quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

DESOBSTRUIR O CAMINHO

 Missa do 2. dom. do advento. Palavra de Deus: Baruc 5,1-9; Filipenses 1,4-6.8-11; Lucas 3,1-6.

 

Viver significa percorrer um caminho ou uma estrada. Se nós pudéssemos escolher como seria o caminho ou a estrada da nossa vida, certamente desejaríamos que fosse uma estrada pavimentada, pista dupla, sem pedágios, sem buracos e sem trechos acidentados. Mas nem sempre a vida é isso: um caminho asfaltado, pista dupla, livre de qualquer obstáculo. Fazem parte de todo caminho de vida trechos esburacados ou de terra, trechos de mão única, com curvas, subidas e descidas...

Da mesma forma como o ser humano percorre um caminho em busca de Deus, de sentido, de felicidade, de realização, Deus Pai, na pessoa de Seu Filho Jesus, escolheu descer e percorrer um caminho terreno, até chegar ao coração de cada ser humano, a quem Ele deseja salvar. A questão é saber se o caminho que possibilita que Deus chegue até cada um de nós está livre ou obstruído. É possível que exista muito entulho na estrada da nossa vida, impedindo Deus de chegar a nós. “Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes” (1Pd 5,5). O entulho é símbolo da soberba e da autossuficiência humana. Em um copo cheio não é possível colocar mais nada. No coração de uma pessoa cheia de si não cabe Deus.

A imagem do entulho, do lixo acumulado na estrada nos lembra também dos ressentimentos, das mágoas, das situações não enfrentadas e não resolvidas. Deus não tem como ter acesso ao coração das pessoas que ao longo da vida acumularam mágoa ou raiva d’Ele, justamente por Ele ter permitido que uma perda, uma catástrofe, uma dor entrassem na vida dessas pessoas. Por isso, a única forma dessas pessoas se deixarem encontrar por Deus é reconhecendo e enfrentando a raiva que elas têm d’Ele.  

Mas, além dos entulhos, existem também os buracos, os vales, os abismos que impedem a passagem pelo caminho, pela estrada. “Não, a mão do Senhor não é muito curta para salvar, nem seu ouvido tão duro que não possa ouvir. Antes, foram os vossos pecados que criaram um abismo entre vós e vosso Deus” (Is 59,1-2). Portanto, quando sentimos Deus muito distante de nós, precisamos nos perguntar se há algo que precisa ser colocado em ordem na nossa vida; se o caminho está de fato desobstruído para que Deus possa ter acesso a nós. Reconhecer as atitudes que são contrárias ao que Deus nos ensina na sua Palavra e nos dispor a corrigi-las é fundamental para experimentarmos a presença salvadora de Deus em nossa vida.

Olhamos para os entulhos e para os buracos da estrada da nossa vida a partir de dentro, do nosso estado emocional ou espiritual. É importante também considerá-los a partir de fora, da dimensão comunitária e social. Quantas coisas em nossa vida moderna servem para nos manter distantes das pessoas, do nosso próximo, daqueles que necessitam de nós? Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, o Deus que Se revela a nós na Sagrada Escritura deixa claro que o encontro com Ele passa pelo encontro com o nosso próximo. Desviar-nos do próximo ou ignorá-lo jamais nos fará encontrar Deus. Jesus, na sua cruz, não derrubou apenas o muro de inimizade que separava a humanidade de Deus, mas derrubou também o muro de inimizade que separava os homens entre si. Se não consideramos isso, a celebração do Natal perde seu sentido. Exatamente por isso, Paulo nos ensinou a esperar pela segunda vinda de Cristo desse modo: “Que o vosso amor cresça sempre mais... e assim ficareis puros e sem defeito para o dia de Cristo” (Fl 1,7-8).

Além da imagem do caminho, da estrada, que são centrais na liturgia deste segundo domingo do advento, temos outras duas imagens: a da voz e a do deserto. Deus vem a nós por meio da voz, da sua Palavra que ecoa no deserto da nossa consciência, na solidão do nosso coração: “A palavra de Deus foi dirigida a João, o filho de Zacarias, no deserto” (Lc 3,2). O nosso encontro com Deus não se dá no barulho da cidade, mas no silêncio do deserto. Nós não encontramos Deus perdidos nas coisas supérfluas, mas quando nos voltamos para o essencial. Não existe lugar melhor para encontrar Deus que o deserto, o lugar da verdade, do essencial, da simplicidade, afastados da mentira da nossa superioridade e da nossa vaidade.  

Jesus é a palavra que se fez carne – pessoa humana. Se quisermos nos encontrar com Ele – se quisermos nos deixar encontrar por Ele –, precisamos nos lembrar de que Deus escolheu dirigir sua Palavra não a um político importante da capital do Império Romano, nem a um sacerdote importante do Templo de Jerusalém, mas a um homem no deserto: João Batista. Sempre que nos afastamos das periferias existenciais do nosso tempo, nos afastamos da voz de Deus. Não nos esqueçamos de que o desejo de Deus é salvar todas as pessoas, começando daquelas que mais necessitam, aquelas que estão no luto e na aflição, as que estão sofrendo debaixo de injustiças, aquelas que estão soterradas debaixo dos entulhos do individualismo moderno, aquelas que estão jogadas no fundo dos vales pela economia excludente.

Somente quando todo vale for aterrado e toda montanha for rebaixada, ou seja, somente quando nossa fé cristã se traduzir em conversão pessoal e social, atingindo as estruturas injustas à nossa volta, é que “todas as pessoas verão a salvação de Deus'” (Lc 3,6). Iniciemos esta segunda semana do advento com esta palavra confortadora do apóstolo Paulo: “Tenho a certeza de que aquele que começou em vós uma boa obra, há de levá-la à perfeição até ao dia de Cristo Jesus” (Fl 1,6).

 

Oração: Senhor Jesus, tu vens ao meu encontro para me dar a salvação. Quero desobstruir o caminho, removendo dele o entulho do meu orgulho, da minha arrogância e do meu ressentimento. Quero também tapar os buracos abertos pelos meus pecados, para que tu possas ter pleno acesso ao meu coração. Torna minha consciência capaz de identificar a tua voz e deixar-se guiar pela verdade. Encoraja-me a me fazer presente nas periferias deste mundo, onde se encontram as pessoas mais feridas e mais necessitadas da tua salvação. Que a minha presença junto a elas seja uma presença de fortalecimento, de consolação e de renascimento da esperança. Amém!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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