta-lhes, dá-lhes discernimento, indica-lhes a direção e o caminho que devem seguir neste momento. Também Te pedimos, Senhor, por todas as “Marias” que foram abandonadas em sua gravidez ou logo que o filho nasceu, para que não lhes faltem recursos materiais, emocionais e espirituais, a fim de que se sintam amparadas por Ti e possam cuidar da vida que delas tanto depende neste momento. Às Tuas mãos confiamos ainda, Pai, cada filho – criança, adolescente ou jovem – que cresceu ou está tendo que crescer sem a presença afetiva de um pai junto de si. Que eles experimentem a verdade do Teu amor e o cuidado da Tua providência em si mesmos e no seio de suas casas. Enfim, Senhor, estende Tua mão paterna sobre a humanidade, que se sente muitas vezes órfã, sem pai, com a vida entregue ao acaso. Torna o nosso coração semelhante ao de José, um coração justo, isto é, uma consciência ajustada à Tua verdade e mãos ajustadas à Tua vontade. Assim, a celebração do Natal que se aproxima possa ser vivida como uma verdadeira experiência de que “Deus está conosco” e continua a cuidar de cada ser humano como o pai que cuida do seu único filho. Por Cristo, nosso Senhor. Amém.

                                                             Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

NÃO SE CURVE DIANTE DO QUE É INJUSTO

Missa do 3º. dom. do advento. Palavra de Deus: Isaías 35,1-6a.10; Tiago 5,7-10; Mateus 11,2-11. 

            No último domingo, milhares de brasileiros foram às ruas em defesa da Lava Jato e para protestar contra o Congresso Nacional que, legislando em causa própria, desfigurou o pacote de medidas contra a corrupção. Ao mesmo tempo em que as multidões defendiam a atuação do juiz Sérgio Moro, pediam a saída de Renan Calheiros da presidência do Senado. Para surpresa e alegria quase que geral da nação, na segunda-feira o juiz Marco Aurélio Mello determinou o afastamento de Renan da presidência do Senado, mas, na quarta, por 6 votos a 3, os Ministros do Supremo decidiram pela permanência de Renan no cargo. A alegria durou pouco...
              Hoje a Palavra do Senhor nos convida a recuperar os motivos que temos para sermos cristãos alegres: “Alegre-se a terra que era deserta e intransitável” (Is 35,1). Todos aqueles que têm o coração como se fosse uma terra deserta, abandonada à própria solidão, serão visitados pelo Senhor: “Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus (...), é ele que vem para vos salvar” (Is 35,4). Portanto, o motivo da alegria do cristão não está nos ventos que sopram a favor dos seus sonhos, das suas esperanças, mas está unicamente no Senhor, que hoje nos convida a não nos curvarmos diante dos ventos contrários, mas a confiar que a história está em Suas mãos e Ele, o Justo Juiz, restabelecerá a justiça na terra.
            Certamente, quando olhamos à nossa volta, não encontramos muitos motivos para nos alegrar: políticos e juízes que, na sua maioria, se comportam como caniços que se curvam docilmente diante da corrupção; crianças e jovens cada vez mais expostos à ação dos traficantes; famílias sempre mais frágeis, que vão se desestruturando com uma rapidez sempre maior; o desemprego e a violência, frutos de uma crise econômica que insiste em ferir o presente e em comprometer o futuro do nosso país; doenças e acidentes trágicos que parecem nos convencer de que não vale a pena lutar pela vida etc.
            Quando consideramos a realidade de injustiça e de sofrimento à nossa volta, nossa fé pode passar por sérios questionamentos, exatamente como aconteceu com João Batista, quando estava na prisão e mandou perguntar a Jesus: “És tu aquele que há de vir, ou devemos esperar outro?” (Mt 11,3). Nós também perguntamos: “Será que Deus realmente se importa com a humanidade? Será que ainda vale a pena crer e lutar pela justiça, pela verdade e pela paz? Ainda tem sentido esperar em Deus e apostar no ser humano? Não seria o caso de passar a apostar numa outra força, que não a do bem? Não seria o caso de cada um ir atrás da sua própria sobrevivência e dizer às questões sociais: ‘Dane-se tudo isso!’”?          
            Eis o que a Palavra de Deus nos diz, em meio aos nossos questionamentos de fé: “Fortalecei as mãos enfraquecidas e firmai os joelhos debilitados” (Is 35,3); “Ficai firmes até a vinda do Senhor...  Ficai firmes e fortalecei vossos corações, porque a vinda do Senhor está próxima... Tomai por modelo de sofrimento e firmeza os profetas” (Tg 5,7.8.10). Jesus respeita os questionamentos da sua fé, assim como respeitou os de João Batista, mas ele te convida a fortalecer-se e a firmar-se na sua fé e na sua esperança, e a não viver como “um caniço agitado pelo vento” (Mt 11,7). Sempre que o vento das contrariedades muitas vezes soprar na sua direção, lembre-se do provérbio chinês: “Pode o vento soprar o quanto quiser; a montanha jamais se curva diante dele”.
            Não se curve diante de políticos e juízes curvados diante da corrupção; curve-se diante do Justo Juiz, que retribuirá a cada um segundo a sua conduta (cf. Jó 34,11; Is 59,18; Rm 2,6; Ap 22,12). Não desista de semear justiça, solidariedade e paz na sociedade. Aprenda com o agricultor: mesmo que não haja uma única nuvem no céu, ele semeia e “espera o precioso fruto da terra e fica firme até cair a chuva...” (Tg 5,7). Fique firme na sua alegria, na sua fé, na sua esperança, no seu caráter, sabendo que “pessoas de caráter fazem a coisa certa não porque elas acham que isso irá mudar o mundo, mas porque elas se recusam a serem mudadas pelo mundo” (Michael Josephson). Ontem, João Batista, Jesus e muitos outros se recusaram a serem mudados pelo mundo. Hoje você pode somar forças todas as pessoas que se recusar a ter a sua consciência corrompida pelo “sistema” que insiste em ditar as regras na política, na justiça e na economia do nosso país.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

CUIDAR DO ESSENCIAL


Missa do 2º. dom. do advento. Palavra de Deus: Isaías 11,1-10; Romanos 15,4-9; Mateus 3,1-12.

