Missa
do 16º. dom. comum. Palavra de Deus: Gênesis 18,1-10; Colossenses 1,24-18;
Lucas 10,38-42.
Numa
época em que não existia Internet, o sobrinho de um padre foi estudar no
exterior. Seja por se encontrar num país onde não conhecia ninguém, seja porque
seus estudos lhe provocavam muitos questionamentos a respeito da sua fé, aquele
jovem escreveu uma carta ao seu tio padre, pedindo que fosse o seu diretor
espiritual, com quem ele pudesse mensalmente partilhar suas dúvidas e
orientar-se quanto à sua vida espiritual. Acontece que o seu tio padre era um
homem extremamente ocupado, envolvido em muitos trabalhos pastorais. Mas,
diante da carta do seu sobrinho, o padre pensou: “Se eu dedicasse meu tempo somente para cuidar das coisas urgentes, não
teria tempo para cuidar daquilo que é essencial, e orientar meu sobrinho
quanto à vida espiritual é essencial!”
A
vida moderna é cheia de “urgências”. Nós somos cobrados 24 horas por dia, seja
na vida profissional, seja nos estudos, seja no próprio dia a dia. Embora seja
verdade que entre nós existam aquelas pessoas que estão sempre “muito ocupadas
em não fazer nada” (2Ts 3,11) – quanto tempo você perde diariamente
distraindo-se na Internet? – a maioria das pessoas vive ocupada, atarefada,
agitada, com pressa, como Marta. Aliás, como se não bastasse o tanto de coisas
que temos para fazer, a própria Internet nos trouxe novas “urgências”: ler
notícias, ver fotos, assistir vídeos, responder mensagens etc. Desse modo, ao
invés de terminarmos o nosso dia silenciando o coração, revisando em nossa
mente como vivemos aquele dia, de que forma Deus falou conosco, se vivemos ou
não segundo a vontade d’Ele, ou colocando em Suas mãos aquilo que ficou para
ser resolvido no dia seguinte, nós deixamos tudo isso de lado para dar uma última
olhada no celular...
O Evangelho nos coloca duas
questões: 1) Quantas coisas que o mundo nos apresenta como “urgências” na
verdade não têm nada de urgente, porque não são necessidades verdadeiras,
porque verdadeiramente aquilo não nos diz respeito, porque nós não precisamos
daquilo para termos paz e sermos felizes? 2) Quantos de nós já não conseguem mais
diferenciar aquilo que é urgente daquilo que é essencial? Diante da reclamação
de Marta, de que Maria não a estava ajudando nas tarefas de casa, mas sentada
aos pés de Jesus para escutar sua Palavra, Jesus respondeu: “Maria escolheu a
melhor parte” (Lc 10,42). Eis o segredo para quem não quer se perder nas
urgências da vida moderna: escolher
cuidar do essencial. E aqui se encontra uma dica para a nossa vida de
oração: sentar-se diariamente aos pés do Senhor para ouvi-Lo, para nos colocar
em Suas mãos como barro nas mãos do Oleiro, não é uma questão natural,
espontânea; é uma questão de escolha.
Ao chamar a atenção de Marta, Jesus
lhe disse: “Pouca coisa é necessária, até mesmo uma só” (Lc 10,42). Nos faria
bem escrever essas palavras – “Pouca coisa é necessária” – e colocá-las na
porta do nosso guarda-roupa ou onde guardamos nossos calçados; na parte de cima
da tela do nosso computador ou da nossa TV, enquanto assistimos a inúmeras
propagandas ou navegamos por horas em inúmeros Sites... Se os pais estivessem
convencidos de que “pouca coisa é necessária”, o que seria modificado na forma
de criar e educar seus filhos? A mesma coisa se diga a respeito dos casais,
quanto ao relacionamento conjugal; dos padres e dos leigos, quanto ao trabalho
pastoral, e assim por diante... Nosso mundo está cada vez mais adoecido e
desumanizado justamente porque a maioria
de nós se perdeu em coisas urgentes e não sabe mais identificar o único
necessário, o essencial.
Se o Evangelho nos fala de Maria
sentada aos pés de Jesus para escutá-lo, o texto do Gênesis nos fala de Abraão,
“sentado à entrada da sua tenda no maior calor do dia” (Gn 18,1). Se Abraão
fosse como nós, cujos olhos se fixam na tela do celular sempre que “sobra um
tempinho”, ele não teria visto três homens passarem em frente à sua tenda. Mas
ele os viu, e fez questão de que parassem, descansassem e, inclusive, almoçassem
com ele. Abraão esqueceu-se de si e dos seus problemas, e foi extremamente
generoso para com aqueles homens, preparando um verdadeiro banquete para eles.
Tudo isso por quê? Por pura generosidade, por gratuidade, por não viver voltado
para o próprio umbigo, por esquecer-se de si e dos seus problemas e deixar-se
afetar pela necessidade dos outros, por abrir espaço na sua vida para acolher a
visita de Deus, ainda que Abraão não soubesse de maneira alguma que Deus estava
ali, naqueles três homens!
Para sua surpresa, durante o almoço
O visitante pergunta por Sara e faz a Abraão uma promessa: “Voltarei a ti no
próximo ano; então tua mulher Sara terá um filho” (Gn 18,10). Fazia 24 anos que
Abraão estava caminhando com Deus, esperando pelo cumprimento dessa promessa, e
eis que Deus o visita num dia inesperado, numa hora inesperada, de um modo
inesperado, e lhe traz o presente tão sonhado! Da mesma forma que Jesus
encontrou gratuidade no coração de Maria, Deus a encontrou em Abraão. Nem
Maria, nem Abraão agiram de maneira planejada, calcudada, interessada. Os dois
foram surpreendidos por uma visita e os dois deixaram de lado a si mesmos para
darem atenção à visita, e foram abençoados por Deus. Não estaria faltando para
a maioria de nós hoje essa atitude de gratuidade, este esquecer-se de si mesmo
para olhar para o outro, para enxergar o outro que cruza o meu caminho, para
perder tempo com alguém que nem conhecemos, mas que precisa de um pouco do
nosso tempo?
As “urgências” do mundo moderno nos
tornaram pessoas sem tempo para o essencial, pessoas incapazes de gratuidade,
porque tudo o que fazemos é em vista de um retorno, de um resultado, de algum
benefício para nós. O mesmo Jesus que encontrou acolhida na casa de Marta e de
Maria dirá, ao chegar à cidade de Jerusalém: “Ah! Se neste dia também você conhecesse
Aquele que pode te trazer a paz! (...) Deitarão você e a seus filhos por terra,
porque você não reconheceu o tempo em que foi visitada!” (Lc 19,42.44). Quantas
vezes Deus visita a nossa casa (interior), mas nós não estamos em casa!? Jesus
disse: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a
porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3,20). A
questão não é se Jesus nos visita; a questão é se estamos abrindo a
porta para ele e acolhendo-o como Maria o acolheu, como o essencial
da sua vida.
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