Vivemos
uma época de muitos escândalos, seja no campo da política (corrupção), seja no
campo da moral (adultério, promiscuidade), seja no campo da religião (contra
testemunho). Por serem muitos e praticamente cotidianos, os escândalos já não
nos escandalizam mais; tornaram-se parte da nossa rotina, como se a exceção se
tornasse regra. Contudo, justamente ao falar à sua Igreja, Jesus fez um alerta
muito sério a respeito dos escândalos: “Caso
alguém escandalize um destes pequeninos que creem em mim, melhor seria se lhe
pendurassem ao pescoço uma pedra pesada e fosse precipitado nas profundezas do
mar. Ai do mundo por causa dos escândalos! É necessário que haja escândalos,
mas ai do homem pelo qual o escândalo vem!” (Mt 18,6-7).
O
que Jesus entende por “escândalo”? Escândalo não é aquele acontecimento ou fato
que deixa você admirado(a) ou chocado(a), mas aquilo que pode destruir sua fé.
No caso específico do capítulo 18 de São Mateus, Jesus tem como preocupação
as pessoas que estão na Igreja e ainda têm uma fé frágil, não amadurecida,
não provada na crise, uma fé que pode facilmente quebrar-se, desencantar-se,
decepcionar-se. Neste caso, Jesus adverte as pessoas que estão há mais tempo na
Igreja e, logicamente, aqueles que ocupam nela alguma função de liderança: se
nossas atitudes erradas forem conscientes e intencionais, e mesmo depois de
sermos corrigidos, continuarmos a errar de modo a provocar a perda de fé em outras
pessoas, seria muito melhor para nós sofrermos um acidente e morrermos
tragicamente do que ter que responder perante Deus pela perda da fé do nosso
irmão.
Dentro
desse contexto, Jesus faz uma afirmação muito séria: “É necessário que haja escândalos, mas ai do homem pelo qual o
escândalo vem!” (Mt 18,7). Nós podemos entender este “é necessário” de dois
modos: primeiro, no sentido de que é impossível que não haja escândalos
quando se trata de pessoas. Todo ser humano tem seu ponto fraco e ninguém está
garantido de nunca cair. Mas há também um segundo sentido: todo escândalo que
envolve pessoas de igreja provoca uma crise de fé e esta crise é necessária
para que a fé se comprove como madura e verdadeira e não como ingênua e do
tipo “fogo de palha”. Neste sentido, diante do escândalo da divisão na Igreja
de Corinto, Paulo afirma: “É preciso que
haja até mesmo cisões entre vós, a fim de que se tornem manifestos entre vós
aqueles que são comprovados (na fé)” (1Cor 11,19).
É
muito interessante quando o evangelista Marcos narra para nós a visita de Jesus
a Nazaré, o lugar onde ele cresceu. Enquanto Jesus, na sinagoga, faz uma
espécie de homilia, interpretando aquilo que ele entendeu da Sagrada Escritura,
Marcos diz: “E estavam chocados
(escandalizados) por sua causa” (Mc 6,4), escandalizados não pelo que Jesus
falava, mas por ser quem era: como se diria hoje, um “comedor de feijão e
arroz” como eles. Ou seja, os nazarenos estavam escandalizados pelo fato de o
Filho de Deus ser um deles, alguém que não aparentava nada de extraordinário. E
Marcos termina seu relato afirmando que Jesus
“admirou-se da falta de fé deles” (Mc 6,6). Em outras palavras, a nossa
exigência de sinais espetaculares para crer é tão alta que Jesus chega a se
escandalizar com a imaturidade da nossa fé!
Na verdade, os discípulos se escandalizaram
algumas vezes com Jesus, principalmente quando ele falou da necessidade de
passar pelo sofrimento de cruz. Pedro foi o primeiro a se escandalizar com isso
(cf. Mc 8,32), mas, depois, todos os outros discípulos também ficaram
escandalizados com Jesus (cf. Mc 9,32). Esse escândalo foi registrado também
pelo evangelista João: “A partir daí,
muitos dos seus discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele” (Jo
6,66). E foi justamente no momento em que Jesus foi preso que “todos os seus discípulos, abandonando-o,
fugiram” (Mt 26,56). Esta é uma verdade muito séria, sobre a qual
precisamos refletir: a Cruz nos
escandaliza; o Crucificado nos escandaliza; a Igreja crucificada nos
escandaliza, e tudo isso acontece porque nossa fé não é uma fé amadurecida; é
uma fé que não suporta crise.
A
palavra “crise” está ligada ao “crisol”, objeto que é submetido a altas
temperaturas para derreter metais e também para purificar a prata e o ouro que
são colocados dentro dele. Portanto, todo metal que passa pelo crisol sai dele
purificado. Eis porque o livro do Eclesiástico diz: “pois o ouro se prova no fogo, e os eleitos, no cadinho (ou crisol) da
humilhação” (Eclo 2,5). Uma fé que não passa por crise é como uma árvore
que cresceu sem enfrentar nenhum vento contrário: seu tronco é frágil e ela
tomba com a maior facilidade, quebrando-se por quase nada. A grande e profunda
crise pela qual Jó passou praticamente destruiu todas as imagens que ele tinha
de Deus, de modo que, depois da crise e tendo amadurecido na sua fé, ele disse
a Deus: “Eu te conhecia só de ouvir, mas
agora meus olhos te veem” (Jo 42,5), ou seja, Jó só conseguiu ter uma
compreensão mais profunda e real de Deus depois de ter enfrentado um longo período
de crise de fé.
Tudo o que foi escrito
aqui não é para que você aceite os escândalos como algo totalmente normal, mas para
que evite cair em dois tipos de erro: o primeiro é abandonar seu caminho de
santificação e se tornar também causa de escândalo, levando alguém a perder
a fé por causa de algum contra testemunho seu; o segundo erro é você acabar
jogando fora o bebê junto com a água do banho, o que significa generalizar,
concluindo que ninguém presta e que o melhor a fazer é pular fora do barco. Se
nossa Igreja, por ter pessoas à sua frente, tem sido machucada por alguns
escândalos, lembre-se de que Jesus, ao falar com São Francisco de Assis por
meio da imagem do Crucificado, no século XII, disse-lhe: “Reconstrua a minha Igreja, pois ela está em ruínas”, e o disse
numa época em que representantes dessa mesma Igreja estavam sendo motivo de
escândalo. Jesus poderia ter dito a São Francisco: “Pule fora desse barco; saia
dessa Igreja”, mas não; Ele disse: “Reconstrua
a minha Igreja”. É o que hoje Ele está dizendo a mim e a você.
Pe. Paulo Cezar Mazzi