quinta-feira, 7 de abril de 2022

QUAL ATITUDE TER DIANTE DA CRUZ?

 Missa de Ramos. Palavra de Deus: Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Lucas 23,1-49.

 

            No ano de 63 aC, os romanos impuseram o seu domínio sobre a Palestina. Para impedir qualquer tipo de revolta contra o Império Romano, “criaram” a crucificação. Durante a dominação romana, inúmeros judeus foram crucificados. A crucificação era um espetáculo de horror, que não visava simplesmente matar, mas torturar, fazer sofrer, fazer morrer aos poucos, por agonia, por asfixia. Normalmente, as crucificações eram feitas num lugar em público. “As vítimas permaneciam totalmente nuas, agonizando numa cruz, num lugar visível” (Pagola, Jesus – aproximação histórica, p.465). Todos os que passavam e viam alguém crucificado, tinha que saber o que esperava aqueles que se opusessem à dominação romana.

            Segundo o historiador Flávio Josefo, morrer crucificado era “a morte mais miserável de todas”, “o suplício mais cruel e terrível” (Cícero). “A crucificação não era uma simples execução, mas uma lenta tortura. Não se danificava diretamente nenhum órgão vital ao crucificado, de maneira que sua agonia podia prolongar-se durante longas horas e até dias” (Pagola, Jesus – aproximação histórica, p.464). Depois que os crucificados morriam, seus corpos serviam de alimento para as aves de rapina e para os cães selvagens. Seus ossos eram jogados numa vala comum, para que seus nomes fossem apagados para sempre da história.

            O que Jesus fez para “merecer” esse tipo de morte? Nada. O próprio Pilatos repetiu por quatro vezes: “Não encontro neste homem nenhum crime” (Lc 23,4); “Não encontrei nele nenhum dos crimes de que o acusais” (Lc 23,14); “Ele nada fez para merecer a morte” (Lc 23,15); “Que mal fez este homem? Não encontrei nele nenhum crime que mereça a morte” (Lc 23,22). Pilatos sabia que Jesus era inocente, mas cedeu à pressão do povo: “Toda a multidão se levantou e levou Jesus a Pilatos” (Lc 23,1); “Toda a multidão começou a gritar: ‘Fora com ele! Solta-nos Barrabás!’” (Lc 23,18). “Pilatos falou outra vez à multidão, pois queria libertar Jesus. Mas eles gritavam: ‘Crucifica-o! Crucifica-o!’” (Lc 23,20-21).

            Você age segundo sua consciência ou segundo a pressão das pessoas à sua volta? Quem age segundo sua consciência, normalmente é criticado e fica isolado. Quem cede à pressão e age “segundo a multidão” é “amigo” do povo, é “dos nossos”. Muitas pessoas sacrificam sua consciência porque não querem perder o afeto dos outros, não querem pagar o preço de serem rejeitadas pela “maioria”.

            Contudo, a multidão é sempre “massa de manobra”. Não sabe – e nem se interessa em saber – o que se passa nos bastidores. Tendo preguiça de pensar e sendo sempre manipulada pela emoção, contenta-se com a política do “pão e circo”. Quem ficava por trás da multidão incitando Herodes e Pilatos a condenarem Jesus à morte eram os chefes religiosos da época: “Os sumos sacerdotes e os mestres da Lei estavam presentes e o acusavam com insistência” (Lc 23,10). Jesus foi rejeitado e combatido pelos líderes da sua própria religião, que encontraram na política (Império Romano) o poder que eles não tinham de condenar Jesus à morte. Desse modo, o sangue fica nas mãos de Pilatos e da multidão, enquanto que os líderes religiosos aparentam terem suas mãos limpas.

            Quantos de nós, cristãos, somos simpatizantes de políticos que matam, que cultuam de maneira doentia a morte? Quantos de nós, cristãos, levantam a voz contra o aborto, mas se calam diante das desigualdades sociais e da violência que provocam inúmeras mortes em nosso País? Quantos de nós, que nos julgamos discípulos de Jesus, somos admiradores ou simpatizantes de Barrabás, de homens assassinos?  

