quinta-feira, 4 de julho de 2019

NÃO APENAS NASCIDOS, MAS ENVIADOS


Missa do 14º. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 66,10-14c; Gálatas 6,14-18; Lucas 10,1-12.17-20.

Existem duas maneiras de entendermos a nossa existência e o nosso estar no mundo. A primeira é acidental, fruto do acaso, desprovida de sentido. A segunda é fruto de um chamado, de uma escolha e de uma missão; portanto, portadora de um sentido. Segundo o Evangelho que acabamos de ouvir, nós não apenas nascemos, não apenas passamos a existir, mas fomos enviados ao mundo. Enviados para que? “O Senhor escolheu outros setenta e dois discípulos e os enviou dois a dois, na sua frente, a toda cidade e lugar aonde ele próprio devia ir” (Lc 10,1). O lugar onde cada um de nós se encontra é o lugar onde o próprio Jesus devia se encontrar. Nós moramos onde o próprio Jesus devia morar; estudamos e trabalhamos onde ele próprio devia estudar e trabalhar; convivemos com as pessoas com as quais ele próprio devia conviver.
Além de tomarmos consciência de que somos enviados para a missão de trabalhar com Jesus pela salvação da humanidade, devemos estar cientes de que somos enviados “como cordeiros para o meio de lobos” (Lc 10,3). O grande perigo aqui é o de assumirmos uma atitude de constante defesa em relação ao mundo. Nossa missão não é nos defender do mundo, mas salvá-lo, curá-lo, resgatá-lo. Se Jesus nos alerta para a nossa condição de cordeiros em meio aos lobos é no sentido de que devemos ser prudentes, não ingênuos; devemos ter senso de realidade e estar preparados para enfrentar perigos e dificuldades em nossa missão; principalmente, devemos tomar o grande cuidado de não nos transformarmos em lobos apenas por uma questão de sobrevivência neste mundo.  
“Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: ‘A paz esteja nesta casa!’ Se ali morar um amigo da paz, a vossa paz repousará sobre ele; se não, ela voltará para vós” (Lc 10,6). Nossa missão é sermos uma presença de paz num mundo agitado, angustiado e sem paz. Nossa missão é levarmos uma palavra de conforto a toda pessoa abatida, uma palavra de orientação a toda pessoa perdida e desorientada, uma palavra de esperança a toda pessoa que se entregou ao desespero... Mas aqui é importante lembrar que nós só podemos comunicar a paz aos outros na medida em que o nosso coração vive segundo a vontade de Deus, pois é essa conformidade da nossa vida à vontade de Deus que nos enche de paz. Ao mesmo tempo, Jesus nos mostra que é possível que algumas pessoas não desejem a nossa paz. Neste caso, não devemos nos preocupar; ela voltará para dentro do nosso coração. O fato de alguém rejeitar o bem que eu poderia lhe oferecer não me torna desprovido deste bem; ele permanece comigo, para que eu possa oferecê-lo a outra pessoa.    
“Mas, quando entrardes numa cidade e não fordes bem recebidos, saindo pelas ruas, dizei: ‘Até a poeira de vossa cidade, que se apegou aos nossos pés, sacudimos contra vós. No entanto, sabei que o Reino de Deus está próximo!’” (Lc 10,11-12). Jesus quer nos tornar conscientes de que nem todos os doentes desejam ser curados; nem todos os mortos desejam ressuscitar; nem todos os que se extraviaram desejam ser reconduzidos. Nós precisamos estar preparados para o fato de que nem todos querem ser salvos daquilo que os está destruindo. Há pessoas que, por motivos que não entendemos, passaram a se identificar com sua doença, com sua morte, com sua desorientação. Devemos respeitá-las em sua liberdade de consciência, mas também devemos “sacudir a poeira dos nossos pés”, no sentido de não nos contaminarmos com essa atitude de enterrar-se vivo, de recusar-se a alimentar a própria esperança e de dar sentido à própria existência.   
“Os setenta e dois voltaram muito contentes, dizendo: ‘Senhor, até os demônios nos obedeceram por causa do teu nome’. Jesus respondeu: (...) não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem. Antes, ficai alegres porque vossos nomes estão escritos no céu’” (Lc 10,18.20). Embora nós não tenhamos escolhido nascer e vir ao mundo, mas fomos escolhidos e enviados para ele com uma missão específica, o nosso ego tem a mania de querer se apropriar de algo que não é dele; ele quer ser reconhecido e aplaudido pelo sucesso da missão que desempenhou. Ora, nós não somos a fonte, mas apenas o canal por onde a água da fonte chega às outras pessoas; nós não somos homens e mulheres com super-poderes, mas apenas homens e mulheres que carregam o poder do Evangelho em vasos de barro. Portanto, este grande perigo sempre nos acompanhará; o perigo da vaidade, da autopromoção, do anunciar a si mesmo, do conduzir as pessoas para si e não para Deus.
O apóstolo Paulo nos ensina a evitar este erro tão grave, ao testemunhar: “Quanto a mim, que eu me glorie somente da cruz do Senhor nosso, Jesus Cristo. Por ele, o mundo está crucificado para mim, como eu estou crucificado para o mundo... eu trago em meu corpo as marcas de Jesus” (Gl 6,14.17). Se é verdade que cada um de nós é um enviado de Deus ao mundo, também é verdade que a nossa missão será bem sucedida somente se aceitarmos exercê-la como homens e mulheres crucificados. Todo cristão, todo verdadeiro discípulo de Jesus Cristo, é um crucificado. Como o apóstolo Paulo, ele carrega em seu corpo não medalhas de honra ao mérito, não anéis ou coroas de reconhecimento, mas as marcas de Jesus crucificado. Portanto, como nos ensina o profeta Isaías, não caiamos no erro de esperar por consolações terrenas. A nossa verdadeira consolação virá da Jerusalém do alto, onde definitivamente “a mão do Senhor se manifestará em favor de seus servos” (Is 66,13.14).
Encerremos, meditando essas palavras de Santa Madre Teresa de Calcutá: “Se você é gentil, as pessoas podem acusá-lo de interesseiro. Seja gentil assim mesmo. Se você é honesto e franco, as pessoas podem enganá-lo. Seja honesto e franco assim mesmo. O que você levou anos para construir, alguém pode destruir de uma hora para outra. Construa assim mesmo. O bem que você faz hoje, pode ser esquecido amanhã. Faça o bem assim mesmo. Dê ao mundo o melhor de você, mas isso pode não ser o bastante. Dê o melhor de você assim mesmo. Veja você que, no final das contas, é tudo entre você e Deus. Nunca foi entre você e os outros” (Assim mesmo – poema resumido)

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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