sexta-feira, 21 de junho de 2019

VOCÊ É CAPAZ DE DAR SENTIDO À SUA CRUZ?

Missa do 12º. dom. comum. Palavra de Deus: Zacarias 12,10-11; 13,1; Gálatas 3,26-29; Lucas 9,18-24.

            Crise: palavra que suscita em nós uma espécie de repulsa, porque entendemos “crise” como algo totalmente desagradável, negativo e indesejado. No entanto, todo ser humano passa por momentos de crise. Ouvimos falar de crise financeira, crise política etc., mas a crise principal e que pede a nossa atenção é a crise existencial, ou a crise de sentido de vida. Jesus teve que enfrentar essa crise e nós também temos.
            Quando estamos vivenciando uma crise existencial ou de sentido de vida, nos fazemos perguntas do tipo: É este o caminho que eu devo seguir? Vale à pena este sacrifício? Devo mudar minhas escolhas? Que sentido tem esse sofrimento? Não estaria na hora de abandonar tudo isso e ir atrás da minha felicidade? A vida tem algum sentido? A cruz tem algum sentido? Embora nem sempre temos respostas para todas essas perguntas, Santo Inácio de Loyola nos oferece uma indicação muito importante: quando não estamos bem, não devemos tomar decisões importantes, porque normalmente estamos sendo aconselhados pelo mau espírito, pela tristeza, pelo cansaço, pelo esgotamento, pelo pessimismo etc. Se tomarmos alguma decisão que mude fortemente a direção da nossa vida, podemos vir a nos arrepender mais tarde, e talvez não haja mais como desfazer o erro que cometemos.
            Jesus, como qualquer ser humano, passou por momentos de crise, de questionamento a respeito de quem ele era e de qual era a sua missão, de qual era o sentido da sua vida. Onde ele foi buscar resposta? Em Deus, na oração: “Jesus estava rezando num lugar retirado, e os discípulos estavam com ele. Então Jesus perguntou-lhes: ‘Quem diz o povo que eu sou?’” (Lc 9,18). Essa pergunta de Jesus revela a crise interior que ele estava vivenciando. Seu coração estava cheio de questionamentos. E Jesus entendeu que ninguém melhor que o Pai para ouvi-lo; ninguém melhor que o Pai para ajudá-lo a entender o que estava se passando com ele.
            Após ouvir o Pai na oração, Jesus quis ouvir seus discípulos, tanto a respeito de como o povo o via, como a respeito de como os próprios discípulos o viam. Aqui o Evangelho nos oferece uma pista muito importante: as únicas pessoas que podem nos ajudar a nos manter fiéis à nossa própria verdade são aquelas que nos conhecem mais intimamente. Quando nos sentimos perdidos, precisamos tomar muito cuidado com quem conversamos, isto é, quem procuramos para nos orientar e para nos ajudar a reencontrar nossa bússola ou o nosso GPS interior. A Internet atualmente está cheia de “gurus”, de “conselheiros” que são guias cegos, pessoas com claros sinais de problemas mentais, mas que se acham capazes de opinar corretamente sobre política, religião e vida afetiva, e são seguidas fanática e cegamente por milhões, nas redes sociais.     
            Quando Jesus questionou seus discípulos a respeito de como o viam, Pedro disse: Tu és “o Cristo de Deus” (Lc 9,20). Ótimo! A resposta de Pedro veio de encontro ao que Jesus havia entendido na sua oração: Ele é o Ungido de Deus, o Salvador de todo ser humano. No entanto, imediatamente após a resposta de Pedro, “Jesus proibiu-lhes severamente que contassem isso a alguém” (Lc 9,21) porque, enquanto Pedro e os outros discípulos entendiam a missão de Jesus como destinada ao brilho, à fama, ao sucesso e a uma vitória bombástica, Jesus havia entendido, no seu diálogo com o Pai, que o seu caminho seria marcado por dor, sofrimento, rejeição, violência, morte e, somente depois, ressurreição. Eis a grande diferença entre Jesus e a maioria das pessoas: enquanto Jesus busca, na sua espiritualidade, encontrar-se com a sua verdade, a maioria busca uma espiritualidade da fuga de si mesmo, do não confronto com seus medos, seus traumas e suas feridas. Enquanto Jesus busca em Deus força para lidar com a sua cruz, nos buscamos anestésicos cada vez mais potentes para não sentirmos a dor que a nossa cruz nos causa.
            Jesus jamais aceitou ser uma droga que nos mantenha inconscientes a respeito daquilo que somos chamados a enfrentar. Jesus nunca admitirá que nós transformemos seu Evangelho em livro de autoajuda, em receita barata de felicidade egoísta e individualista, em manual de como se livrar de todo tipo de dor, de sofrimento e de cruz. É por isso que ele diz: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome sua cruz cada dia, e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, esse a salvará” (Lc 9,23-24).
                 Seria Jesus um masoquista, uma pessoa que sente prazer em sofrer? Seria Deus Pai um sádico, alguém que sente prazer em causar sofrimento aos seres humanos. Não! Se há alguém doente nessa história não é Jesus, nem o Pai, mas a nossa sociedade, que insiste em rejeitar a vida com suas perdas, dores, sofrimentos e cruzes, para tentar criar um mundo onde não haja nenhum tipo de perda, de dor, de sofrimento, de cruz. O sentido da vida não está em não sofrer, mas em dar um sentido ao sofrimento que cabe somente a nós enfrentarmos. Jesus entendeu, na sua oração, que cabia somente a ele dar sentido à cruz que deveria enfrentar, e isso dissipou o mal estar que sua crise estava lhe causando.
Eis, portanto, o convite de Jesus a cada ser humano: não fuja de si mesmo; vá de encontro à sua verdade; não se faça de vítima, implorando que as pessoas sintam pena de você; não viva reclamando, achando que isso fará a vida “pegar mais leve” com você; acolha a vida com tudo o que ela tem de alegria e tristeza, vitória e derrota, luz e sombra, perda e ganho, altos e baixos; não se desvie da dor ou da cruz que cabe somente a você enfrentar, porque aquilo diz respeito justamente ao seu crescimento, ao seu amadurecimento, à sua redenção e à sua libertação.    