            Antes de ser crucificado, Jesus foi flagelado. Ele conheceu a agressão e a violência brutal que hoje são praticadas em nosso País, comandadas a partir de cima, de quem ter poder. Ele perdeu tanto sangue e ficou tão machucado que não tinha forças para carregar a cruz na qual seria crucificado. Foi por isso que, “enquanto levavam Jesus, pegaram um certo Simão, de Cirene, que voltava do campo, e impuseram-lhe a cruz para carregá-la atrás de Jesus” (Lc 23,26). Onde nós estamos, quando pessoas próximas estão passando por sofrimentos intensos? Qual é a nossa disposição em ajudar essas pessoas com suas experiências de cruz? “O Senhor Deus deu-me a língua de um discípulo para que eu saiba reconfortar pela palavra o que está abatido. Cada manhã ele desperta meus ouvidos para que escute como discípulo” (Is 50,4). O que se espera de todo discípulo de Jesus é presença solidária diante da dor do outro.   

            Pessoas que não foram anestesiadas pela atitude do individualismo e da indiferença, ainda são capazes de sentirem compaixão de quem sofre. Mas Jesus fez este alerta às mulheres que choravam por ele: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim! Chorai por vós mesmas e por vossos filhos! (...) Porque, se fazem assim com a árvore verde, o que não farão com a árvore seca?” (Lc 23,28.31). Jesus é a árvore verde, isto é, uma pessoa boa, sem qualquer resquício de maldade. Nós, porém, somos árvores secas, pessoas que estão se permitindo secar no amor, na fé, na esperança, na solidariedade; pessoas que estão se tornando sempre mais pessimistas em relação ao ser humano. Se Jesus não foi poupado de sofrer, por que nós o seríamos, nós que algumas vezes provocamos sofrimentos a nós mesmos e/ou aos outros? 

            No momento em que estava sendo crucificado, Jesus orou pelos seus crucificadores: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!” (Lc 23,34). Certamente nós também crucificamos pessoas por ignorar o valor delas, por achar que estamos certos, por nos deixarmos mover pela voz da “multidão” e não por nossa consciência. Também nós precisamos que o Pai nos perdoe por tantos erros cometidos devido à nossa ignorância.   

            Assim como os dois malfeitores, nós também estamos crucificados com Jesus, uma vez que estamos tendo que lidar com nossa própria cruz. E aqui entra uma questão importante: se nem sempre escolhemos qual cruz entrará em nossa vida, sempre podemos escolher como queremos lidar com ela. Um dos malfeitores escolheu revoltar-se e exigir de Jesus uma intervenção divina, que cancelasse sua cruz (cf. Lc 24,39). O outro foi mais humilde e sincero: reconheceu que a sua cruz era consequência de suas atitudes erradas. Quantos de nós precisam passar da atitude do vitimismo para a atitude de responsabilizar-se por suas escolhas e decisões?

            Eis a oração de um condenado que ganhou a absolvição nos últimos instantes da sua vida: “Jesus, lembra-te de mim quando entrares no teu reinado” (Lc 23,42), ao que Jesus lhe respondeu: “Em verdade eu te digo, ainda hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). Pior do que sermos condenados pelos outros, é quando condenamos a nós mesmos; é quando deixamos de ter esperança; é quando decidimos morrer muito antes da hora; é quando nos entregamos ao derrotismo e ao pessimismo. “Não existe mais condenação para aqueles que estão em Jesus Cristo” (Rm 8,1). É importante que todos os condenados do nosso tempo se reconheçam salvos em Jesus Cristo, cujo sangue redentor nos livrou de toda condenação diante de Deus.

            Ouçamos as últimas palavras de Jesus na cruz: “Jesus deu um forte grito: ‘Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito’. Dizendo isso, expirou” (Lc 23,46). A questão não é saber quando ou como vamos morrer, mas se vamos morrer com fé, numa entrega confiante às mãos do Pai. Ainda que Jesus tenha sido abandonado por todos, não o foi pelo Pai. É ao Pai que ele se entrega, não à morte. Muitos decidiram se entregar às mãos do desespero, do desencanto e da falta de sentido para a vida. Jesus nos ensina a nos entregar às mãos do Pai, mãos que curam as feridas, que restabelecem o direito e a justiça na terra, mãos que nos retiram da morte e nos levam para a Vida, mãos que nos teceram no seio materno, que nos acompanharam em todos os caminhos da nossa história, que recolheram nossas lágrimas e que agora nos recebem no Paraíso.

 

Venho a ti e sei que não estou mais sozinho. Muitas vozes se elevam para o céu. Venho a ti com aqueles irmãos verdadeiros que comigo dão a ti seus corações. E Tu, que és o Amor, escuta cada prece de dor, de amor. E Tu, que és a paz, dá-nos a esperança em cada momento, Senhor, e abre o Paraíso a nós.

Venho a ti (Gen Rosso).

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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