AFETIVIDADE E EUCARISTIA
Pe.
Timothy Radcliffe o.p.
Afetividade
não implica só a capacidade de amar, mas também nossa forma de amar como seres
sexuados, dotados de emoções, corpo e paixões. Deus, Ele próprio, se fez corporal no meio de nós, um ser humano como
nós. Jesus nos deu o sacramento de seu Corpo e prometeu a ressurreição de
nossos corpos. Temos que aprender a
amar os seres sexuados e apaixonados – às vezes um pouco desordenados – que
somos, ou não teremos nada que dizer sobre Deus, que é amor.
As
palavras centrais da última ceia foram “Este é meu corpo e o dou a vocês”. A Eucaristia, como o sexo, se centram no
dar o corpo. Para nossa sociedade é muito difícil entender isso porque
tendemos a ver nossos corpos simplesmente como objetos que nos pertencem. Mas o corpo não é simplesmente uma coisa
que possuo, sou eu, é meu ser recebido como presente de meus pais, e de
seus pais antes deles, e em última instância, de Deus. Por isso, quando Jesus disse ‘Este é meu corpo eu o
entrego a vocês’, não está dispondo de algo que lhe pertence, está passando aos
demais o dom que Ele é. Seu ser é um dom do Pai que Ele está transmitindo.
Geralmente
a ética sexual cristã é vista como restritiva quando comparada com os costumes
contemporâneos. A Igreja diz exatamente o que não é permitido fazer! Na
realidade, a base da ética cristã é a aprendizagem de como viver relações de
entrega mútua. Chegar a ser gente madura, que ama, significa que nos
encontraremos com crises inevitáveis. Podemos atravessar várias crises de
afetividade durante a nossa vida. Um beneditino irlandês chamado Mark Patick
Hederman escreveu: “O amor é o único ímpeto suficientemente transbordante para
forçar-nos a abandonar o confortável refúgio de nossa bem armada
individualidade, despojarmo-nos da impenetrável concha de autossuficiência, e
sair engatinhando desnudos para a zona de perigo que está mais além, o ponto
purificador onde a individualidade é purificada para fazer-se pessoa”. Só o
amor rompe nossa dureza de coração e nos dá um coração de carne.
Amar é
perigoso! Abrir-se ao amor é muito perigoso. A gente pode se machucar. Diz C.S.
Lewis: “Amar em qualquer caso é ser vulnerável. Ama algo e teu coração
certamente estará partido e possivelmente rasgado. Se queres ter certeza de
mantê-lo intacto, não deves entregar teu coração a ninguém, nem sequer a um
animal. Envolve-o cuidadosamente em hobbies e pequenos luxos; evita todo
envolvimento amoroso; encerra-o com segurança na urna ou no ataúde do teu
egoísmo. Mas nesta urna - segura, escura, imóvel, sem ar - mudará. Não se
quebrará; se tornará irrompível, impenetrável, sem salvação. A alternativa à
tragédia, ou ao menos ao risco de tragédia, é a condenação. O único lugar além
do céu onde podes estar perfeitamente a salvo de todos os perigos e
perturbações do amor é o inferno”.
Quais são as fantasias com que o desejo
pode nos apanhar? Eu sugiro duas: Uma é a tentação de pensar que a outra pessoa
é tudo, tudo o que buscamos a solução a todas as nossas aspirações. Isso é um
capricho passageiro. A outra tentação é não ver a dimensão humana da outra
pessoa, fazendo-a simplesmente carne de consumo. Isso é luxúria. Essas duas
ilusões não são tão diferentes como parece à primeira vista, uma é o reflexo
exato da outra.
Suponho que todos nós já
conhecemos momentos de total teimosia, quando alguém se converte no objeto de todos
os nossos desejos e no símbolo de tudo o que havíamos sonhado, na resposta a
todas as nossas necessidades.
Se não chegarmos a ser um com essa pessoa, nossa vida não tem sentido, está
vazia. A pessoa amada chega a ser para nós a resposta a esse poço de
necessidade grande e profunda que descobrimos dentro de nós. Pensamos nesta
pessoa todo dia. Divinizamos a pessoa amada e a colocamos no lugar de Deus. Talvez quase todo amor verdadeiro passe por
esta fase obsessiva. A única cura para isso é viver dia a dia com a pessoa
amada e ver que não é Deus, mas só uma filha, um filho. O amor começa quando
somos curados de nossa ilusão e estamos cara a cara com uma pessoa real e não
com uma projeção de nossos desejos.
O que buscamos com os nossos afetos?
O desejo de intimidade. É o desejo de ser totalmente um, de acabar com os
limites entre mim e a outra pessoa, para perder-se na outra pessoa, para buscar
a comunhão pura e total. Mas o sonho de comunhão plena é um mito, que leva
alguns religiosos a desejarem ser casados, e a muitos casados a desejarem estar
com uma pessoa diferente. A intimidade verdadeira e feliz só é possível se
aceitamos as limitações da intimidade.
O poeta
Rilke entendeu que não poderia ter verdadeira intimidade entre um casal até que
se deem conta de que cada um, de certa forma, permanece só. Cada ser humano conserva solidão, um espaço
ao seu redor que não pode ser eliminado. Nenhuma pessoa pode oferecer-nos a
plenitude de realização que desejamos. Isso só se encontra em Deus, como nos
lembra Jean Vanier: “A solidão é parte do ser humano, porque não existe nada
que possa encher completamente as necessidades do coração humano”.
Quando
nos deixamos levar pela luxúria, isto é, pela força cega do erotismo, fazemos
da outra pessoa um simples objeto, algo com que satisfaço minhas necessidades
sexuais. A luxúria nos torna caçadores,
predadores que veem no outro algo para devorar. Queremos simplesmente um pouco
de carne, algo que possa devorar. Justamente por isso, a castidade é um convite
a viver no mundo real. A castidade nos abre os olhos para ver que o que está
diante de nós é efetivamente um corpo bonito, mas este corpo é alguém. Este
corpo não é um objeto e sim um sujeito.
O
primeiro passo para superar a luxúria não é suprimir o desejo, mas restaurá-lo,
descobrir que o desejo é por uma pessoa e não por um objeto. Não somos nem
divinos, nem um pedaço de carne. Ambos somos filhos de Deus. Temos nossa
história. Fizemos votos e promessas. O outro tem compromissos, talvez com uma
esposa, um esposo. Nós como religiosos ou sacerdotes nos entregamos à nossa
Diocese. É assim como estamos, comprometidos e ligados a outros compromissos,
que podemos aprender a amar com corações e olhos abertos.
Pe. Paulo Cezar
Mazzi – Texto resumido
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