quinta-feira, 28 de abril de 2022

RESGATAR O SENTIDO DA PRÓPRIA VIDA

 Missa do 3º dom. Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 5,27b-32.40b-41; Apocalipse 5,11-14; João 21,1-19.

 

            Jesus iniciou sua missão chamando quatro discípulos: Pedro, André, Tiago e João. Por serem pescadores, estavam na praia, lavando/consertando as redes, quando Jesus lhes fez o convite: “Sigam-me, e eu farei de vocês pescadores de homens” (Mt 4,19). Pescar homens significa resgatar pessoas das situações de destruição e de morte.

            O Evangelho de hoje nos surpreende com a decisão de Pedro e de seis outros discípulos de irem pescar – pescar peixes! Ao que parece, os discípulos estão desorientados, após a morte e a ressurreição de Jesus. A desorientação é tão grande que eles voltam ao momento antes de serem chamados por Jesus; voltam a ser pescadores de peixes!

            Como nós estamos em relação à nossa vida: olhando para a frente ou para trás? Estamos sendo fiéis à tarefa que a vida nos confiou ou a abandonamos, para regredir e voltar a fazer coisas que não têm nada a ver com a nossa responsabilidade perante a missão que a vida nos confiou?

            “Eu vou pescar” (Jo 21,3) pode significar a atitude do cristão de voltar a ser um simples ser humano, que vive sua vida reduzida ao físico e ao psíquico, sem abertura ao espiritual; uma vida sem grandes sonhos, sem grandes ideais, reduzida ao sobreviver. E, no entanto, isso não responde mais ao que o coração humano busca. Pedro e os outros discípulos não pescam nada! Assim também, quando abandonamos o caminho que Jesus nos convidou a percorrer com ele, quando fugimos da tarefa à qual ele nos chamou, nossa vida começa a perder o sentido – nossas redes ficam vazias.

            Jesus conhece e respeita nossos momentos de crise, de desencanto, de perda de sentido e de afastamento da nossa própria vocação. Propositalmente, ele toca na ferida das nossas redes vazias, da nossa vida sem sentido: “Vocês têm alguma coisa para comer?” (Jo 21,5). Na verdade, Jesus quer nos levar a uma reflexão: por que será que não estamos mais conseguindo alimentar o sentido da nossa vida? Por que será que, apesar dos nossos esforços em pescar, nossas antigas redes continuam vazias? Não será justamente porque não é mais ali o nosso lugar? Não será porque não é mais aquela a nossa tarefa?

            Para renovar o convite aos seus discípulos a voltarem a crer na missão que lhes foi confiada, Jesus lhes desafia: “Lancem a rede à direita da barca, e vocês acharão” (Jo 21,6). Lançaram, pois, a rede e não conseguiam puxá-la para fora, por causa da quantidade de peixes. Então, o discípulo a quem Jesus amava disse a Pedro: “É o Senhor!” (Jo 21,7).

O discípulo amado reconhece que aquele homem que está na praia falando com eles é o Senhor ressuscitado! Após a sua ressurreição, ele não abandonou seus discípulos, não deixou sua Igreja sozinha no mundo. Ele continua a se preocupar com cada discípulo seu que está perdendo o sentido da sua própria vocação e missão. Ele já fez isso com os dois discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-35) e com Tomé (Jo 20,24-29); agora, Jesus deseja devolver convicção e sentido ao coração de sete discípulos seus que desistiram de resgatar pessoas do mar da destruição e da morte para, simplesmente, pescar peixes.

            O Evangelho centra a atenção em Pedro. Foi ele quem decidiu ir pescar. Foi ele quem parece ter perdido o sentido do chamado que recebeu de Jesus. Ele estava nu – desprovido da sua identidade, desprovido de sentido e de esperança perante sua própria vocação de pescador de homens. Agora, ao se dar conta de que Jesus Ressuscitado está ali, próximo deles, na beira da praia, veste sua roupa – símbolo da retomada da sua identidade de discípulo, de pescador de homens, e mergulha no mar, nadando rapidamente até chegar ao Senhor Ressuscitado.   

            Após a refeição com seus discípulos, Jesus chama Pedro para uma conversa particular. Antes da morte de Jesus na cruz, Pedro o havia negado três vezes, com medo de também ser preso e condenado à morte. Agora, por três vezes, o Senhor Ressuscitado lhe pergunta: “Você me ama?”. Diante da resposta afirmativa de Pedro, Jesus o remete para a sua verdadeira tarefa/missão: “Apascenta os meus cordeiros” (Jo 21,15); “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,16); “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,16). Apascentar é cuidar. O sentido da nossa vida não está em nós mesmos, em girar em torno do nosso ego, mas está em cuidar de algo ou de alguém que nos foi confiado. Pedro deixou de amar Jesus por medo da cruz. Agora que ele está diante do Ressuscitado, tomou consciência de que amar realmente machuca e faz morrer o nosso ego, mas é exatamente aquilo que dá sentido à nossa vida.

            Hoje a pergunta “Você me ama?” é dirigida a cada um de nós. Nós podemos até ter alguma fé em Jesus e ter a consciência de que necessitamos absolutamente dele, mas quem de nós o ama verdadeiramente? Até mesmo aqueles que não abandonaram a sua tarefa, a sua missão pastoral, quantos desses fazem o que fazem por amor, e não por mera obrigação ou, quem sabe, por simples sobrevivência financeira? Além disso, o nosso amor por Jesus se verifica no cuidado para com as coisas e as pessoas que ele confiou aos nossos cuidados. Essa consciência deveria estar presente quando pensamos em desistir – desistir do matrimônio, da vida consagrada, da própria vocação, da tarefa que a vida nos confia todos os dias. Se não desistimos não é porque ainda compensa nos manter onde estamos, mas unicamente por amor ao Senhor Ressuscitado. Em outras palavras, não cuidamos das ovelhas porque elas merecem tal cuidado, mas porque Jesus, a quem amamos, nos pede para cuidar.

            Uma palavra final – o nosso envelhecimento. Talvez muitos de nós esperem recompensas e garantias de sucesso pelo fato de servirmos ao Evangelho. No entanto, Jesus foi muito realista com Pedro: quando ele envelhecer, “irá para onde não quer ir” (cf. Jo 21,18), ou seja, morrerá de uma morte que não desejaria morrer. Talvez Jesus peça a alguns de nós não apenas uma vida oferecida em sacrifício pela salvação daqueles que ele ama, mas também uma morte sem glória, sem o reconhecimento do mundo, uma morte anônima ou até mesmo “amaldiçoada” aos olhos humanos. Diante desse realismo que parece até mesmo duro da parte de Jesus, volta a soar o seu chamado a cada um de nós: “Segue-me” (Jo 21,29).

            Hoje nós supostamente estamos seguindo Jesus. Não significa que morreremos seguindo-o. Por isso, a cada dia é preciso ter a coragem de nos colocar diante da sua pergunta: “Você me ama?”. “Você acredita que eu estou ressuscitado e acompanhando-o(a) também nas suas pescas fracassadas, nos momentos em que sua vida parece perder o sentido e você desiste da tarefa que lhe foi confiada?”. “Você me amará quando envelhecer, quando se tornar para a Igreja e para o mundo uma pessoa insignificante?”. “Você continuará acreditando que sua vida tem um sentido mesmo quando, devido à velhice, você não puder fazer quase que mais nada, e só sobreviverá daquilo que receber dos outros?”.  

           

Pe. Paulo Cezar Mazzi

Nenhum comentário:

Postar um comentário