            O Evangelho deste segundo domingo do advento nos coloca diante de João Batista, aquele que preparou as pessoas do seu tempo para a primeira vinda de Jesus. Mas antes de nos colocar diante das palavras de João, o evangelista Mateus se preocupou em nos descrever o estilo de vida de João: um homem que vivia no deserto, usava uma roupa feita com pêlos de camelo e se alimentava de gafanhotos e mel do campo. São detalhes que nos dizem que João era uma pessoa que vivia do essencial; sua vida se pautava por aquilo que era essencial.
            Não são poucas as pessoas que, ao analisarem as diversas situações de doença, de sofrimento, de injustiça e de dor em que vive a humanidade, têm afirmado que o nosso grande mal é um só: nós descuidamos ou nos afastamos do essencial; portanto, o caminho da cura, da restauração da vida nos seus diversos aspectos passa pelo resgate e pelo cuidado com o essencial. Mas, o que é essencial? A resposta a essa pergunta sempre vai depender da situação que a pessoa está vivendo no momento: se ela se encontra doente ou com saúde; se vive num lugar pacífico ou numa região de conflito; se tem dinheiro ou nem o mínimo necessário pra viver com dignidade etc.
Cada um de nós precisa ter claro para si o que é essencial. Cada um de nós precisa aprender a distinguir claramente o que é essencial e aquilo que é urgente (ou aquilo que o mundo nos faz pensar que é urgente), e dar prioridade ao primeiro, ao invés de se perder no segundo. O próprio João nos aponta, com suas palavras, para aquilo que precisamos dar prioridade e cuidar melhor: as nossas raízes: “O machado já está na raiz das árvores, e toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo” (Mt 3,10).   
Todos querem colher frutos. Todos querem desfrutar da sombra que a árvore oferece. Mas são poucos aqueles que se lembram de que a qualidade daquilo que a árvore tem para oferecer depende da saúde das suas raízes. Por não cuidar das suas raízes, muitas pessoas se suicidaram, mesmo estando no auge da fama ou quando esta começou a diminuir; outras, apesar de se tornarem esteticamente muito bonitas, seguem pela vida vazias, sem conteúdo; outras levaram suas empresas à falência. Por não querer cuidar das suas raízes, muitas pessoas vão continuar tombando diante dos ventos que sopram contrário; por descuidar das raízes do seu avião (combustível), um piloto aterrizou na morte, levando consigo dezenas de outras pessoas...
            Mas hoje não foi apenas João Batista quem nos chamou a atenção para o cuidado com as nossas raízes; também Isaías, profetizando o nascimento de Jesus, afirmou: “a partir da raiz, surgirá o rebento de uma flor” (Is 11,1). Tudo começa “a partir da raiz”. A mudança, a cura, a transformação, a conversão, a libertação se dá “a partir da raiz”; se dá cuidando do nosso interior e não maquiando o nosso exterior. E Isaías diz outra coisa importante: “Sobre ele repousará o Espírito do Senhor...” (Is 11,2). O Espírito Santo deve poder tocar as nossas raízes e repousar sobre aquilo que vai nascer delas. O Espírito Santo deve poder “repousar” sobre você, mas aqui é preciso lembrar que Ele não encontra espaço para repousar numa pessoa barulhenta, agitada, dispersa; Ele só pode repousar onde há silêncio, acolhida, docilidade...
            Trazendo a profecia de Isaías para os nossos dias, fica claro que, assim como Jesus, todo cristão é uma pessoa ungida pelo Espírito Santo e tem como missão colaborar para que a justiça seja restabelecida na sociedade humana. Nossas palavras, acompanhadas necessariamente de atitudes coerentes, devem ajudar a minar as forças do mal que ainda fere de tantas formas a humanidade. Desse modo nós, cristãos, vamos direcionando o mundo para o futuro que Deus quer para a humanidade, um futuro que se chama Paraíso.
Se o advento nos prepara para a vinda de Jesus, e se esta vinda vai provocar o nascimento de novos céus e de uma nova terra, a mesma convicção que o profeta Isaías tinha nós devemos ter: o Paraíso não é uma saudade perdida, mas uma esperança a ser construída. E a expressão que sintetiza o Paraíso é esta: “O lobo e o cordeiro viverão juntos...” (Is 11,6). Nós costumamos rotular o lobo como sendo mau e o cordeiro como sendo bom, mas não se trata disso. Lobo e cordeiro simbolizam as diferenças. Nós, seres humanos, somos diferentes quando à raça, à crença e a tantas outras coisas, mas essas diferenças não significam que não possamos conviver juntos, pacificamente, fraternalmente. Na homenagem às vítimas do acidente aéreo, a dor uniu milhares de pessoas dentro e fora do estádio Girardot em Medellín, na Colômbia, na última quarta, no mesmo dia e horário em que aconteceria o jogo entre o Chapecoense e o Atlético Nacional. Não esperemos a dor de uma tragédia para aprendermos a viver juntos. Ainda que instintivamente seja impossível que lobo e cordeiro possam viver juntos, confiemos na ação de Deus também sobre aquilo que temos de mais instintivo em nós, e deixemos nos transformar pela força da Sua graça.  

P.S. 1 – Aproveitando da comoção nacional pela tragédia com o avião que transportava a Chapecoense, os nossos deputados federais (com exceção de um, que votou contra), desfiguraram o pacote que reúne um conjunto de medidas de combate à corrupção propostas pelo Ministério Público Federal e avalizadas por mais de 2 milhões de assinaturas de cidadãos encaminhadas ao Congresso Nacional. Das dez medidas propostas, somente uma não foi adulterada. Como disse Jesus, “uma árvore boa não pode dar frutos ruins, nem uma árvore má dar bons frutos” (Mt 7,18). Lembremos que as raízes dessa árvore que tanto mal provoca ao nosso país também apontam para nós, que escolhemos esse tipo de deputados para nos representar.