            Oração: Deus Pai, dentro de cada um de nós há uma pergunta existencial que pede para ser respondida: “Que sentido tem a vida?”, ou então: “Que sentido tem essa cruz, esse sofrimento?” Hoje eu entendo que o Senhor nunca aceitou ser um remendo em nossa vida, uma resposta fácil para perguntas que são sérias e dolorosas, porque estão em nós para nos abrir à Tua verdade e nos revelar o sentido verdadeiro da nossa existência.
            Principalmente quando temos que lidar com algum tipo de cruz, é ali que Teu Filho nos pergunta: “Quem eu sou para você? O que você espera de mim?”. Peço-Te a graça de não me acovardar diante da minha cruz e de não fugir daquelas perguntas que são essenciais para que eu viva conscientemente a minha vida e saiba dar sentido à minha própria dor.
Que a graça do Teu Espírito me liberte de todo tipo de vitimismo, de autopiedade, e me ajude a compreender que, se eu nem sempre posso escolher o tipo de cruz que atravessa o meu caminho, sempre posso escolher a maneira como lidar com essa cruz, e é essa liberdade de escolha que faz de mim sujeito da minha história, a exemplo de Teu Filho Jesus. Amém.

Pe. Paulo Cezar Mazzi 

2 comentários:

  1. Estimado P. Pauo Mazzi, obrigado por seus comentarios sempre muito pertinentes e muito práricos. Avante.

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  2. Caro irmão Agenor, muito obrigado por seu incentivo. Grande abraço e que a unção do Espírito Santo fecunde sempre mais sua missão!

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