quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

VISITA-ME, SENHOR, COM A TUA SALVAÇÃO!

 Missa do 4. dom. advento. Palavra de Deus: Miqueias 5,1-4a; Hebreus 10,5-10; Lucas 1,39-45.

 

       O Evangelho deste último domingo do advento nos fala da “visita” de Maria a Isabel. Nos tempos atuais, as visitas se tornaram escassas, muito raras. Primeiro, porque não temos mais tempo de visitar nossos parentes e amigos. Segundo, porque a própria pandemia nos obrigou a evitar fazer visitas justamente por causa do risco de contaminação do coronavírus. Mas essa “visita” de Maria a Isabel nos oferece a oportunidade de meditar sobre as inúmeras visitas que Deus fez ao seu povo na Sagrada Escritura.

Para falar da cura da esterilidade de Sara, mulher de Abraão, a Escritura diz que “o Senhor visitou Sara, como dissera, e fez por ela como prometera. Sara concebeu e deu à luz um filho...” (Gn 21,1-2). Para anunciar o nascimento de Jesus, nosso Salvador, Zacarias disse: “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e redimiu seu povo... Graças ao misericordioso coração de Deus, o sol nascente nos veio visitar, para iluminar os que se encontram nas trevas e na sombra da morte estão sentados” (Lc 1,68.78-79). Depois que Jesus ressuscitou o filho da viúva de Naim, o povo louvou a Deus reconhecendo: “Deus visitou o seu povo” (Lc 7,16).

Quantas vezes Deus visitou você, sem que você percebesse? Jesus chorou sobre Jerusalém, lamentando o seu fechamento à salvação, com essas palavras: “Você não reconheceu o tempo em que foi visitada!” (Lc 19,44). Essa é a tragédia de algumas pessoas, cidades ou países: não reconhecerem a visita do Deus que pode lhes trazer a paz, que pode salvá-los da destruição que eles mesmos estão provocando em suas vidas. Por que nem sempre reconhecemos o momento em que Deus nos visita? Porque estamos desligados da nossa própria consciência; porque, ainda que sintamos que Deus está falando conosco por meio de uma situação, não paramos para ouvi-Lo, porque temos que continuar em frente, sem nos dar conta de que estamos indo na direção de um abismo.

Nós também precisamos considerar que a visita de Deus é um momento difícil para nós, porque é o momento de nos confrontar com a verdade: “No dia da minha visita, eu punirei o pecado deles” (Ex 32,34). A visita de Deus também significa o fim da injustiça, da impunidade, o acerto de contas do ser humano com a sua consciência, a hora de Deus retribuir a cada um de acordo com a sua conduta. Por isso, muitas pessoas preferem fugir da visita de Deus; preferem adiar o quanto for possível essa visita, o que é lamentável, porque seria a chance de elas se converterem, de mudarem de comportamento e serem salvas.

O salmo que hoje meditamos também menciona a visita de Deus: “Despertai vosso poder, ó nosso Deus, e vinde logo nos trazer a salvação! (...) Visitai a vossa vinha e protegei-a!” (Sl 80,3.15). Ser visitado por Deus significa ser protegido por Ele, ser defendido contra aquele que ameaça com a destruição. Também o salmo 106,4 pede a visita de Deus: “Lembra-te de mim, Senhor, (...) visita-me com a tua salvação”. Quantas pessoas idosas e enfermas estão esquecidas em suas casas? De quantas pessoas não mais nos lembramos? Visitá-las seria devolver-lhes alegria, vida, esperança, conforto...

A visita de Maria fez com que a criança pulasse de alegria no ventre de Isabel e ela ficasse cheia do Espírito Santo (cf. Lc 1,41). Precisamos visitar nossos familiares, pessoas amigas e, sobretudo, pessoas que vivem sozinhas... Visitar significa romper o silêncio, diminuir a distância, derrubar o muro de separação, desfazer o ressentimento, experimentar o milagre da reconciliação. Quando essa visita acontece, algo que parecia estar morto ganha vida dentro de nós, e dentro da pessoa que visitamos!

