Missa Maria Mãe de Deus. Palavra de Deus: Números 6,22-27; Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21.
Quais
sentimentos estão dentro do nosso coração, nesta passagem de ano? Gratidão?
Arrependimento? Culpa? Ansiedade? Medo? Esperança? Que balanço podemos fazer do
ano que termina nesta noite? Ganhamos? Perdemos? Empatamos?
Na
verdade, essa forma de avaliar o ano não é correta, pois o sentido da vida não
está em somar ou subtrair e festejar porque o resultado final mostra que saímos
no lucro. A vida não vale a pena quando os fatos positivos são maiores do que
os negativos, mas quando nós conseguimos nos manter fiéis aos nossos
propósitos, à nossa missão, respondendo ao que a própria vida nos pede diante
de cada situação. Eis porque a celebração desta noite nos faz voltar para a
figura de Nossa Senhora: “Quanto a Maria, guardava todos estes fatos e meditava
sobre eles em seu coração” (Lc 2,19). O mais importante não é que o ano que
termina tenha um saldo positivo de coisas boas, mas que nós tenhamos aprendido
a ouvir aquilo que a vida quis nos ensinar em cada acontecimento que marcou
este ano.
Algo
que o nosso coração precisa meditar nesta noite é a seguinte verdade: “Quando
compreendemos que não é um dia a mais, mas sim um dia a menos, começamos a
valorizar o que realmente importa” (Cora Coralina). Temos um ano a menos em
nossa história de vida! Essa verdade precisa nos ajudar a reavaliar nossas
prioridades: quais são nossos valores? Que projetos temos? Quais esperanças nos
movem? O que ainda podemos fazer da nossa existência que se torna sempre mais
breve neste mundo? Nós já aprendemos a valorizar o que realmente importa?
Importa viver e não apenas sobreviver. Importa frear a correria, diminuir a
velocidade e compreender que o sentido está no caminho que percorremos e não
simplesmente na meta que alcançamos. Não podemos nos contentar em atingir metas
e mais metas, enquanto perdemos a nossa alma pelo caminho, enquanto descuidamos
do essencial.
O
mundo em que vivemos tem se tornado cada vez mais pagão. A maioria das pessoas
vive como se Deus não existisse, escrava das superstições, das redes sociais,
da tecnologia; escrava do consumismo, dos vícios, da necessidade de aprovação
dos outros. O escravo não escolhe nada, mas vive a partir daquilo que
escolheram para ele. Jesus, ao nascer de Maria, nasceu sujeito à Lei religiosa
que impunha um fardo insuportável: o fardo da condenação, pois ninguém
conseguia cumprir tudo que a Lei exigia. Mas Jesus quebrou a corrente da
escravidão e nos deu a liberdade de sermos filhos de Deus, de modo que “já não
há mais condenação para aqueles que estão em Jesus Cristo” (Rm 8,1).
A
diferença fundamental entre ser escravo e ser livre é que o escravo tem sua
vida determinada a partir de fora, enquanto que a pessoa livre determina-se a
partir de dentro. O escravo sofre uma dependência imposta a partir de fora; a
pessoa livre escolhe deixar-se guiar pelo Espírito de Deus. Enquanto a pessoa
escrava justifica sua escravidão culpando as situações ruins pela sua
infelicidade, a pessoa livre posiciona-se diante de cada acontecimento e
procura responder ao que a vida está lhe pedindo, buscando-se manter fiel ao
Espírito que a conduz. Como afirmou o apóstolo Paulo, a pessoa que tem
consciência de ser filha de Deus carrega dentro de si uma constante oração:
“Abbá! Papai!”.
É
assim que desejamos acolher o novo ano que está nascendo: como filhos, não como
escravos; como pessoas que têm um Pai, não como pessoas orfãs que não têm
ninguém por elas. O nosso Pai é o Pai de Jesus, o Pai que está no céu, acima de
tudo, maior que tudo, presente em tudo, capaz de fazer com que tudo contribua
para o bem daqueles que aceitam caminhar orientados pelo Seu Espírito. O nosso
Pai é o Pai que não removerá todos os obstáculos da nossa vida porque Ele
deseja o nosso crescimento, o nosso amadurecimento, a nossa superação. A Ele
pedimos nesta noite a Sua bênção para o ano que nasce.
“Que
Deus nos dê a sua graça e sua bênção, e sua face resplandeça sobre nós! Que na
terra se conheça o seu caminho e a sua salvação por entre os povos. Que o
Senhor e nosso Deus nos abençoe, e o respeitem os confins de toda a terra!” (Sl
67,2.3.8). A bênção de Deus não é blindagem contra a dor, mas força para
enfrentar a dor; não é garantia de sucesso constante, mas coragem para lidar
com os fracassos e sabedoria para aprender com as frustrações; não é ganho incessante,
mas capacidade para lidar com as perdas a que todo ser humano está exposto;
enfim, a bênção do Pai do céu não é exclusivismo espiritual, mas missão:
devemos ser uma bênção para as outras pessoas.
“Quando
se completaram os oito dias para a circuncisão do menino, deram-lhe o nome de
Jesus, como fora chamado pelo anjo antes de ser concebido” (Lc 2,21). A
circuncisão era um corte na pele do órgão genital do menino. Nada é mais íntimo
a nós mesmos do que a nossa sexualidade. É através dela que nós sentimos, nos
expressamos, nos relacionamos com o outro. A questão principal não é a
circuncisão de um órgão do corpo, mas do coração: que o centro da nossa vida,
que o núcleo da nossa interioridade seja diariamente consagrado a Deus. A
circuncisão é uma marca de pertença. Essa marca não nos é mais dada em um órgão
do nosso corpo, mas sim em nossa consciência, o lugar sagrado onde Deus habita
(cf. Ap 7,3). Cuidemos dessa pertença! Deixemo-nos conduzir pelo Espírito de
Deus (cf. Rm 8,14). Protejamos a nossa liberdade de filhos de Deus e não nos
tornemos escravos de coisas, de pessoas ou de situações.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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