Missa da Sagrada Família. Palavra de Deus: Eclesiástico 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Lc 2,41-52.
O
Natal nos leva a olhar para uma família: a família de Nazaré. Nela vemos o
retrato de inúmeras famílias, atingidas pela pobreza (cf. Lc 2,7), pelo
problema da imigração forçada (cf. Mt 2,14-15), pela ameaça da violência (cf.
Mt 2,16-20) e pelos desencontros (Lc 2,43.45). Esses fatos nos ajudam a
perceber que nenhuma família na face da terra está poupada de enfrentar
problemas, e mesmo as famílias que buscam caminhar em Deus são atingidas por
grandes dificuldades. Na verdade, toda família que quiser viver segundo os valores
do Evangelho vai enfrentar a hostilidade de um mundo pautado cada vez mais em
contravalores.
O
primeiro lugar que o Evangelho precisa atingir, enquanto luz, força, conversão,
cura, restauração e salvação, é, sem dúvida, a família. Não teria sentido nós,
cristãos, sermos “sal da terra” e “luz do mundo” (cf. Mt 5,13.14) na sociedade
humana e não o sermos primeiramente dentro de casa. Portanto, a família de cada
um de nós é um campo de missão. É dentro dela que mais precisamos viver segundo
o Evangelho, assim como também buscar na Palavra de Deus a orientação e a força
para lidarmos com os problemas que atingem a nossa família. Se o Papa Francisco
afirmou que “não podemos pretender ser pessoas saudáveis vivendo num mundo
doente”, isso vale também para a nossa família: nenhuma família pode pretender passar
por este mundo sem enfrentar os males que atingem a humanidade como um todo.
O
Evangelho de hoje nos fala da perda e do reencontro do menino Jesus: “o menino
Jesus ficou em Jerusalém, sem que seus pais o notassem” (Lc 2,43). “Sem que
seus pais o notassem” – com a vida corrida que todos nós levamos, é bem
possível que alguém esteja se perdendo dentro da nossa casa, sem que notemos. Nós
estamos notando, percebendo, nos dando conta de como cada membro da família
está? Será que alguma perda está acontecendo dentro do relacionamento conjugal,
ou em relação aos filhos? Mergulhados como estamos nas redes sociais, seja
devido ao trabalho, seja devido à distração, nós ainda estamos nos percebendo
dentro de casa?
Na
parábola do Pai misericordioso, Jesus deixou claro que aquilo que está perdido
pode ser reencontrado, assim como aquilo que está morto pode voltar a viver
(cf. Lc 15,24.32). Na casa da família de Zaqueu, Jesus afirmou que veio
“procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10). A primeira questão é
tomarmos consciência daquilo que está se perdendo em nossa família. Além disso,
é preciso modificarmos nossas atitudes, de modo a recuperar o que se perdeu e
fazer viver o que morreu, ao invés de nos conformarmos com a “normalidade” da
perda, com a “normalidade” da desestruturação das famílias.
O
distanciamento da nossa Igreja em relação às famílias desestruturadas, feridas
ou destruídas é um escândalo! Ao invés de cuidarmos das 99 famílias em situação
de perda, nós ficamos girando em torno de uma única família que ainda se mantém
em pé, justamente aquela que consideramos uma “família tradicional”. Falta-nos
coragem e criatividade pastoral para nos fazer próximos, como Igreja, junto a
toda família “não tradicional”, porque marcada pela separação, por novas
uniões, e, sobretudo, por graves problemas como abuso sexual, violência
doméstica, desemprego, doenças, endividamento, abandono escolar, ausência de
qualquer referência religiosa etc. Esse imenso campo de missão precisa de todos
nós, cristãos, e não somente dos líderes das nossas comunidades. É necessário
que famílias evangelizem, amparem, curem e salvem famílias.
O
livro do Eclesiástico deixou claro que Deus está onde um cuida do outro, onde
pais cuidam dos filhos e filhos cuidam dos pais. Mas, como cuidar, se estamos
esgotados, ou então fechados em nós mesmos? Uma atenção especial é pedida pelo
Eclesiástico em relação aos idosos. A solidão e a sensação de abandono têm
levado alguns idosos ao suicídio! Esse grito desesperado de ajuda precisa
chegar aos nossos ouvidos. Para cuidarmos uns dos outros de maneira justa e
equilibrada, precisamos nos lembrar de que “por trás de toda pessoa
sobrecarregada, há sempre uma outra pessoa folgada”. A saúde emocional da
família depende de que cada um faça a sua parte para o bom funcionamento da
casa. É por isso que o apóstolo Paulo chama cada membro da família à
responsabilidade: o marido, a esposa, os pais e os filhos (cf. Cl 3,18-21).
Retornando
ao Evangelho de hoje, como foi que o desencontro se transformou em reencontro?
Quando os pais de Jesus voltaram ao Templo: “Três dias depois, o encontraram no
Templo” (Lc 2,46). O tempo de três dias é uma clara referência à morte e à
ressurreição de Jesus, uma forma de o Evangelho nos dizer que aquilo que morreu
pode voltar a viver. Nada está perdido e morto para sempre, quando a família se
deixa conduzir por Deus, obedecendo à sua Palavra. O tempo de três dias também
significa que há um tempo necessário para que a ferida seja curada, o perdão
seja dado, o diálogo seja retomado, a distância seja transformada em
proximidade. As coisas mais importantes da vida em família não são recuperadas
instantaneamente, mas suportando o tempo necessário para que isso aconteça.
Enfim,
consideremos o posicionamento de Jesus diante de seus pais: “Por que me
procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?” (Lc 2,49). Aos doze
anos de idade, Jesus tomou consciência do seu dever, da sua missão, do sentido
da sua vida. Nós somos a geração do “eu quero”, não do “eu devo”. Pessoas
imaturas se movem na vida apenas pelo “eu quero”: só fazem aquilo que querem,
aquilo que lhes dá algum prazer ou lhes proporciona algum benefício. Pessoas
maduras se guiam na vida pelo “eu devo”: não importa se eu estou com vontade ou
não, se vou me beneficiar e ter prazer ou não; minha conduta é guiada pelo meu
dever, pela minha missão. Quando os membros de uma família se movem apenas pelo
“eu quero”, cada um vai numa direção e todos se perdem. Quando, pelo contrário,
se guiam pelo “eu devo”, todos chegarão à meta para a qual foram chamados,
porque se mantiveram fiéis à missão para a qual nasceram.
Oração à Sagrada
Família
(Papa Francisco, Amoris Laetitia).
Jesus, Maria e
José, em Vós contemplamos o esplendor do verdadeiro amor, confiantes, a Vós nos
consagramos. Sagrada Família de Nazaré, tornai também as nossas famílias
lugares de comunhão e cenáculos de oração, autênticas escolas do Evangelho e
pequenas igrejas domésticas. Sagrada Família de Nazaré, que nunca mais haja nas
famílias episódios de violência, de fechamento e divisão; e quem tiver sido
ferido ou escandalizado seja rapidamente consolado e curado. Sagrada Família de
Nazaré, fazei que todos nos tornemos conscientes do caráter sagrado e
inviolável da família, da sua beleza no projeto de Deus. Jesus, Maria e José, ouvi-nos
e acolhei a nossa súplica.
Amém.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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