Missa de Ramos. Palavra de Deus: Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Lucas 23,1-49.
No ano de 63 aC, os romanos
impuseram o seu domínio sobre a Palestina. Para impedir qualquer tipo de
revolta contra o Império Romano, “criaram” a crucificação. Durante a dominação
romana, inúmeros judeus foram crucificados. A crucificação era um espetáculo de
horror, que não visava simplesmente matar, mas torturar, fazer sofrer, fazer
morrer aos poucos, por agonia, por asfixia. Normalmente, as crucificações eram
feitas num lugar em público. “As vítimas permaneciam totalmente nuas, agonizando
numa cruz, num lugar visível” (Pagola, Jesus – aproximação histórica,
p.465). Todos os que passavam e viam alguém crucificado, tinha que saber o que
esperava aqueles que se opusessem à dominação romana.
Segundo o historiador Flávio Josefo,
morrer crucificado era “a morte mais miserável de todas”, “o suplício mais
cruel e terrível” (Cícero). “A crucificação não era uma simples execução, mas
uma lenta tortura. Não se danificava diretamente nenhum órgão vital ao
crucificado, de maneira que sua agonia podia prolongar-se durante longas horas
e até dias” (Pagola, Jesus – aproximação histórica, p.464). Depois que
os crucificados morriam, seus corpos serviam de alimento para as aves de rapina
e para os cães selvagens. Seus ossos eram jogados numa vala comum, para que
seus nomes fossem apagados para sempre da história.
O que Jesus fez para “merecer” esse
tipo de morte? Nada. O próprio Pilatos repetiu por quatro vezes: “Não encontro
neste homem nenhum crime” (Lc 23,4); “Não encontrei nele nenhum dos crimes de
que o acusais” (Lc 23,14); “Ele nada fez para merecer a morte” (Lc 23,15); “Que
mal fez este homem? Não encontrei nele nenhum crime que mereça a morte” (Lc
23,22). Pilatos sabia que Jesus era inocente, mas cedeu à pressão do povo: “Toda
a multidão se levantou e levou Jesus a Pilatos” (Lc 23,1); “Toda a multidão
começou a gritar: ‘Fora com ele! Solta-nos Barrabás!’” (Lc 23,18). “Pilatos
falou outra vez à multidão, pois queria libertar Jesus. Mas eles gritavam:
‘Crucifica-o! Crucifica-o!’” (Lc 23,20-21).
Você age segundo sua consciência ou
segundo a pressão das pessoas à sua volta? Quem age segundo sua consciência,
normalmente é criticado e fica isolado. Quem cede à pressão e age “segundo a
multidão” é “amigo” do povo, é “dos nossos”. Muitas pessoas sacrificam sua
consciência porque não querem perder o afeto dos outros, não querem pagar o
preço de serem rejeitadas pela “maioria”.
Contudo, a multidão é sempre “massa
de manobra”. Não sabe – e nem se interessa em saber – o que se passa nos
bastidores. Tendo preguiça de pensar e sendo sempre manipulada pela emoção,
contenta-se com a política do “pão e circo”. Quem ficava por trás da multidão
incitando Herodes e Pilatos a condenarem Jesus à morte eram os chefes
religiosos da época: “Os sumos sacerdotes e os mestres da Lei estavam presentes
e o acusavam com insistência” (Lc 23,10). Jesus foi rejeitado e combatido pelos
líderes da sua própria religião, que encontraram na política (Império Romano) o
poder que eles não tinham de condenar Jesus à morte. Desse modo, o sangue fica
nas mãos de Pilatos e da multidão, enquanto que os líderes religiosos aparentam
terem suas mãos limpas.
Quantos de nós, cristãos, somos
simpatizantes de políticos que matam, que cultuam de maneira doentia a morte? Quantos
de nós, cristãos, levantam a voz contra o aborto, mas se calam diante das
desigualdades sociais e da violência que provocam inúmeras mortes em nosso
País? Quantos de nós, que nos julgamos discípulos de Jesus, somos admiradores
ou simpatizantes de Barrabás, de homens assassinos?
Antes de ser crucificado, Jesus foi
flagelado. Ele conheceu a agressão e a violência brutal que hoje são praticadas
em nosso País, comandadas a partir de cima, de quem ter poder. Ele perdeu tanto
sangue e ficou tão machucado que não tinha forças para carregar a cruz na qual
seria crucificado. Foi por isso que, “enquanto levavam Jesus, pegaram um certo
Simão, de Cirene, que voltava do campo, e impuseram-lhe a cruz para carregá-la
atrás de Jesus” (Lc 23,26). Onde nós estamos, quando pessoas próximas estão
passando por sofrimentos intensos? Qual é a nossa disposição em ajudar essas
pessoas com suas experiências de cruz? “O Senhor Deus deu-me a língua de um
discípulo para que eu saiba reconfortar pela palavra o que está abatido. Cada
manhã ele desperta meus ouvidos para que escute como discípulo” (Is 50,4). O
que se espera de todo discípulo de Jesus é presença solidária diante da dor do
outro.