P.S. 2 – Na última terça (29), a primeira turma do Supremo Tribunal Federal decidiu que praticar aborto nos três primeiros meses de gestação não é crime. Isso não descriminaliza o aborto no Brasil, porque a decisão não foi tomada pelo plenário do STF como um todo, o que teria dado força de lei à medida. O julgamento foi feito por uma turma formada por cinco dos onze ministros do Supremo. A sentença, no entanto, abre brechas para que o machado do aborto seja desferido sobre as raízes da vida de uma árvore que começa a nascer no ventre da mãe. Diante disso, cabe o nosso protesto profético em defesa da vida.

 Pe. Paulo Cezar Mazzi



sexta-feira, 25 de novembro de 2016

O FÔLEGO DA ESPERANÇA

Missa do 1º. dom. do advento. Palavra de Deus: Isaías 2,1-5; Romanos 13,11-14; Mateus 24,37-44.

            Nós precisamos de esperança para viver, tanto quanto precisamos do ar para respirar. Nós precisamos de esperança porque o nosso agora não nos basta; ele não contém tudo o que Deus quer nos dar. Nós precisamos que a esperança nos tome pela mão, nos faça sair de dentro do nosso sentimento de vazio, de decepção – seja conosco, seja com os outros, seja com o mundo, seja com o próprio Deus – e nos leve para fora, para que possamos enxergar aquela estrada pela qual Deus continuamente vem ao nosso encontro, para nos dar um futuro e uma esperança.   
            Hoje iniciamos o tempo do advento, tempo de esperar Aquele que vem, tempo de abrir as janelas e portas da nossa vida para que o ar da esperança possa entrar e devolver sentido, ânimo, fôlego novo àquilo pelo qual até agora cremos, lutamos, amamos e esperamos. E assim como Deus concedeu uma visão ao profeta Isaías, assim Ele vem abrir nossos olhos para que possamos enxergar a presença da esperança junto a nós, uma esperança que se assenta numa promessa: no fim dos tempos, a presença de Deus se estenderá e se fará sentir sobre toda a terra. Sua palavra/seus ensinamentos provocarão uma mudança de atitude nas pessoas que se deixarem ensinar por Ele: elas transformarão sua agressividade em atitudes em favor da vida; os conflitos darão lugar à convivência pacífica entre as pessoas. E a promessa termina com um convite: “deixemo-nos guiar pela luz do Senhor” (Is 2,5).
            Uma boa forma de você entrar neste tempo de advento é depositar diante do Senhor suas espadas, suas lanças e suas armas (cf. Is 2,4), e se perguntar: contra o quê eu estou lutando atualmente? Meu alvo está correto? Eu realmente preciso dessas armas, ou estou desperdiçando energia com algo contra o qual eu não deveria lutar? Não seria o caso de eu permitir que Deus transforme minhas armas de guerra em instrumentos de paz, de reconciliação comigo mesmo, com os outros e com Ele próprio?
            Embora o advento seja tempo de esperar Aquele que vem, é importante trazer aqui uma bonita definição do Pe. Adroaldo para este tempo que estamos começando a viver em nossa Igreja: “Advento não é aguardar Alguém ausente; mas despertar para se fazer presente Àquele que está sempre presente”. Deus nunca se ausentou da história humana, mas a Sua presença é “escondida”, isto é, não visível aos nossos olhos. Somos nós que temos que “despertar”, conforme o convite do apóstolo Paulo (cf. Rm 13,11); despertar no sentido de não ter a nossa consciência anestesiada, de não vivermos como se fôssemos pagãos, cuja vida se resume em comilança, bebedeira, orgias, imoralidades, brigas e rivalidades. Quem vive assim demonstra não ter nenhuma esperança dentro de si; vive somente o hoje, porque não espera coisa alguma do amanhã.
            Mas nós esperamos! Não esperamos alguma coisa; esperamos Alguém: esperamos pelo Senhor Jesus! Esperamos por sua segunda vinda, e como ele mesmo acabou de nos dizer, essa sua vinda “será como no tempo de Noé” (Mt 24,37): as pessoas “nada perceberam, até que veio o dilúvio e arrastou a todos” (Mt 24,39). Isto significa que não haverá nenhum acontecimento extraordinário que fará o mundo parar e se preparar para o encontro com Jesus.
            Não haverá nenhum acontecimento extraordinário... Não são poucas as pessoas que só enxergam Deus ou só experimentam Sua presença se e quando acontece algo extraordinário na vida delas. Quem vive assim, deixa de prestar atenção no ordinário da sua vida; quem vive assim, se comporta como um viciado em droga: a vida só ganha cor sob o efeito do extraordinário e torna-se insuportável no ordinário, no cotidiano. As pessoas do tempo de Noé “nada perceberam, até que veio o dilúvio e arrastou a todos” (Mt 24,39). Aqui cabe perguntar: Precisa realmente acontecer algo de extraordinário para que você se dê conta de que algo importante em sua vida está sendo cotidianamente arrastado para o buraco?    
            Em nosso encontro com Jesus haverá uma separação de pessoas: algumas serão levadas e outras serão deixadas (cf. Mt 24,40.41); é uma linguagem simbólica para falar do julgamento final e da salvação: “ser levado” significa ser salvo; “ser deixado” significa ficar perdido para sempre. Portanto, esta palavra de Jesus pede de nós responsabilidade para com a nossa existência, que é única. Desse modo, ele nos diz: “Ficai atentos! (...) Ficai preparados! Porque na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá” (Mt 24,42.44). O tempo de preparação para o encontro com Jesus é hoje! É no momento atual que nos é oferecida a salvação. Em nosso comportamento de cada dia se decide a nossa salvação ou condenação.
            Que o sopro da esperança, sopro que emana do Espírito de Deus, encontre alguma porta ou janela da sua vida aberta neste início de advento, e devolva a você a sensibilidade para perceber nas coisas mais comuns e rotineiras do seu dia a dia a presença d’Aquele que está sempre presente, ainda que de maneira oculta, em sua história da vida.


