Vigília Pascal. Palavra de Deus: Gn 1,1.26-31; Ex 14,15 – 15,1; Isaías 54,5-14; Ezequiel 36,16-17a.18-28; Romanos 6,3-11; Lucas 24,1-12.
Por
que nesta noite de Páscoa nós recordamos fatos tão antigos, como a história da
criação do ser humano, a história da libertação de Israel do país do Egito e a
promessa da libertação do exílio na Babilônia? Porque, como disse o apóstolo
Paulo, “essas coisas aconteceram com o povo de Israel para servir de exemplo e
foram escritas para a nossa instrução, nós que fomos atingidos pelo fim dos
tempos” (1Cor 10,11).
A
história da criação nos ensina que Deus fez do ser humano a sua obra mais
perfeita. Ele não criou o ser humano com um gênero indefinido, mas os criou
homem e mulher; criou o homem com a sua identidade masculina e a mulher com a
sua identidade feminina. E os criou capazes de fecundidade. E lhes confiou a
tarefa de cuidar (submeter e dominar) do planeta Terra. Para alimentar tanto
aos homens como aos animais, Deus criou as plantas que dão semente, as árvores
que dão fruto e os vegetais. Portanto, não era necessário derramar de sangue um
ser vivo para homens e animais se alimentarem.
Pelo
fato de a humanidade ter se afastado do seu Criador, muitas pessoas se sentem
órfãs neste mundo, sem um Pai; muitos estão fragilizados na sua identidade; por
medo do presente e pelo pessimismo em relação ao futuro, muitos substituíram a
fecundidade pela esterilidade; o cuidado pelo Planeta se perverteu em
consumismo e em desperdício dos recursos naturais, e o sangue se tornou
presente não somente em nossa mesa, mas também na rotina do nosso dia a dia
(agressividade, violência, intolerância).
Uma
vez que a criação precisava ser redimida, resgatada da destruição e da morte, o
Criador se tornou o Redentor da criação. Não abandonando a criação a si mesma, Deus
decidiu intervir e libertar o seu povo, escravo no Egito: “Por que clamas a mim
por socorro? Dize aos filhos de Israel que se ponham em marcha” (Ex 14,15).
Diante das situações difíceis, onde costumamos nos entregar ao desânimo e ao
pessimismo, Deus nos convida a nos colocar em marcha, a iniciar uma travessia,
a deixar para trás o Egito da nossa aflição e caminhar com Ele na direção da
sua promessa. Qual travessia Deus está nos convidando a fazer agora?
Deus
nos convida a fazer a passagem da escravidão para a liberdade, da morte para a
vida. No entanto, todo processo de libertação enfrenta resistência. Toda
libertação envolve luta, esforço, sacrifício. Assim como Israel se deparou com
o Mar Vermelho, nós sempre encontramos obstáculos em nosso caminho. Mas durante
toda a noite o Senhor fez soprar um vento muito forte, e as águas se dividiram.
Naquele dia, o Senhor livrou Israel da mão dos egípcios. Da mesma forma como é
o Senhor quem nos faz sair da escravidão, é Ele quem nos faz atravessar os
obstáculos e prosseguir em nossa caminhada de libertação. Confiando na força do
seu Espírito, simbolizada no vento que abre as águas, nós podemos caminhar na
direção daquilo que antes parecia intransponível, porque é o Senhor quem nos
abre o caminho, é Ele quem nos faz passar!
Passaram-se
alguns séculos, e Israel foi expulso da sua terra e levado para o cativeiro na
Babilônia, por causa da sua infidelidade a Deus. Nessa experiência de exílio,
Israel se sentia como uma mulher abandonada e de alma aflita, o retrato da
humanidade hoje. Mas o profeta Isaías lembrou que Deus é “Esposo” e “Redentor” (cf.
