Missa da Ceia do Senhor. Palavra de Deus: Êxodo 12,1-8.11-14; 1Coríntios 11,23-26; João 13,1-15.
Nesta noite começamos a celebração
da Páscoa. Ela se inicia com a memória da entrega de Jesus, entrega que, antes
de se dar na cruz, deu-se numa Ceia: “Na noite em que foi entregue, o Senhor
Jesus tomou o pão... ‘Isto é o meu corpo, que é dado por vós’... Depois da
ceia, tomou também o cálice e disse: ‘Este cálice é a nova aliança, em meu
sangue’” (1Cor 11,23.24.25). De fato, Jesus havia afirmado: “Ninguém tira a
minha vida. Eu a dou livremente” (Jo 10,18). Jesus celebra a última Ceia com
seus discípulos “entregando-se livremente” porque escolheu viver sua vida a
partir de uma pergunta: “O que eu tenho a oferecer à vida”, diferente de muitos
hoje em dia, que vivem a partir de uma outra pergunta: “O que a vida tem a me
oferecer?”
“Entrega” tem a ver com “sacrifício”,
e sacrifício tem a ver com amor: “Tendo amado os seus que estavam no mundo,
amou-os até o fim” (Jo 13,1). Essas palavras resumem a vida de Jesus: amou até
o fim. Numa época em que se ama até se decepcionar, até se cansar, até encontrar
algo diferente e mais atrativo, Jesus se coloca como modelo de pessoa que ama: “Dei-vos
o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,15). Quando desistimos
de amar até o fim, a “praga exterminadora” entra em nossa vida e começa a destruir
tudo.
O texto do Êxodo nos convida a fazer
memória da primeira páscoa, quando cordeiros foram sacrificados para proteger
as famílias dos hebreus por meio do seu sangue, passado nas portas das casas: “Então
toda a comunidade de Israel reunida o imolará ao cair da tarde. Tomareis um
pouco do seu sangue e untareis os marcos e a travessa da porta... O sangue
servirá de sinal nas casas onde estiverdes. Ao ver o sangue, passarei adiante,
e não vos atingirá a praga exterminadora (Ex 12,6-7.13). Na primeira páscoa da
história da humanidade, o Senhor Deus permitiu que uma praga exterminadora
passasse pela terra do Egito, ferindo de morte todo primeiro filho de cada
família. No entanto, essa praga “pulou” as casas dos hebreus, protegidas pelo
sangue dos cordeiros sacrificados.
Hoje nossa fé é desafiada a crer no
mesmo Deus de Israel, o Deus que permite que a praga exterminadora do câncer
entre na casa de pais cristãos, ferindo de morte seu filho único; o Deus que
permitiu que a praga exterminadora da Covid 19 ferisse de morte tantos familiares,
amigos e conhecidos nossos. É fácil crer em Deus quando Ele faz o mal “pular” a
nossa casa. Mas como é difícil crer no Seu amor por nós quando nossa casa não é
poupada da dor, da morte, de algum tipo de destruição! Aqui nós precisaríamos
nos lembrar das palavras do Salmo 115,10: “Guardei a minha fé mesmo dizendo: ‘É
demais o sofrimento em minha vida!’”.
As famílias dos hebreus foram
poupadas da praga exterminadora do Egito, mas nem sempre nós seremos poupados
de sofrer. O mesmo Deus que poupou o filho de Abraão do sacrifício não poupou
seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós: “Como não haverá de nos
agraciar em tudo junto com ele?”, pergunta o apóstolo Paulo (Rm 8,32). O
sacrifício dos cordeiros em favor das famílias dos hebreus nos pergunta se nós
estamos dispostos a nos sacrificar pelo bem daqueles que amamos. O sangue dos
cordeiros nas portas das casas nos pergunta se nós estamos nos esforçando em
amar até o fim, como Jesus amou.
Voltemos
à Ceia de Jesus. O Corpo que Jesus entregou e o sangue que ele derramou na cruz
foram antecipadamente entregues aos discípulos com uma recomendação: “Fazei
isto em memória de mim” (1Cor 11,24.25). “Memória”, no sentido bíblico, significa
“atualização”. Através do seu Corpo e Sangue doados a nós no altar da Igreja,
Jesus atualiza a sua presença junto a nós. Seu sacrifício na cruz foi oferecido
uma única vez, mas “todas as vezes... que comerdes deste pão e beberdes deste
cálice, estareis proclamando a morte do Senhor, até que ele venha” (1Cor
11,26). Todas as vezes que comungamos o Corpo e o Sangue do Senhor, estamos
proclamando que Jesus nos amou e se entregou por nós; que Ele está presente em
nosso meio, vivo, ressuscitado, e que “Ele virá uma segunda vez... para aqueles
que o esperam, para lhes dar a salvação” (Hb 9,28).
A
última Ceia foi um momento muito esperado e desejado por Jesus, mas também um
momento muito difícil para Ele. Ali Ele revelou a traição de Judas e a negação
de Pedro. Ali Ele deixou os discípulos conscientes de que todos eles fugiriam
na hora da cruz e o deixariam só, “mas eu não estou só, porque o Pai está
comigo” (Jo 16,32). Ali Jesus nos deixou conscientes dessa verdade: “No mundo
tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo” (Jo 16,33). Comungar o
Corpo e o Sangue do Senhor não significa sermos poupados de tribulações, mas
revestidos de coragem para enfrentá-las, sem deixarmos de crer, amar e esperar até
o fim!
Foi
exatamente na última Ceia que Jesus disse aos seus discípulos: “Eu estou no
meio de vós como aquele que serve” (Lc 22,27). Ele expressou o seu serviço
lavando-lhes os pés! Esse tipo de serviço só era praticado por escravos, na
época de Jesus. Propositalmente, Jesus quis se recordado por seus discípulos como
escravo, como “aquele que serve”. Como identificar uma pessoa que comunga? Pelo
serviço que ela realiza em favor dos outros. Como identificar um discípulo de
Jesus? “Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os
pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz”
(Jo 13,14-15). Hoje, cada um de nós deve ser perguntar: De quem eu sou
chamado(a) a lavar os pés? Qual situação específica está me desafiando a crer, esperar
e amar até o fim?
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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