Pe. Paulo Cezar Mazzi  

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

NÃO CONFIE SEU DÍZIMO ÀS MÃOS DE PADRES "BRAÇO CURTO"



A expressão “braço curto” diz respeito a pessoas preguiçosas, que não gostam de trabalhar. Eu não sei muito bem como está essa questão nas igrejas evangélicas, mas ela começa a se tornar preocupante em nossa Igreja. Uma possível explicação para esse tipo de atitude é que cada geração é, em certa medida, fruto da sua época. Não são poucos os pais que sofrem com esse comportamento dentro de casa: o filho cresceu acostumado a não fazer nada, ou a fazer apenas o mínimo; cresceu achando que os outros existem para servi-lo e ele está convencido de que veio ao mundo exatamente para isso: para ser servido. Em muitos casos, os pais são diretamente responsáveis por esta visão distorcida que o filho tem da vida: ele foi ou tem sido criado assim.
Mas, uma vez que eu não tenho gabarito para fazer análises psicológicas ou sociológicas a respeito da geração “nem-nem” – nem trabalha, nem estuda – entendo que nós temos uma indicação muito clara da Palavra de Deus para quem quer que ache normal – e, quem sabe, muito conveniente – ser uma pessoa “braço curto”: “Quem não quer trabalhar também não deve comer” (2Ts 3,10). Perceba que o apóstolo Paulo não diz “quem não pode trabalhar”; ele diz “quem não quer trabalhar”. Dizendo de outra maneira, quem se acha no direito de viver como parasita, quem vive fazendo corpo mole no trabalho precisa levar um choque de realidade: seu “ganho” deverá ser proporcional ao seu trabalho; se a pessoa não quer arregaçar as mangas, que a ela não sejam dados recursos para que continue a ter a vida boa que tem.
Jesus diz que você conhece uma árvore pelos frutos que ela produz (cf. Mt 7,16-20). Como é o padre da sua igreja? Ele trabalha? O trabalho dele se reduz a celebrar missas, ou ele também procura atender as pessoas que procuram por ele e fazer-se presente, o quanto possível, na dor das pessoas (doença, luto, conflito familiar etc.)? Quantas vezes ao longo do ano ele sai “de férias”, alegando que precisa “descansar”? A “presença geográfica” dele se restringe à casa paroquial e à igreja Matriz, ou ele também procura fazer-se presente na periferia da paróquia? Já que, infelizmente, o nosso trabalho pastoral como padres é gasto, em sua maior parte do tempo, na administração de sacramentos – embora a evangelização peça de nós muito mais do que isso – como o padre da sua igreja dispensa tais sacramentos: como quem o faz com o coração voltado para Deus? Como quem dá o melhor de si no que está fazendo ou como quem precisa se livrar logo disso para ter tempo de se dedicar às coisas que realmente lhe dão satisfação, como assistir TV, navegar na internet, sair para bater papo com os amigos, ficar teclando no celular etc.?     
O conselho bíblico “Quem não quer trabalhar também não deve comer” (2Ts 3,10) também se aplica ao dízimo. O dízimo é um dinheiro sagrado que você doa para ajudar nas necessidades da Igreja, seja no seu serviço de evangelização, seja na sua assistência aos pobres. Acontece que o padre é o administrador da paróquia e a última palavra a respeito de como o dinheiro do dízimo deve ser gasto vem dele. Ora, “o que se exige dos administradores é que cada um seja fiel” (1Cor 4,2). O padre da sua igreja pode ser considerado um “administrador fiel”? Ele, para dar o exemplo, também contribui com o dízimo? De que maneira ele administra o dinheiro do dízimo? Com o quê ele gasta esse dinheiro?
Ainda sobre essa questão, se você já contribui ou pretende contribuir com o dízimo, procure se informar como são realizados o recolhimento, a soma e o depósito bancário do dízimo que entra na paróquia. Desconfie de padres que concentram essas funções em suas mãos ao invés de confiá-las a um grupo de pelos menos dois ou três leigos. Enfim, se o padre da sua igreja é “braço curto” ou um administrador suspeito, procure saber se na sua paróquia existe o grupo dos Vicentinos ou algum outro grupo que trabalha diretamente na assistência aos pobres. Destine seu dízimo a eles. Se não houver nenhum grupo neste sentido, destine seu dízimo a entidades beneficentes da sua cidade que cuidam de idosos, de crianças órfãs, de dependentes químicos, de pessoas com algum tipo de deficiência etc. Lembre-se: “Quem não quer trabalhar também não deve comer” (2Ts 3,10). Não confie mais o seu dízimo às mãos de padres “braço curto”.

     Pe. Paulo Cezar Mazzi

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

QUEM VOCÊ PERMITE QUE EXERÇA DOMÍNIO SOBRE VOCÊ?

Missa de Cristo Rei – Palavra de Deus: 2Samuel 5,1-3; Colossenses 1,12-20; Lucas 23,35-43.

