domingo, 30 de junho de 2019

FÉ PARA ALÉM DO ESCÂNDALO

                        Vivemos uma época de muitos escândalos, seja no campo da política (corrupção), seja no campo da moral (adultério, promiscuidade), seja no campo da religião (contra testemunho). Por serem muitos e praticamente cotidianos, os escândalos já não nos escandalizam mais; tornaram-se parte da nossa rotina, como se a exceção se tornasse regra. Contudo, justamente ao falar à sua Igreja, Jesus fez um alerta muito sério a respeito dos escândalos: “Caso alguém escandalize um destes pequeninos que creem em mim, melhor seria se lhe pendurassem ao pescoço uma pedra pesada e fosse precipitado nas profundezas do mar. Ai do mundo por causa dos escândalos! É necessário que haja escândalos, mas ai do homem pelo qual o escândalo vem!” (Mt 18,6-7).
                        O que Jesus entende por “escândalo”? Escândalo não é aquele acontecimento ou fato que deixa você admirado(a) ou chocado(a), mas aquilo que pode destruir sua fé. No caso específico do capítulo 18 de São Mateus, Jesus tem como preocupação as pessoas que estão na Igreja e ainda têm uma fé frágil, não amadurecida, não provada na crise, uma fé que pode facilmente quebrar-se, desencantar-se, decepcionar-se. Neste caso, Jesus adverte as pessoas que estão há mais tempo na Igreja e, logicamente, aqueles que ocupam nela alguma função de liderança: se nossas atitudes erradas forem conscientes e intencionais, e mesmo depois de sermos corrigidos, continuarmos a errar de modo a provocar a perda de fé em outras pessoas, seria muito melhor para nós sofrermos um acidente e morrermos tragicamente do que ter que responder perante Deus pela perda da fé do nosso irmão.   
                        Dentro desse contexto, Jesus faz uma afirmação muito séria: “É necessário que haja escândalos, mas ai do homem pelo qual o escândalo vem!” (Mt 18,7). Nós podemos entender este “é necessário” de dois modos: primeiro, no sentido de que é impossível que não haja escândalos quando se trata de pessoas. Todo ser humano tem seu ponto fraco e ninguém está garantido de nunca cair. Mas há também um segundo sentido: todo escândalo que envolve pessoas de igreja provoca uma crise de fé e esta crise é necessária para que a fé se comprove como madura e verdadeira e não como ingênua e do tipo “fogo de palha”. Neste sentido, diante do escândalo da divisão na Igreja de Corinto, Paulo afirma: “É preciso que haja até mesmo cisões entre vós, a fim de que se tornem manifestos entre vós aqueles que são comprovados (na fé)” (1Cor 11,19).
                        É muito interessante quando o evangelista Marcos narra para nós a visita de Jesus a Nazaré, o lugar onde ele cresceu. Enquanto Jesus, na sinagoga, faz uma espécie de homilia, interpretando aquilo que ele entendeu da Sagrada Escritura, Marcos diz: “E estavam chocados (escandalizados) por sua causa” (Mc 6,4), escandalizados não pelo que Jesus falava, mas por ser quem era: como se diria hoje, um “comedor de feijão e arroz” como eles. Ou seja, os nazarenos estavam escandalizados pelo fato de o Filho de Deus ser um deles, alguém que não aparentava nada de extraordinário. E Marcos termina seu relato afirmando que Jesus “admirou-se da falta de fé deles” (Mc 6,6). Em outras palavras, a nossa exigência de sinais espetaculares para crer é tão alta que Jesus chega a se escandalizar com a imaturidade da nossa fé!
                         Na verdade, os discípulos se escandalizaram algumas vezes com Jesus, principalmente quando ele falou da necessidade de passar pelo sofrimento de cruz. Pedro foi o primeiro a se escandalizar com isso (cf. Mc 8,32), mas, depois, todos os outros discípulos também ficaram escandalizados com Jesus (cf. Mc 9,32). Esse escândalo foi registrado também pelo evangelista João: “A partir daí, muitos dos seus discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele” (Jo 6,66). E foi justamente no momento em que Jesus foi preso que “todos os seus discípulos, abandonando-o, fugiram” (Mt 26,56). Esta é uma verdade muito séria, sobre a qual precisamos refletir: a Cruz nos escandaliza; o Crucificado nos escandaliza; a Igreja crucificada nos escandaliza, e tudo isso acontece porque nossa fé não é uma fé amadurecida; é uma fé que não suporta crise.   
                        A palavra “crise” está ligada ao “crisol”, objeto que é submetido a altas temperaturas para derreter metais e também para purificar a prata e o ouro que são colocados dentro dele. Portanto, todo metal que passa pelo crisol sai dele purificado. Eis porque o livro do Eclesiástico diz: “pois o ouro se prova no fogo, e os eleitos, no cadinho (ou crisol) da humilhação” (Eclo 2,5). Uma fé que não passa por crise é como uma árvore que cresceu sem enfrentar nenhum vento contrário: seu tronco é frágil e ela tomba com a maior facilidade, quebrando-se por quase nada. A grande e profunda crise pela qual Jó passou praticamente destruiu todas as imagens que ele tinha de Deus, de modo que, depois da crise e tendo amadurecido na sua fé, ele disse a Deus: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora meus olhos te veem” (Jo 42,5), ou seja, Jó só conseguiu ter uma compreensão mais profunda e real de Deus depois de ter enfrentado um longo período de crise de fé.  
                        Tudo o que foi escrito aqui não é para que você aceite os escândalos como algo totalmente normal, mas para que evite cair em dois tipos de erro: o primeiro é abandonar seu caminho de santificação e se tornar também causa de escândalo, levando alguém a perder a fé por causa de algum contra testemunho seu; o segundo erro é você acabar jogando fora o bebê junto com a água do banho, o que significa generalizar, concluindo que ninguém presta e que o melhor a fazer é pular fora do barco. Se nossa Igreja, por ter pessoas à sua frente, tem sido machucada por alguns escândalos, lembre-se de que Jesus, ao falar com São Francisco de Assis por meio da imagem do Crucificado, no século XII, disse-lhe: “Reconstrua a minha Igreja, pois ela está em ruínas”, e o disse numa época em que representantes dessa mesma Igreja estavam sendo motivo de escândalo. Jesus poderia ter dito a São Francisco: “Pule fora desse barco; saia dessa Igreja”, mas não; Ele disse: “Reconstrua a minha Igreja”. É o que hoje Ele está dizendo a mim e a você.

                        Pe. Paulo Cezar Mazzi       

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