Missa do 2º domingo da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 5,12-16; Apocalipse 1,9-11a.12-13.17-19; João 20,19-31.
O sinal do túmulo vazio só pode ser
compreendido através de um segundo sinal: as aparições do Ressuscitado aos
discípulos. O Evangelho de hoje nos fala de duas dessas aparições: a primeira,
na noite do domingo de Páscoa; a segunda, oito dias depois, sendo esta
especificamente para fazer uma correção à falta de fé de Tomé que, diante da
notícia da primeira aparição, disse: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas
mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu
lado, não acreditarei” (Jo 20,25).
Ninguém de nós duvida de que Tomé
esteja dentro de si. Quando consideramos a situação atual da humanidade, ferida
por guerras e conflitos, pelo descaso e pela indiferença diante da dor alheia,
pela banalização da vida, por uma economia de morte que privilegia os
interesses do mercado cuja ganância é desmedida, pelo aumento sempre crescente
da violência e de diversas doenças que levam à morte, fica mesmo difícil crer
na ressurreição.
É
verdade que crer na ressurreição de Jesus não muda o mundo à nossa volta, mas
muda a nossa maneira de ver o mundo, de entender a vida e de lidar com aquilo
que nos acontece. Só a fé no Cristo ressuscitado, vivo e presente junto a cada
um de nós, pode nos tirar das mãos do fatalismo, do pessimismo, do desespero e
da falta de sentido para a vida, e nos confiar às mãos da esperança que não
decepciona, sabendo que não estamos jogados neste mundo às mãos do acaso, mas fomos
confiados por Jesus às mãos do Pai; Ele nos guia e nos sustenta no caminho da
vida, destinando cada um de nós a ressuscitar junto com seu Filho Jesus.
“Se
eu não vir, não acreditarei” (Jo 20,25). O Tomé que nos habita precisa ser
levado a sério. A questão não é tanto o fato de crermos que Cristo ressuscitou,
mas de cremos que a sua ressurreição tenha tornado o nosso mundo melhor. O
problema são as feridas que continuam a ser abertas na humanidade e na vida de
cada um de nós. Nos parece inconciliável celebrar a ressurreição de Cristo
tendo em nós tantas feridas abertas. Mas o Evangelho de hoje centra a nossa
atenção exatamente nas feridas de Jesus! Ele ressuscitou. Seu corpo, antes
crucificado, está agora glorificado. No entanto, seu novo corpo glorificado
ainda carrega em si as feridas da sua crucificação!
Talvez
aqui esteja o nosso grande engano: achar que uma vida ressuscitada é uma vida
blindada contra feridas. Para nos ajudar a rever essa compreensão errada a
respeito da nossa fé, precisamos refletir sobre essas palavras do Pe. Tomás
Halík: “Dizem que o próprio Satanás apareceu
a São Martinho sob a aparência de Cristo. No entanto, o santo
não foi enganado. Ele perguntou: ‘Onde estão as tuas feridas?’ Não acredito em ‘fé
sem feridas’, em uma igreja sem feridas, em um Deus sem feridas. Somente
o Deus ferido através de nossa fé ferida poderia curar o nosso mundo
ferido”. Um Cristo ressuscitado sem feridas é um falso cristo. Se o seu corpo
glorioso mantém em si as feridas da cruz é para nos lembrar de que a nossa
ressurreição nascerá exatamente das nossas lutas, nas quais nos ferimos para
gerar vida e esperança em nosso mundo.
Jesus
fez questão de ter uma conversa pessoal com Tomé e corrigir sua falta de fé: “Põe
o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu
lado. E não sejas incrédulo, mas fiel... Acreditaste, porque me viste?
Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” (Jo 20,27.29). Nós consideramos
os discípulos de Jesus felizes pelo fato de o terem visto ressuscitado? Jesus
afirma que muito mais felizes serão aqueles que terão fé nele sem o terem visto
ressuscitado, mas crendo a partir do testemunho dos apóstolos! Nossa fé não tem
como ser alimentada por uma visão especial de Jesus ou por um toque sensível
nele ou dele em nós. O que a alimenta é a pregação dos apóstolos a respeito do
Senhor ressuscitado (cf. Rm 10,17), além do fato de o próprio Ressuscitado
partir o pão para nós em cada Eucaristia (cf. Lc 24,30-31). Ali, então, podemos
proclamar: “Creio em ti, Ressuscitado, mais que São Tomé, mas aumenta na
minh’alma o poder da fé. Guarda a minha esperança; cresce o meu amor! Creio em
ti, Ressuscitado, meu Deus e Senhor!”.
Assim
como a vida não é algo fixo, estático e previsível, assim acontece também com a
nossa fé. Ela passa por altos e baixos, além de ser fortemente questionada pelo
mundo atual e por situações novas que a vida nos traz. Nossa fé não pode ser
uma plantinha frágil e delicada, que procuramos manter protegida dentro de uma
redoma de vidro. Pelo contrário, ela precisa aprender a enfrentar os ventos
contrários, de modo que suas raízes se aprofundem no chão da vida e seu tronco
se fortaleça, em vista de nos manter em pé diante das dificuldades.
Neste
sentido, é muito oportuna esta palavra do Papa Francisco: “Nunca devemos
esquecer que uma fé que não nos põe em crise é uma fé em crise; uma fé que não
nos faz crescer é uma fé que deve crescer; uma fé que não nos questiona é uma
fé sobre a qual nos devemos questionar; uma fé que não nos anima é uma fé que
deve ser animada; uma fé que não nos sacode é uma fé que deve ser sacudida”
(21/01/22). Que a nossa fé amadureça nos momentos de “tribulação”, de modo a
produzir em nós o fruto da “perseverança” em Cristo crucificado e ressuscitado
(cf. Ap 1,9).
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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