            No início da sua história, o povo de Israel foi guiado por Moisés; depois, por Josué; depois, por Juízes. Mas, na época de Samuel, o último juiz, o povo de Israel pediu-lhe: “Constitui sobre nós um rei, que exerça a justiça entre nós” (1Sm 8,5). Samuel foi consultar Deus na oração a respeito desse pedido, e Deus lhe respondeu: “Atende a tudo o que te diz o povo, porque não é a ti que eles rejeitam, mas a mim; Israel não quer mais que eu reine sobre ele” (1Sm 8,7).
            Hoje, ao celebrarmos Jesus Cristo Rei do universo, precisamos nos perguntar: quem nós queremos que reine sobre nós? Por quem ou pelo que nós nos deixamos dominar? Na Bíblia, o rei é aquele que tem a responsabilidade de proteger o povo e cuidar para que haja justiça e paz entre os homens. Nós nos sentimos protegidos por aqueles que nos governam? Eles têm ajudado nosso mundo a encontrar o caminho da justiça e da paz? De que maneira nós podemos entender Jesus Cristo como Rei?       
            Certa vez, depois que Jesus saciou a multidão faminta no deserto, o povo quis fazê-lo rei, mas Jesus se retirou do meio deles (cf. Jo 6,15). Por quê? Porque Jesus nunca aceitou fazer o papel de solucionador mágico dos nossos problemas. O papel do rei não é oferecer “pão e circo” (comida e diversão) ao povo, coisa que a maioria dos nossos políticos sabe fazer muito bem e o nosso povo gosta – se não fosse assim, não elegeria tais políticos. O domínio que Jesus quis exercer sobre nós a partir da cruz foi um domínio que nos liberta do poder do mal, um domínio que nos devolve a nós mesmos e nos faz tomar nas mãos as rédeas da nossa vida, muitas vezes confiadas às mãos de pessoas e situações que nos fazem mal.
            Portanto, se você é o tipo de pessoa que, ao invés de assumir a responsabilidade pela sua vida, vive procurando “reis”, pessoas que te governem, que te sustentem, que te carreguem no colo quando você tem duas pernas saudáveis e pode andar por si mesmo, pessoas que decidam por você porque lhe falta força de vontade e coragem para fazê-lo, desista de querer eleger Jesus como seu rei particular. Não foi para isso que ele veio e não é esse tipo de reinado que ele exerce. 
            Todo rei tem um trono, o lugar a partir de onde ele exerce o seu poder, o seu domínio. Mas eis a grande contradição! O trono de Jesus foi a cruz, um trono tão estranho, um lugar tão desprovido de poder, que aqueles que passavam diante desse “trono” gritavam: “Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo!” (Lc 23,37). “Salva-te a ti mesmo e a nós!” (Lc 23,39). Eis a nossa grande dificuldade em crer no domínio de Jesus sobre o mundo. Se ele é, de fato, Rei, como entender que o nosso mundo esteja tão dominado pelo mal e pela injustiça? Uma explicação possível para isso é que aqueles que praticam o mal e a injustiça não estão debaixo do domínio de Jesus e sim do maligno. Mas esta explicação basta?
            Um dos homens que estava crucificado com Jesus lhe fez este pedido: “Jesus, lembra-te de mim, quando entrares no teu reinado” (Lc 23,42). Este homem nos ensina que a cruz que carregamos não é a prova de que Jesus é um rei fracassado e seu domínio é totalmente incapaz de nos libertar do mal. Mesmo na cruz, mesmo na dor nós podemos escolher às mãos de quem confiar a nossa existência: se às mãos de reis ilusórios, que nos prometem uma vida de sucesso e de vitória, ou se ao verdadeiro rei, ao único que pode nos fazer esta promessa: “Ainda hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43).
            Jesus é Rei porque o Pai lhe confiou o poder, o domínio salvífico sobre todo ser humano (cf. Jo 17,2), e somente ele pode nos reintroduzir no Paraíso; somente ele pode restabelecer a plena comunhão do homem com Deus, consigo mesmo, com seu semelhante e com a natureza. Assim também, só pode experimentar o Paraíso quem decide viver sob a autoridade de Jesus, quem aceita livremente submeter-se ao domínio do Espírito Santo, quem permite que o Pai o liberte do poder das trevas e o receba no reino de seu Filho amado, por quem temos a redenção, o perdão dos pecados (cf. Cl 1,13-14).
            Se hoje a Igreja nos convida a proclamar ao mundo todo que Jesus Cristo é Rei do universo é porque, por meio dele, Deus Pai quis “reconciliar consigo todos os seres, os que estão na terra e os que estão no céu, realizando a paz pelo sangue de sua cruz” (Cl 1,20). Portanto, todo ser humano pode encontrar em Jesus – e somente nele – a libertação do domínio do mal.    
            Termino esta reflexão compartilhando as palavras abaixo, retiradas do site dos dehonianos: “Em termos pessoais, a Festa de Cristo Rei convida-nos, também, a repensar a nossa existência e os nossos valores. Diante deste ‘rei’ despojado de tudo e pregado numa cruz, não nos parecem completamente ridículas as nossas pretensões de honras, de glórias, de títulos, de aplausos, de reconhecimentos? Diante deste ‘rei’ que dá a vida por amor, não nos parecem completamente sem sentido as nossas manias de grandeza, as lutas para conseguirmos mais poder, as invejas mesquinhas, as rivalidades que nos magoam e separam dos irmãos? Diante deste ‘rei’ que se dá sem guardar nada para si, não nos sentimos convidados a fazer da vida um dom?” (http://www.dehonianos.org/portal/).

Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

COMO ANDA O SEU CARÁTER?

Missa do 33º. dom. comum. Palavra de Deus: Malaquias 3,19-20a; 2Tessalonicenses 3,7-12; Lucas 21,5-19.

