terça-feira, 12 de abril de 2022

O SENTIDO DA "ENTREGA": O QUE EU TENHO A OFERECER À VIDA?

 Missa da Ceia do Senhor. Palavra de Deus: Êxodo 12,1-8.11-14; 1Coríntios 11,23-26; João 13,1-15.

 

            Nesta noite começamos a celebração da Páscoa. Ela se inicia com a memória da entrega de Jesus, entrega que, antes de se dar na cruz, deu-se numa Ceia: “Na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão... ‘Isto é o meu corpo, que é dado por vós’... Depois da ceia, tomou também o cálice e disse: ‘Este cálice é a nova aliança, em meu sangue’” (1Cor 11,23.24.25). De fato, Jesus havia afirmado: “Ninguém tira a minha vida. Eu a dou livremente” (Jo 10,18). Jesus celebra a última Ceia com seus discípulos “entregando-se livremente” porque escolheu viver sua vida a partir de uma pergunta: “O que eu tenho a oferecer à vida”, diferente de muitos hoje em dia, que vivem a partir de uma outra pergunta: “O que a vida tem a me oferecer?”

            “Entrega” tem a ver com “sacrifício”, e sacrifício tem a ver com amor: “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). Essas palavras resumem a vida de Jesus: amou até o fim. Numa época em que se ama até se decepcionar, até se cansar, até encontrar algo diferente e mais atrativo, Jesus se coloca como modelo de pessoa que ama: “Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,15). Quando desistimos de amar até o fim, a “praga exterminadora” entra em nossa vida e começa a destruir tudo.

            O texto do Êxodo nos convida a fazer memória da primeira páscoa, quando cordeiros foram sacrificados para proteger as famílias dos hebreus por meio do seu sangue, passado nas portas das casas: “Então toda a comunidade de Israel reunida o imolará ao cair da tarde. Tomareis um pouco do seu sangue e untareis os marcos e a travessa da porta... O sangue servirá de sinal nas casas onde estiverdes. Ao ver o sangue, passarei adiante, e não vos atingirá a praga exterminadora (Ex 12,6-7.13). Na primeira páscoa da história da humanidade, o Senhor Deus permitiu que uma praga exterminadora passasse pela terra do Egito, ferindo de morte todo primeiro filho de cada família. No entanto, essa praga “pulou” as casas dos hebreus, protegidas pelo sangue dos cordeiros sacrificados.

            Hoje nossa fé é desafiada a crer no mesmo Deus de Israel, o Deus que permite que a praga exterminadora do câncer entre na casa de pais cristãos, ferindo de morte seu filho único; o Deus que permitiu que a praga exterminadora da Covid 19 ferisse de morte tantos familiares, amigos e conhecidos nossos. É fácil crer em Deus quando Ele faz o mal “pular” a nossa casa. Mas como é difícil crer no Seu amor por nós quando nossa casa não é poupada da dor, da morte, de algum tipo de destruição! Aqui nós precisaríamos nos lembrar das palavras do Salmo 115,10: “Guardei a minha fé mesmo dizendo: ‘É demais o sofrimento em minha vida!’”.

            As famílias dos hebreus foram poupadas da praga exterminadora do Egito, mas nem sempre nós seremos poupados de sofrer. O mesmo Deus que poupou o filho de Abraão do sacrifício não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós: “Como não haverá de nos agraciar em tudo junto com ele?”, pergunta o apóstolo Paulo (Rm 8,32). O sacrifício dos cordeiros em favor das famílias dos hebreus nos pergunta se nós estamos dispostos a nos sacrificar pelo bem daqueles que amamos. O sangue dos cordeiros nas portas das casas nos pergunta se nós estamos nos esforçando em amar até o fim, como Jesus amou.

Voltemos à Ceia de Jesus. O Corpo que Jesus entregou e o sangue que ele derramou na cruz foram antecipadamente entregues aos discípulos com uma recomendação: “Fazei isto em memória de mim” (1Cor 11,24.25). “Memória”, no sentido bíblico, significa “atualização”. Através do seu Corpo e Sangue doados a nós no altar da Igreja, Jesus atualiza a sua presença junto a nós. Seu sacrifício na cruz foi oferecido uma única vez, mas “todas as vezes... que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, estareis proclamando a morte do Senhor, até que ele venha” (1Cor 11,26). Todas as vezes que comungamos o Corpo e o Sangue do Senhor, estamos proclamando que Jesus nos amou e se entregou por nós; que Ele está presente em nosso meio, vivo, ressuscitado, e que “Ele virá uma segunda vez... para aqueles que o esperam, para lhes dar a salvação” (Hb 9,28).

A última Ceia foi um momento muito esperado e desejado por Jesus, mas também um momento muito difícil para Ele. Ali Ele revelou a traição de Judas e a negação de Pedro. Ali Ele deixou os discípulos conscientes de que todos eles fugiriam na hora da cruz e o deixariam só, “mas eu não estou só, porque o Pai está comigo” (Jo 16,32). Ali Jesus nos deixou conscientes dessa verdade: “No mundo tereis tribulações, mas tende coragem: eu venci o mundo” (Jo 16,33). Comungar o Corpo e o Sangue do Senhor não significa sermos poupados de tribulações, mas revestidos de coragem para enfrentá-las, sem deixarmos de crer, amar e esperar até o fim!

Foi exatamente na última Ceia que Jesus disse aos seus discípulos: “Eu estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22,27). Ele expressou o seu serviço lavando-lhes os pés! Esse tipo de serviço só era praticado por escravos, na época de Jesus. Propositalmente, Jesus quis se recordado por seus discípulos como escravo, como “aquele que serve”. Como identificar uma pessoa que comunga? Pelo serviço que ela realiza em favor dos outros. Como identificar um discípulo de Jesus? “Se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz” (Jo 13,14-15). Hoje, cada um de nós deve ser perguntar: De quem eu sou chamado(a) a lavar os pés? Qual situação específica está me desafiando a crer, esperar e amar até o fim?

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi  

Nenhum comentário:

Postar um comentário