Uma palavra a respeito do nosso corpo. Ao visitar Isabel, que está grávida há seis meses, Maria também está grávida. No corpo de uma mulher idosa e estéril, assim como no corpo de uma mulher virgem, dois outros corpos estão sendo gerados: o corpo de João Batista e o corpo de Jesus. Uma criança sente a outra: João Batista pula de alegria no ventre de sua mãe, ao sentir a presença de Jesus no ventre de Maria. Como as mulheres grávidas cuidam do seu próprio corpo? O que os filhos que estão sendo gerados sentem? Acolhida ou rejeição? O que eles recebem: alimentação saudável ou tóxica? Cerca de 30% das crianças em idade escolar estão comprometidas em sua capacidade de aprendizado, porque foram geradas em ventres contaminados pelas drogas que a mãe consumiu durante a gravidez.  

A carta aos Hebreus nos traz uma palavra de Jesus dirigida ao Pai: “Tu não quiseste vítima nem oferenda, mas formaste-me um corpo... Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade” (Hb 10,5.7). Jesus sempre viveu sua espiritualidade a partir do seu corpo e da sua sexualidade. Ele nunca aceitou a distorção – tão comum hoje – de que a alma presta, mas o corpo não presta. Deus nos deu um corpo, e esse corpo é chamado a ser integrado em nossa espiritualidade. Para algumas pessoas, é necessário reconciliar-se com o próprio corpo. Para outras, é preciso compreender e dialogar com sua sexualidade, com seus desejos, e dialogar com aquilo que sente, de modo que seja a consciência a dar a direção ao corpo, e não o contrário – o cavaleiro cavalga montado sobre o cavalo, e não o contrário!

Jesus fez algo belíssimo com o seu corpo: transformou-o numa oferenda a Deus! Ele não teve medo de expor o próprio corpo ao sofrimento, à dor, sempre que isso foi necessário para viver segundo a vontade de Deus. Seu corpo, gerado no ventre de Maria, foi ofertado em sacrifício no altar da cruz: “É graças a esta vontade que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas” (Hb 10,10). O corpo de Jesus, assim como o nosso, tinha as suas vontades, os seus desejos, os quais nem sempre coincidiam com a vontade de Deus. Mas Jesus submeteu à vontade de Deus o que o seu corpo sentia. Para isso, é preciso treinar a nossa vontade, torná-la forte, educá-la, de modo que o nosso corpo não nos traia e não nos afaste de Deus.

A hóstia é a “oferenda do corpo de Jesus Cristo” (Hb 10,10). Quando comungamos, nosso corpo entra em comunhão com o corpo crucificado e ressuscitado de Jesus; recebemos em nosso corpo o Corpo que conheceu a dor, a tentação, a fraqueza, a fome, a agressão, a violência, o desprezo do mundo, o Corpo que se sujou com a sujeira da humanidade, o Corpo que lutou para submeter-se à vontade de Deus. Aquele que nos visita tem um Corpo e precisa visitar também o nosso corpo: libertá-lo, curá-lo, ordenar os seus afetos e desejos, torná-lo uma oferenda agradável a Deus...    

 

Oração: “Lembra-te de mim, Senhor, (...) visita-me com a tua salvação” (Sl 106,4). Lembra-te desta pessoa por quem eu oro neste momento, Senhor, ela que se encontra necessitada, numa situação de sofrimento: visita-a com a tua salvação! Lembra-te das famílias, dos que trabalham, dos que estão desempregados, dos doentes, dos idosos solitários em suas casas: visita-os com a tua salvação! Lembra-te dos que estão presos, dos praticam violência e dos que são atingidos por ela, dos que passam fome, dos que estão com seus corpos escravizados pelo vício das drogas: visita-os com a tua salvação! Tu me formaste um corpo. Eu entrego a Ti os meus afetos, os meus desejos, a minha sexualidade. Santifica-me, Senhor. Quero fazer do meu corpo uma oferenda agradável a Ti, sacrificando-me para viver segundo a Tua vontade e também para fazer o bem que for possível a toda pessoa cujo corpo encontra-se atingido por algum sofrimento. Em nome de Jesus, na graça do Espírito Santo. Amém.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

Nenhum comentário:

Postar um comentário