            Você sentiu algum terremoto na última quarta-feira? Pois é. Alguns meios de comunicação escolheram a expressão “terremoto político” para falar da eleição surpresa de Donald Trump, o novo presidente dos Estados Unidos, um “terremoto político” que “abalou o mundo todo”, segundo alguns comentadores. Será mesmo? Confesso a você que sinto raiva quando leio ou escuto esse tipo de comentário, atribuindo ao presidente dos Estados Unidos o poder de, ou salvar, ou destruir o mundo. Ele não tem esse poder. Nenhum homem tem esse poder. Os Estados Unidos não têm o poder que pretendem ter ou que seus subordinados ideológicos lhes atribuem de ‘messias’. Messias e Salvador da humanidade só existe um: Jesus Cristo.
            Quando Pilatos declarou a Jesus, na arrogância do seu poder, “Não sabes que eu tenho poder para te libertar e poder para te crucificar?”, Jesus lhe respondeu: “Não terias poder nenhum sobre mim, se não te fosse dado do alto” (Jo 19,10-11). Era como se Jesus tivesse dito: ‘Você, Pilatos, que se julga acima do bem e do mal, também está debaixo do poder de Deus, e a Ele você também um dia, como qualquer outro ser humano, prestará contas a respeito de como administrou o poder que te foi confiado’.
            No mundo em que vivemos, há muitas pessoas que se julgam poderosas, ou que são tratadas e paparicadas como tais. Até ontem, o Congresso Nacional era comandado por um homem considerado ‘grandemente poderoso’: Eduardo Cunha. Hoje este ‘poderoso’ se encontra atrás das grades (até que algum juiz, igualmente corrupto, ordene que ele seja solto). Ora, quem é Eduardo Cunha? Quem é Renan Calheiros, presidente do Senado, que tem onze processos contra ele no Supremo Tribunal Federal? Quem é Vladimir Putin, presidente da Rússia, reconhecido internacionalmente como assassino de um incontável número pessoas, um dos responsáveis diretos pela guerra na Síria? Quem é Donald Trump? Quem sou eu, que escrevo esta reflexão? Quem é você, que a lê neste momento? Todos nós somos “ca-dá-veres”, carnes dadas aos vermes, seres humanos mortais.
Tudo isso que escrevi acima é para nos situar diante dessas palavras de Jesus: “Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído” (Lc 21,6). Você admira as pessoas que a mídia considera “poderosas?” Você admira a sua beleza física, a sua saúde e o seu vigor sexual? Você admira seu carro novo, seu novo modelo de celular, sua mais nova aquisição? Você admira seu novo cargo na empresa ou na Igreja? Acorde pra vida! “Tudo será destruído”, porque todo o nosso poder, soberba e arrogância serão enterrados conosco, e seremos comidos pelos vermes (leia At 12,21-23); todos, sem exceção. Todos nós estamos debaixo do poder de Deus; todos nós estamos destinados a nos confrontar com o fogo do seu julgamento, com uma diferença: sobreviverão a esse fogo os que procuram ser pessoas justas, ao passo que serão destruídos e não restará nem raiz daqueles que se julgam fortes, poderosos e intocáveis, mas que são, aos olhos de Deus, apenas isso: palhas secas (cf. Ml 3,19-20a).
O fato é que Deus não trouxe você a esta igreja e não está lhe dirigindo a Palavra com o objetivo de ameaçar você. O que Deus está fazendo é um alerta, para que você não se engane em relação aos homens e não coloque a sua segurança e salvação em quem não tem poder para lhe oferecer nem uma coisa nem outra. Como nos ensina o Salmo 146, não deposite sua segurança nas pessoas consideradas fortes, importantes; elas não podem salvar, nem a você, nem a si mesmas. Quando o respiro lhes faltar, elas morrerão, e com elas os seus planos de poder (cf. Sl 146,3-4). Além do mais, lembre-se disso: se Deus permitiu a destruição de Jerusalém e do Templo, é porque Ele não está preso a nenhum lugar, a nenhuma igreja, a nenhuma religião, a nenhum sistema político, a nenhuma filosofia de vida e a nenhuma pessoa, seja ela quem for. Além do mais, Ele quer que você e eu, enquanto Igreja, nos coloquemos junto aos que não têm poder nem importância para a nossa sociedade, junto àqueles que, por causa do abuso de poder de alguns, são sistematicamente expostos ao sofrimento, à violência e à morte no mundo em que vivemos.    
Sim, o nosso mundo passa por mudanças climáticas, políticas, religiosas e culturais. Essas mudanças provocam em nós instabilidade, insegurança, ansiedade, medo, sentimento de ameaça, incertezas etc. Diante da realidade atual, você talvez pudesse cair na tentação de desejar ter vivido numa outra época, quando a realidade parecia bem mais simples, bem menos complicada do que está hoje. Mas, não se iluda, nem seja ingênuo; não fuja do seu compromisso como cristão. Este é o tempo em que Deus te chamou a viver. Como nos disse Jesus, “esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé” (Lc 21,13). Quanto mais as mudanças abalam nossas seguranças e parecem confundir os nossos valores, mais devemos procurar nos manter firmes na fé que professamos e na Palavra do nosso Deus que nos orienta, lembrando o que Jesus disse: “É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida!” (Lc 21,19).
  Se você ainda tem tempo e paciência para acompanhar esta reflexão, deixo-lhe um alerta do livro do Apocalipse: “(...) o Tempo está próximo. Que o injusto cometa ainda a injustiça e o sujo continue a sujar-se; que o justo pratique ainda a justiça e que o santo continue a santificar-se” (Ap 22,11). Isto significa que as perturbações dos últimos dias terão a tendência de fixar o caráter de cada indivíduo segundo os hábitos que ele já tenha formado. No momento do julgamento diante de Deus, a mudança do caráter será impossível e não haverá mais possibilidade conversão. Tudo, no mundo, permanecerá como está: o injusto que pratique o mal, e o santo que pratique o bem, pois o injusto não dará importância aos apelos de Deus contidos na Escritura, ao contrário do santo.

                                                                     Pe. Paulo Cezar Mazzi

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

CRISTÃOS MUNDANOS OU EM PROCESSO DE SANTIFICAÇÃO?

Missa de todos os santos. Palavra de Deus: Apocalipse 7,2-4.9-14; 1Jo 3,1-3; Mateus 5,1-12a.

