Missa do 2. dom. do advento. Palavra de Deus: Baruc 5,1-9; Filipenses 1,4-6.8-11; Lucas 3,1-6.
Viver
significa percorrer um caminho ou uma estrada. Se nós pudéssemos escolher como
seria o caminho ou a estrada da nossa vida, certamente desejaríamos que fosse
uma estrada pavimentada, pista dupla, sem pedágios, sem buracos e sem trechos
acidentados. Mas nem sempre a vida é isso: um caminho asfaltado, pista dupla,
livre de qualquer obstáculo. Fazem parte de todo caminho de vida trechos
esburacados ou de terra, trechos de mão única, com curvas, subidas e
descidas...
Da
mesma forma como o ser humano percorre um caminho em busca de Deus, de sentido,
de felicidade, de realização, Deus Pai, na pessoa de Seu Filho Jesus, escolheu
descer e percorrer um caminho terreno, até chegar ao coração de cada ser
humano, a quem Ele deseja salvar. A questão é saber se o caminho que
possibilita que Deus chegue até cada um de nós está livre ou obstruído. É
possível que exista muito entulho na estrada da nossa vida, impedindo Deus de
chegar a nós. “Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes” (1Pd
5,5). O entulho é símbolo da soberba e da autossuficiência humana. Em um copo
cheio não é possível colocar mais nada. No coração de uma pessoa cheia de si
não cabe Deus.
A
imagem do entulho, do lixo acumulado na estrada nos lembra também dos
ressentimentos, das mágoas, das situações não enfrentadas e não resolvidas. Deus
não tem como ter acesso ao coração das pessoas que ao longo da vida acumularam
mágoa ou raiva d’Ele, justamente por Ele ter permitido que uma perda, uma
catástrofe, uma dor entrassem na vida dessas pessoas. Por isso, a única forma
dessas pessoas se deixarem encontrar por Deus é reconhecendo e enfrentando a
raiva que elas têm d’Ele.
Mas,
além dos entulhos, existem também os buracos, os vales, os abismos que impedem
a passagem pelo caminho, pela estrada. “Não, a mão do Senhor não é muito curta
para salvar, nem seu ouvido tão duro que não possa ouvir. Antes, foram os
vossos pecados que criaram um abismo entre vós e vosso Deus” (Is 59,1-2).
Portanto, quando sentimos Deus muito distante de nós, precisamos nos perguntar
se há algo que precisa ser colocado em ordem na nossa vida; se o caminho está
de fato desobstruído para que Deus possa ter acesso a nós. Reconhecer as
atitudes que são contrárias ao que Deus nos ensina na sua Palavra e nos dispor
a corrigi-las é fundamental para experimentarmos a presença salvadora de Deus
em nossa vida.
Olhamos
para os entulhos e para os buracos da estrada da nossa vida a partir de dentro,
do nosso estado emocional ou espiritual. É importante também considerá-los a
partir de fora, da dimensão comunitária e social. Quantas coisas em nossa vida
moderna servem para nos manter distantes das pessoas, do nosso próximo,
daqueles que necessitam de nós? Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, o
Deus que Se revela a nós na Sagrada Escritura deixa claro que o encontro com
Ele passa pelo encontro com o nosso próximo. Desviar-nos do próximo ou
ignorá-lo jamais nos fará encontrar Deus. Jesus, na sua cruz, não derrubou
apenas o muro de inimizade que separava a humanidade de Deus, mas derrubou
também o muro de inimizade que separava os homens entre si. Se não consideramos
isso, a celebração do Natal perde seu sentido. Exatamente por isso, Paulo nos ensinou
a esperar pela segunda vinda de Cristo desse modo: “Que o vosso amor cresça
sempre mais... e assim ficareis puros e sem defeito para o dia de Cristo” (Fl
1,7-8).
Além
da imagem do caminho, da estrada, que são centrais na liturgia deste segundo
domingo do advento, temos outras duas imagens: a da voz e a do deserto. Deus
vem a nós por meio da voz, da sua Palavra que ecoa no deserto da nossa
consciência, na solidão do nosso coração: “A palavra de Deus foi dirigida a
João, o filho de Zacarias, no deserto” (Lc 3,2). O nosso encontro com Deus não
se dá no barulho da cidade, mas no silêncio do deserto. Nós não encontramos
Deus perdidos nas coisas supérfluas, mas quando nos voltamos para o essencial.
Não existe lugar melhor para encontrar Deus que o deserto, o lugar da verdade,
do essencial, da simplicidade, afastados da mentira da nossa superioridade e da
nossa vaidade.
Jesus
é a palavra que se fez carne – pessoa humana. Se quisermos nos encontrar com
Ele – se quisermos nos deixar encontrar por Ele –, precisamos nos lembrar de
que Deus escolheu dirigir sua Palavra não a um político importante da capital
do Império Romano, nem a um sacerdote importante do Templo de Jerusalém, mas a
um homem no deserto: João Batista. Sempre que nos afastamos das periferias
existenciais do nosso tempo, nos afastamos da voz de Deus. Não nos esqueçamos
de que o desejo de Deus é salvar todas as pessoas, começando daquelas que mais
necessitam, aquelas que estão no luto e na aflição, as que estão sofrendo
debaixo de injustiças, aquelas que estão soterradas debaixo dos entulhos do
individualismo moderno, aquelas que estão jogadas no fundo dos vales pela
economia excludente.
Somente
quando todo vale for aterrado e toda montanha for rebaixada, ou seja, somente
quando nossa fé cristã se traduzir em conversão pessoal e social, atingindo as
estruturas injustas à nossa volta, é que “todas as pessoas verão a salvação de
Deus'” (Lc 3,6). Iniciemos esta segunda semana do advento com esta palavra
confortadora do apóstolo Paulo: “Tenho a certeza de que aquele que começou em
vós uma boa obra, há de levá-la à perfeição até ao dia de Cristo Jesus” (Fl
1,6).
Oração:
Senhor Jesus, tu vens ao meu encontro para me dar a salvação. Quero desobstruir
o caminho, removendo dele o entulho do meu orgulho, da minha arrogância e do
meu ressentimento. Quero também tapar os buracos abertos pelos meus pecados,
para que tu possas ter pleno acesso ao meu coração. Torna minha consciência
capaz de identificar a tua voz e deixar-se guiar pela verdade. Encoraja-me a me
fazer presente nas periferias deste mundo, onde se encontram as pessoas mais
feridas e mais necessitadas da tua salvação. Que a minha presença junto a elas
seja uma presença de fortalecimento, de consolação e de renascimento da
esperança. Amém!
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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