Is 54,5) do seu povo. Ele nos fez uma promessa: “Podem os montes recuar e as
colinas abalar-se, mas minha misericórdia não se apartará de ti. Longe da
opressão, nada terás a temer; serás livre do terror, porque ele não se
aproximará de ti” (Is 54,10). Apesar da nossa infidelidade, Deus permanece fiel
ao Seu amor por nós. Se as rápidas mudanças e os acontecimentos do mundo estão
levando embora todas as nossas certezas e nos jogando na angústia, nosso
coração precisa se firmar na promessa de Deus, de que o seu amor por nós não
mudará.
A
perda da terra e a nova escravidão que Israel vivenciou são um alerta para nós:
aquilo que conquistamos com tanto sacrifício, aquela passagem que foi realizada
com tanta luta e tanto sofrimento, pode ser cancelada por puro capricho nosso,
porque descuidamos de manter nossa fidelidade diária a Deus e nossa obediência
à sua Palavra. Mas porque o nosso Deus é rico em misericórdia, Ele nos promete
uma nova Páscoa, uma nova passagem: “Eu vos tirarei... eu vos reunirei... eu
vos conduzirei... Derramarei sobre vós... Eu vos purificarei... eu vos darei...
eu porei em vós... Arrancarei o coração de pedra, darei um coração de carne...
Porei o meu espírito em vós... Farei...” (cf. Ez 36). A Páscoa só acontece
quando deixamos Deus fazer em nós a passagem, a travessia, a mudança, a
transformação que não podemos fazer por nós mesmos.
Nesta
noite de Páscoa, o apóstolo Paulo afirma que a força da Páscoa de Cristo nos
foi concedida no momento do nosso Batismo. Graças ao Batismo, nós pudemos nos
tornar semelhantes a Jesus Cristo na sua morte, para que um dia nos tornemos
semelhantes a ele na sua ressurreição. Viver como batizados significa viver
como pessoas ressuscitadas, isto é, como pessoas que a cada dia decidem morrer
para o pecado e viver para Deus, a exemplo de seu Filho Jesus. Se queremos
ressuscitar com Cristo para uma vida nova, primeiro é preciso morrer com Ele,
crucificando o nosso pecado. Somente quando aceitamos nos identificar com
Cristo por uma morte semelhante à sua é que podemos nos identificar com Ele por
uma ressurreição semelhante à Sua. Sem a nossa disposição em fazer morrer o
nosso pecado, não podemos experimentar a alegria da ressurreição de Cristo.
Enfim,
nesta noite de Vigília Pascal, a Palavra do Senhor se pronuncia sobre a
passagem mais difícil de todas, aquela que nenhuma pessoa pode fazer por si
mesma: a passagem da morte para a vida. Quando nossas esperanças são sepultadas
e uma pedra é colocada sobre elas, para dizer que ali se encerra a nossa busca,
a nossa luta, a nossa tentativa de passar; quando precisamos admitir que chegou
o fim e é o momento de aceitá-lo, a Palavra do Senhor se pronuncia sobre a nossa
morte, também sobre a morte da nossa fé, para remover a pedra e dizer que não
devemos procurar entre os mortos aquele que está vivo (cf. Lc 24,5-6), da mesma
forma como nunca podemos dar por morta a nossa fé, porque para Deus nenhuma
passagem é impossível.
Sim!
A passagem mais difícil de todas foi aberta por Deus: a pedra, que nos mantinha
a todos fechados em nossos túmulos, aprisionados para sempre na morte, foi
retirada. Dentro do túmulo não há mais uma vida que terminou na morte, um sonho
de que desfez para sempre, uma luz que se apagou definitivamente, um projeto
que não teve como ser concretizado. Dentro do túmulo estão dois homens com
roupas brilhantes – símbolo da ressurreição – dizendo que Jesus de Nazaré, que
foi crucificado, ressuscitou! Se o Evangelho nos coloca diante de um túmulo
vazio é para nos lembrar que crer na ressurreição não significa crer que não
vamos morrer, ou que vamos ser poupados de sofrimento, mas significa crer que
vamos vencer a morte e o sofrimento. O nosso sofrer e a nossa morte não são a
negação da ressurreição, mas o lugar existencial onde experimentaremos a nossa
própria ressurreição (cf. 2Cor 5,2-4).
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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