            Hoje, dia de todos os Santos, é uma boa ocasião para nos darmos conta de que, nem o mundo em que vivemos, nem a igreja da qual participamos se divide unicamente em “santos” e “pecadores”. Graças ao Papa Francisco, nós pudemos nos dar conta de que, além dessas duas “categorias” de pessoas, existe uma terceira, cada vez mais comum: os “cristãos mundanos”. Vamos lembrar: a Sagrada Escritura define Deus como “Santo”, no sentido de “Sagrado”, “separado” do mundo. Por sua vez, o mundo – não enquanto humanidade, mas enquanto uma realidade que se opõe a Deus – é entendido como algo “profano”, oposto ao sagrado.
            A oposição entre “sagrado” e “profano” nos oferece alguns questionamentos: O que é “sagrado” para você? A família é algo sagrado? O casamento? A consciência? O corpo (seu e do outro)? O meio ambiente? A honestidade e o comportamento justo são valores sagrados para você? Se o contrário de “sagrado” é “profano”, o que está sendo profanado hoje em você ou à sua volta? Você ainda consegue perceber a linha divisória entre “sagrado” e “profano”, ou essas duas realidades já estão misturadas dentro de você? Ainda uma outra questão: Para Jesus, aquilo que é sagrado tem de ser protegido, defendido (cf. Mt 7,6). Você se preocupa em proteger/defender aquilo que considera sagrado em sua vida?
            Voltemos ao assunto do “mundanismo”. Na sua Exortação “A alegria do Evangelho”, o Papa Francisco enumera seis atitudes de “mundanismo” dentro da Igreja: 1) A pessoa usa da sua imagem religiosa e do seu (aparente) amor à Igreja para buscar a sua própria glória e o seu bem-estar pessoal (EG* 93). 2) A pessoa se sente superiora às outras por cumprir certas normas ou por ser fiel a um estilo católico próprio do passado (EG 94). 3) A pessoa exibe-se através da liturgia ou da realização de trabalhos sociais, mas não se preocupa que o Evangelho tenha uma real inserção na vida do povo e nas necessidades concretas da história, permanecendo distante dos que andam perdidos e das imensas multidões sedentas de Cristo (EG 95). 4) A pessoa vive opinando sobre “o que se deveria fazer” em termos de evangelização, mas mantém-se distante da realidade sofrida do povo, esquecendo-se de que a nossa história de Igreja é uma história de sacrifícios, de esperança, de luta diária, de vida gasta no serviço (EG 96). 5) A pessoa vive escondida atrás de uma aparência religiosa, mas é vazia de Deus; chega até mesmo a viver uma vida corrupta, mascarada sob a aparência de ser uma pessoa boa (EG 97). 6) A pessoa alimenta dentro da Igreja várias formas de ódio, divisão, calúnia, difamação, vingança, ciúme, e desejo de impor as próprias ideias a todo o custo... E o Papa Francisco pergunta: “Quem queremos evangelizar com estes comportamentos?” (EG 100), o que equivale a perguntar também: Quem nós queremos evangelizar, sem nos preocuparmos em sermos santos, sem nos incomodarmos em sermos “cristãos mundanos”?
No que diz respeito à santidade dos seus discípulos de todos os tempos, Jesus fez a seguinte oração ao Pai: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é verdade... Em favor deles eu me santifico, para que também eles sejam santificados na verdade” (Jo 17,17.19). A “Palavra de Deus” realiza tanto a separação do discípulo em relação ao mundo (cf. Jo 17,14a) quanto a sua santificação na verdade (cf. Jo 17,17b). Se os Santos são as pessoas que na terra têm/tiveram que lidar com grandes tribulações (cf. Ap 7,14), a única forma de estarmos em pé diante dessas tribulações é nos fortalecendo na “verdade”, que é a Palavra de Deus, nunca nos esquecendo de que o próprio Jesus se santificou por nós, pela maneira como Ele morreu na  cruz (cf. Hb 10,10).
“Em favor deles eu me santifico” (Jo 17,19a). Muito provavelmente você tem pessoas sob a sua responsabilidade na vida familiar, profissional ou consagrada a Deus. Você se esforça em se santificar para que essas pessoas também sejam santificadas? Uma vez que não há santificação sem sacrifício, sem luta, sem derramamento de muito suor, de muitas lágrimas e até mesmo do próprio sangue (cf. Hb 12,4), qual é a sua vontade de santificar-se em favor das pessoas que estão sob sua responsabilidade familiar, profissional ou de vida consagrada?
Santificar-se é um processo que dura a nossa vida toda e, justamente por isso, deve ser retomado a cada dia. E uma vez que o mundo em que vivemos promove sistematicamente a profanação de tantas coisas sagradas, devemos nos lembrar dessas palavras do Pe. Léo: “O cristão não pode ser uma folha que se joga em um rio e se deixa levar pela água. É preciso nadar contra a corrente”. Santificar-se significa não se permitir ser arrastado pela profanação promovida pelo mundo atual, mas deixar-se conduzir pelo Espírito Santo de Deus, ainda que o Espírito Santo nos obrigue muitas vezes a andar na contramão, a nadar contra a corrente. Por fim, consideremos essas palavras do Pe. Alfredo J. Gonçalves: “Antes de crescer para cima, a árvore necessita crescer para baixo. Depois de nutrir-se com os ingredientes que encontra no chão, então sim, estará pronta para elevar-se ao alto – forte, robusta e vigorosa”. Que cada um de nós procure enraizar a sua vida em Jesus Cristo, que se sacrificou no altar da cruz em favor da nossa santificação. Permitamos que Ele nos torne cristãos não mundanos...

*EG, abreviação de Evangelii Gaudium (A alegria do Evangelho)

Para a sua oração pessoal: Em santidade (Adoração e Vida)


Pe. Paulo Cezar Mazzi

CRISTÃOS MUNDANOS OU EM PROCESSO DE SANTIFICAÇÃO?

Missa de todos os santos. Palavra de Deus: Apocalipse 7,2-4.9-14; 1Jo 3,1-3; Mateus 5,1-12a.

