sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

FAMÍLIA: DO DESENCONTRO PARA O REENCONTRO

 Missa da Sagrada Família. Palavra de Deus: Eclesiástico 3,3-7.14-17a; Cl 3,12-21; Lc 2,41-52.

 

O Natal nos leva a olhar para uma família: a família de Nazaré. Nela vemos o retrato de inúmeras famílias, atingidas pela pobreza (cf. Lc 2,7), pelo problema da imigração forçada (cf. Mt 2,14-15), pela ameaça da violência (cf. Mt 2,16-20) e pelos desencontros (Lc 2,43.45). Esses fatos nos ajudam a perceber que nenhuma família na face da terra está poupada de enfrentar problemas, e mesmo as famílias que buscam caminhar em Deus são atingidas por grandes dificuldades. Na verdade, toda família que quiser viver segundo os valores do Evangelho vai enfrentar a hostilidade de um mundo pautado cada vez mais em contravalores.

O primeiro lugar que o Evangelho precisa atingir, enquanto luz, força, conversão, cura, restauração e salvação, é, sem dúvida, a família. Não teria sentido nós, cristãos, sermos “sal da terra” e “luz do mundo” (cf. Mt 5,13.14) na sociedade humana e não o sermos primeiramente dentro de casa. Portanto, a família de cada um de nós é um campo de missão. É dentro dela que mais precisamos viver segundo o Evangelho, assim como também buscar na Palavra de Deus a orientação e a força para lidarmos com os problemas que atingem a nossa família. Se o Papa Francisco afirmou que “não podemos pretender ser pessoas saudáveis vivendo num mundo doente”, isso vale também para a nossa família: nenhuma família pode pretender passar por este mundo sem enfrentar os males que atingem a humanidade como um todo.

O Evangelho de hoje nos fala da perda e do reencontro do menino Jesus: “o menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que seus pais o notassem” (Lc 2,43). “Sem que seus pais o notassem” – com a vida corrida que todos nós levamos, é bem possível que alguém esteja se perdendo dentro da nossa casa, sem que notemos. Nós estamos notando, percebendo, nos dando conta de como cada membro da família está? Será que alguma perda está acontecendo dentro do relacionamento conjugal, ou em relação aos filhos? Mergulhados como estamos nas redes sociais, seja devido ao trabalho, seja devido à distração, nós ainda estamos nos percebendo dentro de casa?

Na parábola do Pai misericordioso, Jesus deixou claro que aquilo que está perdido pode ser reencontrado, assim como aquilo que está morto pode voltar a viver (cf. Lc 15,24.32). Na casa da família de Zaqueu, Jesus afirmou que veio “procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,10). A primeira questão é tomarmos consciência daquilo que está se perdendo em nossa família. Além disso, é preciso modificarmos nossas atitudes, de modo a recuperar o que se perdeu e fazer viver o que morreu, ao invés de nos conformarmos com a “normalidade” da perda, com a “normalidade” da desestruturação das famílias.

O distanciamento da nossa Igreja em relação às famílias desestruturadas, feridas ou destruídas é um escândalo! Ao invés de cuidarmos das 99 famílias em situação de perda, nós ficamos girando em torno de uma única família que ainda se mantém em pé, justamente aquela que consideramos uma “família tradicional”. Falta-nos coragem e criatividade pastoral para nos fazer próximos, como Igreja, junto a toda família “não tradicional”, porque marcada pela separação, por novas uniões, e, sobretudo, por graves problemas como abuso sexual, violência doméstica, desemprego, doenças, endividamento, abandono escolar, ausência de qualquer referência religiosa etc. Esse imenso campo de missão precisa de todos nós, cristãos, e não somente dos líderes das nossas comunidades. É necessário que famílias evangelizem, amparem, curem e salvem famílias.

O livro do Eclesiástico deixou claro que Deus está onde um cuida do outro, onde pais cuidam dos filhos e filhos cuidam dos pais. Mas, como cuidar, se estamos esgotados, ou então fechados em nós mesmos? Uma atenção especial é pedida pelo Eclesiástico em relação aos idosos. A solidão e a sensação de abandono têm levado alguns idosos ao suicídio! Esse grito desesperado de ajuda precisa chegar aos nossos ouvidos. Para cuidarmos uns dos outros de maneira justa e equilibrada, precisamos nos lembrar de que “por trás de toda pessoa sobrecarregada, há sempre uma outra pessoa folgada”. A saúde emocional da família depende de que cada um faça a sua parte para o bom funcionamento da casa. É por isso que o apóstolo Paulo chama cada membro da família à responsabilidade: o marido, a esposa, os pais e os filhos (cf. Cl 3,18-21).

Retornando ao Evangelho de hoje, como foi que o desencontro se transformou em reencontro? Quando os pais de Jesus voltaram ao Templo: “Três dias depois, o encontraram no Templo” (Lc 2,46). O tempo de três dias é uma clara referência à morte e à ressurreição de Jesus, uma forma de o Evangelho nos dizer que aquilo que morreu pode voltar a viver. Nada está perdido e morto para sempre, quando a família se deixa conduzir por Deus, obedecendo à sua Palavra. O tempo de três dias também significa que há um tempo necessário para que a ferida seja curada, o perdão seja dado, o diálogo seja retomado, a distância seja transformada em proximidade. As coisas mais importantes da vida em família não são recuperadas instantaneamente, mas suportando o tempo necessário para que isso aconteça.

Enfim, consideremos o posicionamento de Jesus diante de seus pais: “Por que me procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?” (Lc 2,49). Aos doze anos de idade, Jesus tomou consciência do seu dever, da sua missão, do sentido da sua vida. Nós somos a geração do “eu quero”, não do “eu devo”. Pessoas imaturas se movem na vida apenas pelo “eu quero”: só fazem aquilo que querem, aquilo que lhes dá algum prazer ou lhes proporciona algum benefício. Pessoas maduras se guiam na vida pelo “eu devo”: não importa se eu estou com vontade ou não, se vou me beneficiar e ter prazer ou não; minha conduta é guiada pelo meu dever, pela minha missão. Quando os membros de uma família se movem apenas pelo “eu quero”, cada um vai numa direção e todos se perdem. Quando, pelo contrário, se guiam pelo “eu devo”, todos chegarão à meta para a qual foram chamados, porque se mantiveram fiéis à missão para a qual nasceram.   

 

 

Oração à Sagrada Família (Papa Francisco, Amoris Laetitia).

 

Jesus, Maria e José, em Vós contemplamos o esplendor do verdadeiro amor, confiantes, a Vós nos consagramos. Sagrada Família de Nazaré, tornai também as nossas famílias
lugares de comunhão e cenáculos de oração, autênticas escolas do Evangelho e pequenas igrejas domésticas. Sagrada Família de Nazaré, que nunca mais haja nas famílias episódios de violência, de fechamento e divisão; e quem tiver sido ferido ou escandalizado seja rapidamente consolado e curado. Sagrada Família de Nazaré, fazei que todos nos tornemos conscientes do caráter sagrado e inviolável da família, da sua beleza no projeto de Deus. Jesus, Maria e José, ouvi-nos e acolhei a nossa súplica.
Amém.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

Nenhum comentário:

Postar um comentário