Pessoas que não foram anestesiadas
pela atitude do individualismo e da indiferença, ainda são capazes de sentirem
compaixão de quem sofre. Mas Jesus fez este alerta às mulheres que choravam por
ele: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim! Chorai por vós mesmas e por
vossos filhos! (...) Porque, se fazem assim com a árvore verde, o que não farão
com a árvore seca?” (Lc 23,28.31). Jesus é a árvore verde, isto é, uma pessoa
boa, sem qualquer resquício de maldade. Nós, porém, somos árvores secas,
pessoas que estão se permitindo secar no amor, na fé, na esperança, na
solidariedade; pessoas que estão se tornando sempre mais pessimistas em relação
ao ser humano. Se Jesus não foi poupado de sofrer, por que nós o seríamos, nós
que algumas vezes provocamos sofrimentos a nós mesmos e/ou aos outros?
No momento em que estava sendo
crucificado, Jesus orou pelos seus crucificadores: “Pai, perdoa-lhes! Eles não
sabem o que fazem!” (Lc 23,34). Certamente nós também crucificamos pessoas por
ignorar o valor delas, por achar que estamos certos, por nos deixarmos mover
pela voz da “multidão” e não por nossa consciência. Também nós precisamos que o
Pai nos perdoe por tantos erros cometidos devido à nossa ignorância.
Assim como os dois malfeitores, nós
também estamos crucificados com Jesus, uma vez que estamos tendo que lidar com
nossa própria cruz. E aqui entra uma questão importante: se nem sempre
escolhemos qual cruz entrará em nossa vida, sempre podemos escolher como
queremos lidar com ela. Um dos malfeitores escolheu revoltar-se e exigir de
Jesus uma intervenção divina, que cancelasse sua cruz (cf. Lc 24,39). O outro
foi mais humilde e sincero: reconheceu que a sua cruz era consequência de suas
atitudes erradas. Quantos de nós precisam passar da atitude do vitimismo para a
atitude de responsabilizar-se por suas escolhas e decisões?
Eis a oração de um condenado que
ganhou a absolvição nos últimos instantes da sua vida: “Jesus, lembra-te de mim
quando entrares no teu reinado” (Lc 23,42), ao que Jesus lhe respondeu: “Em
verdade eu te digo, ainda hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43). Pior do
que sermos condenados pelos outros, é quando condenamos a nós mesmos; é quando
deixamos de ter esperança; é quando decidimos morrer muito antes da hora; é
quando nos entregamos ao derrotismo e ao pessimismo. “Não existe mais
condenação para aqueles que estão em Jesus Cristo” (Rm 8,1). É importante que
todos os condenados do nosso tempo se reconheçam salvos em Jesus Cristo, cujo
sangue redentor nos livrou de toda condenação diante de Deus.
Ouçamos as últimas palavras de Jesus
na cruz: “Jesus deu um forte grito: ‘Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito’.
Dizendo isso, expirou” (Lc 23,46). A questão não é saber quando ou como vamos
morrer, mas se vamos morrer com fé, numa entrega confiante às mãos do Pai.
Ainda que Jesus tenha sido abandonado por todos, não o foi pelo Pai. É ao Pai
que ele se entrega, não à morte. Muitos decidiram se entregar às mãos do
desespero, do desencanto e da falta de sentido para a vida. Jesus nos ensina a
nos entregar às mãos do Pai, mãos que curam as feridas, que restabelecem o
direito e a justiça na terra, mãos que nos retiram da morte e nos levam para a
Vida, mãos que nos teceram no seio materno, que nos acompanharam em todos os
caminhos da nossa história, que recolheram nossas lágrimas e que agora nos
recebem no Paraíso.
Venho a ti e sei que não
estou mais sozinho. Muitas vozes se elevam para o céu. Venho a ti com aqueles
irmãos verdadeiros que comigo dão a ti seus corações. E Tu, que és o Amor,
escuta cada prece de dor, de amor. E Tu, que és a paz, dá-nos a esperança em
cada momento, Senhor, e abre o Paraíso a nós.
Venho a ti (Gen Rosso).
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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