            Hoje, dia de todos os Santos, é uma boa ocasião para nos darmos conta de que, nem o mundo em que vivemos, nem a igreja da qual participamos se divide unicamente em “santos” e “pecadores”. Graças ao Papa Francisco, nós pudemos nos dar conta de que, além dessas duas “categorias” de pessoas, existe uma terceira, cada vez mais comum: os “cristãos mundanos”. Vamos lembrar: a Sagrada Escritura define Deus como “Santo”, no sentido de “Sagrado”, “separado” do mundo. Por sua vez, o mundo – não enquanto humanidade, mas enquanto uma realidade que se opõe a Deus – é entendido como algo “profano”, oposto ao sagrado.
            A oposição entre “sagrado” e “profano” nos oferece alguns questionamentos: O que é “sagrado” para você? A família é algo sagrado? O casamento? A consciência? O corpo (seu e do outro)? O meio ambiente? A honestidade e o comportamento justo são valores sagrados para você? Se o contrário de “sagrado” é “profano”, o que está sendo profanado hoje em você ou à sua volta? Você ainda consegue perceber a linha divisória entre “sagrado” e “profano”, ou essas duas realidades já estão misturadas dentro de você? Ainda uma outra questão: Para Jesus, aquilo que é sagrado tem de ser protegido, defendido (cf. Mt 7,6). Você se preocupa em proteger/defender aquilo que considera sagrado em sua vida?
            Voltemos ao assunto do “mundanismo”. Na sua Exortação “A alegria do Evangelho”, o Papa Francisco enumera seis atitudes de “mundanismo” dentro da Igreja: 1) A pessoa usa da sua imagem religiosa e do seu (aparente) amor à Igreja para buscar a sua própria glória e o seu bem-estar pessoal (EG* 93). 2) A pessoa se sente superiora às outras por cumprir certas normas ou por ser fiel a um estilo católico próprio do passado (EG 94). 3) A pessoa exibe-se através da liturgia ou da realização de trabalhos sociais, mas não se preocupa que o Evangelho tenha uma real inserção na vida do povo e nas necessidades concretas da história, permanecendo distante dos que andam perdidos e das imensas multidões sedentas de Cristo (EG 95). 4) A pessoa vive opinando sobre “o que se deveria fazer” em termos de evangelização, mas mantém-se distante da realidade sofrida do povo, esquecendo-se de que a nossa história de Igreja é uma história de sacrifícios, de esperança, de luta diária, de vida gasta no serviço (EG 96). 5) A pessoa vive escondida atrás de uma aparência religiosa, mas é vazia de Deus; chega até mesmo a viver uma vida corrupta, mascarada sob a aparência de ser uma pessoa boa (EG 97). 6) A pessoa alimenta dentro da Igreja várias formas de ódio, divisão, calúnia, difamação, vingança, ciúme, e desejo de impor as próprias ideias a todo o custo... E o Papa Francisco pergunta: “Quem queremos evangelizar com estes comportamentos?” (EG 100), o que equivale a perguntar também: Quem nós queremos evangelizar, sem nos preocuparmos em sermos santos, sem nos incomodarmos em sermos “cristãos mundanos”?
No que diz respeito à santidade dos seus discípulos de todos os tempos, Jesus fez a seguinte oração ao Pai: “Santifica-os na verdade; a tua palavra é verdade... Em favor deles eu me santifico, para que também eles sejam santificados na verdade” (Jo 17,17.19). A “Palavra de Deus” realiza tanto a separação do discípulo em relação ao mundo (cf. Jo 17,14a) quanto a sua santificação na verdade (cf. Jo 14,17b). Se os Santos são as pessoas que na terra têm/tiveram que lidar com grandes tribulações (cf. Ap 7,14), a única forma de estarmos em pé diante dessas tribulações é nos fortalecendo na “verdade”, que é a Palavra de Deus, nunca nos esquecendo de que o próprio Jesus se santificou por nós, pela maneira como Ele morreu na  cruz (cf. Hb 10,10).
“Em favor deles eu me santifico” (Jo 17,19a). Muito provavelmente você tem pessoas sob a sua responsabilidade na vida familiar, profissional ou consagrada a Deus. Você se esforça em se santificar para que essas pessoas também sejam santificadas? Uma vez que não há santificação sem sacrifício, sem luta, sem derramamento de muito suor, de muitas lágrimas e até mesmo do próprio sangue (cf. Hb 12,4), qual é a sua vontade de santificar-se em favor das pessoas que estão sob sua responsabilidade familiar, profissional ou de vida consagrada?
Santificar-se é um processo que dura a nossa vida toda e, justamente por isso, deve ser retomado a cada dia. E uma vez que o mundo em que vivemos promove sistematicamente a profanação de tantas coisas sagradas, devemos nos lembrar dessas palavras do Pe. Léo: “O cristão não pode ser uma folha que se joga em um rio e se deixa levar pela água. É preciso nadar contra a corrente”. Santificar-se significa não se permitir ser arrastado pela profanação promovida pelo mundo atual, mas deixar-se conduzir pelo Espírito Santo de Deus, ainda que o Espírito Santo nos obrigue muitas vezes a andar na contramão, a nadar contra a corrente. Por fim, consideremos essas palavras do Pe. Alfredo J. Gonçalves: “Antes de crescer para cima, a árvore necessita crescer para baixo. Depois de nutrir-se com os ingredientes que encontra no chão, então sim, estará pronta para elevar-se ao alto – forte, robusta e vigorosa”. Que cada um de nós procure enraizar a sua vida em Jesus Cristo, que se sacrificou no altar da cruz em favor da nossa santificação. Permitamos que Ele nos torne cristãos não mundanos...

*EG, abreviação de Evangelii Gaudium (A alegria do Evangelho)

Para a sua oração pessoal: Em santidade (Adoração e Vida)


Pe. Paulo Cezar Mazzi