sexta-feira, 19 de julho de 2019

ESCOLHER NÃO DESCUIDAR DO ESSENCIAL

Missa do 16º. dom. comum. Palavra de Deus: Gênesis 18,1-10; Colossenses 1,24-18; Lucas 10,38-42.

Numa época em que não existia Internet, o sobrinho de um padre foi estudar no exterior. Seja por se encontrar num país onde não conhecia ninguém, seja porque seus estudos lhe provocavam muitos questionamentos a respeito da sua fé, aquele jovem escreveu uma carta ao seu tio padre, pedindo que fosse o seu diretor espiritual, com quem ele pudesse mensalmente partilhar suas dúvidas e orientar-se quanto à sua vida espiritual. Acontece que o seu tio padre era um homem extremamente ocupado, envolvido em muitos trabalhos pastorais. Mas, diante da carta do seu sobrinho, o padre pensou: “Se eu dedicasse meu tempo somente para cuidar das coisas urgentes, não teria tempo para cuidar daquilo que é essencial, e orientar meu sobrinho quanto à vida espiritual é essencial!”
A vida moderna é cheia de “urgências”. Nós somos cobrados 24 horas por dia, seja na vida profissional, seja nos estudos, seja no próprio dia a dia. Embora seja verdade que entre nós existam aquelas pessoas que estão sempre “muito ocupadas em não fazer nada” (2Ts 3,11) – quanto tempo você perde diariamente distraindo-se na Internet? – a maioria das pessoas vive ocupada, atarefada, agitada, com pressa, como Marta. Aliás, como se não bastasse o tanto de coisas que temos para fazer, a própria Internet nos trouxe novas “urgências”: ler notícias, ver fotos, assistir vídeos, responder mensagens etc. Desse modo, ao invés de terminarmos o nosso dia silenciando o coração, revisando em nossa mente como vivemos aquele dia, de que forma Deus falou conosco, se vivemos ou não segundo a vontade d’Ele, ou colocando em Suas mãos aquilo que ficou para ser resolvido no dia seguinte, nós deixamos tudo isso de lado para dar uma última olhada no celular...
            O Evangelho nos coloca duas questões: 1) Quantas coisas que o mundo nos apresenta como “urgências” na verdade não têm nada de urgente, porque não são necessidades verdadeiras, porque verdadeiramente aquilo não nos diz respeito, porque nós não precisamos daquilo para termos paz e sermos felizes? 2) Quantos de nós já não conseguem mais diferenciar aquilo que é urgente daquilo que é essencial? Diante da reclamação de Marta, de que Maria não a estava ajudando nas tarefas de casa, mas sentada aos pés de Jesus para escutar sua Palavra, Jesus respondeu: “Maria escolheu a melhor parte” (Lc 10,42). Eis o segredo para quem não quer se perder nas urgências da vida moderna: escolher cuidar do essencial. E aqui se encontra uma dica para a nossa vida de oração: sentar-se diariamente aos pés do Senhor para ouvi-Lo, para nos colocar em Suas mãos como barro nas mãos do Oleiro, não é uma questão natural, espontânea; é uma questão de escolha.
            Ao chamar a atenção de Marta, Jesus lhe disse: “Pouca coisa é necessária, até mesmo uma só” (Lc 10,42). Nos faria bem escrever essas palavras – “Pouca coisa é necessária” – e colocá-las na porta do nosso guarda-roupa ou onde guardamos nossos calçados; na parte de cima da tela do nosso computador ou da nossa TV, enquanto assistimos a inúmeras propagandas ou navegamos por horas em inúmeros Sites... Se os pais estivessem convencidos de que “pouca coisa é necessária”, o que seria modificado na forma de criar e educar seus filhos? A mesma coisa se diga a respeito dos casais, quanto ao relacionamento conjugal; dos padres e dos leigos, quanto ao trabalho pastoral, e assim por diante... Nosso mundo está cada vez mais adoecido e desumanizado justamente porque a maioria de nós se perdeu em coisas urgentes e não sabe mais identificar o único necessário, o essencial.
            Se o Evangelho nos fala de Maria sentada aos pés de Jesus para escutá-lo, o texto do Gênesis nos fala de Abraão, “sentado à entrada da sua tenda no maior calor do dia” (Gn 18,1). Se Abraão fosse como nós, cujos olhos se fixam na tela do celular sempre que “sobra um tempinho”, ele não teria visto três homens passarem em frente à sua tenda. Mas ele os viu, e fez questão de que parassem, descansassem e, inclusive, almoçassem com ele. Abraão esqueceu-se de si e dos seus problemas, e foi extremamente generoso para com aqueles homens, preparando um verdadeiro banquete para eles. Tudo isso por quê? Por pura generosidade, por gratuidade, por não viver voltado para o próprio umbigo, por esquecer-se de si e dos seus problemas e deixar-se afetar pela necessidade dos outros, por abrir espaço na sua vida para acolher a visita de Deus, ainda que Abraão não soubesse de maneira alguma que Deus estava ali, naqueles três homens!           
            Para sua surpresa, durante o almoço O visitante pergunta por Sara e faz a Abraão uma promessa: “Voltarei a ti no próximo ano; então tua mulher Sara terá um filho” (Gn 18,10). Fazia 24 anos que Abraão estava caminhando com Deus, esperando pelo cumprimento dessa promessa, e eis que Deus o visita num dia inesperado, numa hora inesperada, de um modo inesperado, e lhe traz o presente tão sonhado! Da mesma forma que Jesus encontrou gratuidade no coração de Maria, Deus a encontrou em Abraão. Nem Maria, nem Abraão agiram de maneira planejada, calcudada, interessada. Os dois foram surpreendidos por uma visita e os dois deixaram de lado a si mesmos para darem atenção à visita, e foram abençoados por Deus. Não estaria faltando para a maioria de nós hoje essa atitude de gratuidade, este esquecer-se de si mesmo para olhar para o outro, para enxergar o outro que cruza o meu caminho, para perder tempo com alguém que nem conhecemos, mas que precisa de um pouco do nosso tempo?
            As “urgências” do mundo moderno nos tornaram pessoas sem tempo para o essencial, pessoas incapazes de gratuidade, porque tudo o que fazemos é em vista de um retorno, de um resultado, de algum benefício para nós. O mesmo Jesus que encontrou acolhida na casa de Marta e de Maria dirá, ao chegar à cidade de Jerusalém: “Ah! Se neste dia também você conhecesse Aquele que pode te trazer a paz! (...) Deitarão você e a seus filhos por terra, porque você não reconheceu o tempo em que foi visitada!” (Lc 19,42.44). Quantas vezes Deus visita a nossa casa (interior), mas nós não estamos em casa!? Jesus disse: “Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo” (Ap 3,20). A questão não é se Jesus nos visita; a questão é se estamos abrindo a porta para ele e acolhendo-o como Maria o acolheu, como o essencial da sua vida.

            Pe. Paulo Cezar Mazzi   

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