Missa de Natal. Palavra de Deus: Is 9,1-6; Tt 2,11-14; Lc 2,1-14 (noite). Is 52,7-10; Hb 1,1-6; Jo 1,1-18 (dia).
Toda
pessoa que nasce, nasce num tempo determinado e numa situação determinada.
Alguns nasceram em meio a guerras; outros, num ambiente de paz. Alguns nasceram
numa família estabilizada financeiramente; outros, em meio a muita miséria.
Alguns nasceram sendo amados e desejados; outros, sentindo-se fortemente
rejeitados. Alguns nasceram no seio de famílias de fé; outros, em ambientes sem
nenhuma fé. Alguns nasceram sob o regime da democracia; outros, sob o regime de
um ditador...
Nós não escolhemos em que época, em
que tempo, nem em qual família ou contexto social e político nascer. Tudo isso
nos foi dado, e cada um de nós foi chamado a se posicionar diante da realidade
que marcou a nossa existência, lembrando que ninguém é fruto daquilo que lhe
aconteceu; todos nós somos fruto daquilo que decidimos fazer com o que nos
aconteceu. Além disso, o momento em que nós nascemos, dentro da história
humana, foi o momento em que Deus quis que existíssemos, para deixar no mundo,
com a nossa existência, uma palavra Sua para a humanidade.
Qual
foi o contexto em que aconteceu o Natal, o nascimento de Jesus? Ele nasceu debaixo
da dominação do Império Romano; conheceu a forte violência desse Império diante
de qualquer tentativa de rebelião (crucificação, degolamento); cresceu e viveu
no meio de um povo endividado (o permanente risco de perda do seu pedaço de terra),
tendo que pagar a Roma altos impostos. Jesus nasceu num contexto de forte
desigualdade social, com alto número de indigentes e de prostitutas. No âmbito
religioso, Jesus viveu distante do Templo de Jerusalém, pois morava muito longe
da capital, numa periferia considerada “impura” pelos judeus conservadores – a Galileia.
Ali, Jesus alimentou a sua fé frequentando a sinagoga aos sábados, onde ouvia e
meditava a Palavra de Deus. Resumindo, Jesus nasceu e viveu sendo ignorado por
muito tempo, e quando morreu, foi interpretado como um fracassado.
Por causa
das redes sociais, existe hoje uma superexposição da criança logo que nasce. Os
pais de classe média e alta postam fotos e vídeos de seus filhos como se fossem
“príncipes” e “princesas”, isto é, como se fossem o centro do mundo. Esquecem
ou ignoram que “vaidade” significa “vazio”: quanto mais vazia uma carroça, mais
barulho ela faz. Quanto mais aparência, menos essência. O grande perigo das
crianças filhas da classe média e alta é seus pais lhes darem tudo, menos
aquilo que o dinheiro não pode comprar: caráter, honestidade, respeito ao
próximo, capacidade de lidar com a dor e com a frustração, fé, conhecimento de
Deus...
Por outro
lado, muitas crianças nascem em ambientes marcados pela pobreza, pela miséria,
onde não apenas faltam condições mínimas de vida, mas também afeto, presença. Uma
parte considerável dessas famílias está marcada pela separação, pela ausência
do pai, sobretudo, pela violência verbal ou física, pela bebida e pelas drogas
(não que isso não aconteça nas outras famílias), pelo desemprego e por uma
baixa escolaridade. Tudo isso precisa ser trazido à nossa consciência neste dia
de Natal, porque o Menino Jesus está presente em cada criança como possiblidade
de superação de todo condicionamento familiar e social.
O
nascimento de Jesus foi traduzido pelo evangelista João dessa maneira: “A
Palavra se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). Antes de mais nada, o Deus
em quem nós cremos é Palavra: Palavra que orienta, esclarece, liberta, corrige,
encoraja, perdoa, cura, julga – no sentido de fazer justiça; principalmente, Palavra
que faz passar da morte para a vida. Essa Palavra se fez pessoa humana em Jesus
Cristo. Isso significa que “Deus é Jesus”. Nós não podemos saber nada sobre a
Pessoa do Pai se não nos aproximarmos da Pessoa do Filho. Só o Filho pode nos
revelar o Pai. Qualquer imagem ou ideia que possamos ter de Deus, precisamos
confrontá-la com o Jesus histórico, revelado a nós pelos Evangelhos.
Em
seu Filho Jesus, Deus veio morar na carne humana. Ao descrever o ser humano
como “carne”, a Bíblia fala da fraqueza humana, da sua insuficiência, da sua finitude,
da sua tendência ao pecado, da sua necessidade de redenção e de salvação. Tudo
o que atinge a “carne” do ser humano atinge Deus. Ele enviou o seu Filho não
para salvar “almas”, mas para salvar o ser humano na sua dimensão física, psíquica
e espiritual. Um cristianismo que não se importa com a situação da “carne”
humana, mas somente com sua dimensão espiritual, não entendeu o sentido do
Natal.
Em
seu Filho Jesus, o Pai se fez humano. Se o Natal perde cada vez mais o sentido
no mundo moderno é porque nós estamos nos desumanizando. Toda pessoa que se
desumaniza, afasta-se de Jesus, porque Ele é o Deus humano. Toda pessoa que
rejeita sua própria humanidade e se refugia numa espiritualidade desencarnada, não
compreendeu quem é Jesus. Toda pessoa que se distancia do ser humano ferido,
degradado, injustiçado e tratado de maneira desumana, distancia-se igualmente
de Jesus. Cada Natal que celebramos precisa nos questionar se atualmente nós
estamos mais humanos ou menos humanos, se nós ainda cremos na possibilidade de
recuperação do ser humano.
Se o
nascimento de Jesus foi o momento em que “a Palavra se fez carne e habitou
entre nós” (Jo 1,14), o Natal precisa nos fazer refletir se a nossa carne – a nossa
existência humana – está comunicando a Palavra de Deus às pessoas que convivem
conosco. A descrença na Pessoa de Deus e de Jesus Cristo está diretamente
ligada a isso: a vida dos cristãos do mundo atual nada diz às pessoas do nosso
tempo. Nossa vida precisa se tornar “Palavra” para as outras pessoas. Ninguém
escuta o que eu falo, mas todos observam como eu vivo. O meu modo de viver deve
“falar” de Deus e de seu Filho Jesus aos outros. Sendo assim, que cada um de
nós “consiga identificar a palavra, a mensagem de Jesus que Deus quer dizer ao
mundo com a nossa vida... O Senhor a levará ao cumprimento mesmo no meio dos nossos
erros e momentos negativos, desde que não abandonemos o caminho do amor e
permaneçamos sempre atentos à sua ação sobrenatural que purifica e ilumina” (Papa
Francisco, GE n.24). Enfim, não nos esqueçamos de que “para viver o Evangelho,
não podemos esperar que tudo à nossa volta seja favorável” (GE, n.91). Que o
nosso modo de viver comunique às pessoas do nosso tempo: “Nasceu hoje para vós
um Salvador, que é Cristo, o Senhor” (Lc 2,11).
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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