quinta-feira, 21 de abril de 2022

SÓ O DEUS FERIDO CURA A HUMANIDADE FERIDA

 Missa do 2º domingo da Páscoa. Palavra de Deus: Atos dos Apóstolos 5,12-16; Apocalipse 1,9-11a.12-13.17-19; João 20,19-31.

 

             Vimos no domingo de Páscoa que o primeiro sinal da ressurreição de Cristo é o seu túmulo vazio: “Por que estais procurando entre os mortos aquele que está vivo? Ele não está aqui. Ressuscitou!” (Lc 24,5-6). “Ele não está aqui”, sepultado num túmulo. A verdadeira explicação para o fato de o túmulo de Jesus estar vazio não é o roubo do seu corpo, mas a sua ressurreição!

            O sinal do túmulo vazio só pode ser compreendido através de um segundo sinal: as aparições do Ressuscitado aos discípulos. O Evangelho de hoje nos fala de duas dessas aparições: a primeira, na noite do domingo de Páscoa; a segunda, oito dias depois, sendo esta especificamente para fazer uma correção à falta de fé de Tomé que, diante da notícia da primeira aparição, disse: “Se eu não vir a marca dos pregos em suas mãos, se eu não puser o dedo nas marcas dos pregos e não puser a mão no seu lado, não acreditarei” (Jo 20,25).

            Ninguém de nós duvida de que Tomé esteja dentro de si. Quando consideramos a situação atual da humanidade, ferida por guerras e conflitos, pelo descaso e pela indiferença diante da dor alheia, pela banalização da vida, por uma economia de morte que privilegia os interesses do mercado cuja ganância é desmedida, pelo aumento sempre crescente da violência e de diversas doenças que levam à morte, fica mesmo difícil crer na ressurreição.

É verdade que crer na ressurreição de Jesus não muda o mundo à nossa volta, mas muda a nossa maneira de ver o mundo, de entender a vida e de lidar com aquilo que nos acontece. Só a fé no Cristo ressuscitado, vivo e presente junto a cada um de nós, pode nos tirar das mãos do fatalismo, do pessimismo, do desespero e da falta de sentido para a vida, e nos confiar às mãos da esperança que não decepciona, sabendo que não estamos jogados neste mundo às mãos do acaso, mas fomos confiados por Jesus às mãos do Pai; Ele nos guia e nos sustenta no caminho da vida, destinando cada um de nós a ressuscitar junto com seu Filho Jesus. 

“Se eu não vir, não acreditarei” (Jo 20,25). O Tomé que nos habita precisa ser levado a sério. A questão não é tanto o fato de crermos que Cristo ressuscitou, mas de cremos que a sua ressurreição tenha tornado o nosso mundo melhor. O problema são as feridas que continuam a ser abertas na humanidade e na vida de cada um de nós. Nos parece inconciliável celebrar a ressurreição de Cristo tendo em nós tantas feridas abertas. Mas o Evangelho de hoje centra a nossa atenção exatamente nas feridas de Jesus! Ele ressuscitou. Seu corpo, antes crucificado, está agora glorificado. No entanto, seu novo corpo glorificado ainda carrega em si as feridas da sua crucificação!

Talvez aqui esteja o nosso grande engano: achar que uma vida ressuscitada é uma vida blindada contra feridas. Para nos ajudar a rever essa compreensão errada a respeito da nossa fé, precisamos refletir sobre essas palavras do Pe. Tomás Halík: “Dizem que o próprio Satanás apareceu a São Martinho sob a aparência de Cristo. No entanto, o santo não foi enganado. Ele perguntou: ‘Onde estão as tuas feridas?’ Não acredito em ‘fé sem feridas’, em uma igreja sem feridas, em um Deus sem feridas. Somente o Deus ferido através de nossa fé ferida poderia curar o nosso mundo ferido”. Um Cristo ressuscitado sem feridas é um falso cristo. Se o seu corpo glorioso mantém em si as feridas da cruz é para nos lembrar de que a nossa ressurreição nascerá exatamente das nossas lutas, nas quais nos ferimos para gerar vida e esperança em nosso mundo. 

Jesus fez questão de ter uma conversa pessoal com Tomé e corrigir sua falta de fé: “Põe o teu dedo aqui e olha as minhas mãos. Estende a tua mão e coloca-a no meu lado. E não sejas incrédulo, mas fiel... Acreditaste, porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” (Jo 20,27.29). Nós consideramos os discípulos de Jesus felizes pelo fato de o terem visto ressuscitado? Jesus afirma que muito mais felizes serão aqueles que terão fé nele sem o terem visto ressuscitado, mas crendo a partir do testemunho dos apóstolos! Nossa fé não tem como ser alimentada por uma visão especial de Jesus ou por um toque sensível nele ou dele em nós. O que a alimenta é a pregação dos apóstolos a respeito do Senhor ressuscitado (cf. Rm 10,17), além do fato de o próprio Ressuscitado partir o pão para nós em cada Eucaristia (cf. Lc 24,30-31). Ali, então, podemos proclamar: “Creio em ti, Ressuscitado, mais que São Tomé, mas aumenta na minh’alma o poder da fé. Guarda a minha esperança; cresce o meu amor! Creio em ti, Ressuscitado, meu Deus e Senhor!”.

Assim como a vida não é algo fixo, estático e previsível, assim acontece também com a nossa fé. Ela passa por altos e baixos, além de ser fortemente questionada pelo mundo atual e por situações novas que a vida nos traz. Nossa fé não pode ser uma plantinha frágil e delicada, que procuramos manter protegida dentro de uma redoma de vidro. Pelo contrário, ela precisa aprender a enfrentar os ventos contrários, de modo que suas raízes se aprofundem no chão da vida e seu tronco se fortaleça, em vista de nos manter em pé diante das dificuldades.

Neste sentido, é muito oportuna esta palavra do Papa Francisco: “Nunca devemos esquecer que uma fé que não nos põe em crise é uma fé em crise; uma fé que não nos faz crescer é uma fé que deve crescer; uma fé que não nos questiona é uma fé sobre a qual nos devemos questionar; uma fé que não nos anima é uma fé que deve ser animada; uma fé que não nos sacode é uma fé que deve ser sacudida” (21/01/22). Que a nossa fé amadureça nos momentos de “tribulação”, de modo a produzir em nós o fruto da “perseverança” em Cristo crucificado e ressuscitado (cf. Ap 1,9).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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