Missa do domingo de ramos. Palavra de Deus: Isaías 50,4-7; Filipenses 2,6-11; Marcos 15,1-39.
Jesus
“passou pelo mundo fazendo o bem” (At 10,38). Por que, então, ele teve que ser
eliminado? Porque quem faz o bem questiona quem faz o mal. A presença da pessoa
que faz o bem é como uma luz que incomoda quem se habituou a viver na
escuridão, fazendo o mal. Mas quem Jesus incomodou: os líderes políticos ou os
líderes religiosos do seu tempo? Os líderes religiosos, conforme acabamos de
ouvir no Evangelho: Pilatos “bem sabia que os sumos
sacerdotes
haviam entregado Jesus por inveja” (Mc 15,10).
Essa
atitude dos líderes religiosos da época de Jesus precisa fazer vir para fora os
sentimentos que estão escondidos no mais profundo de nós mesmos: inveja, raiva,
ódio, desejo de vingança, desejo de eliminar o outro. Não é porque somos
cristãos que não sentimos coisas que são contrárias ao Evangelho. Nós não somos
somente filhos de Deus, mas também filhos da nossa época, uma época onde as emoções
são mais ouvidas do que a razão (a consciência); uma época de crescente intolerância
e de incapacidade de conviver com o diferente; uma época onde, ao mesmo tempo
em que cresce a sensibilidade para com a defesa dos animais, cresce a
indiferença para com a defesa da vida humana, especialmente dos que vivem pelas
ruas.
O
que dizer então da inversão de valores? O Evangelho nos pergunta com quem nos
identificamos: com Jesus ou com Barrabás? Somos discípulos d’Aquele que oferece
sua vida para que outros tenham vida, ou daquele que não se importa com a vida
alheia? A multidão preferiu Barrabás, um assassino. Quais são as músicas
preferidas hoje? Quais são os artistas, os filmes, as novelas, os livros e os
vídeos de maior sucesso atualmente? A inversão de valores do mundo atual ataca
diretamente toda pessoa que defenda valores como família, honestidade,
fidelidade, justiça etc. Pilatos cedeu à “preferência popular”. E nós,
cristãos? Nós nos movemos na vida pressionados pela “preferência” das pessoas à
nossa volta, ou nos movemos pela nossa consciência?
O
mal é visível e palpável no mundo em que vivemos. Sendo verdadeiro Servo de
Deus, Jesus não fechou o seu ouvido, nem virou o seu rosto quando foi
confrontado pelo mal – a violência dos homens (cf. Is 50,4-7). Pelo contrário,
ele abriu seus ouvidos para ouvir o que o Pai tinha a dizer ao ser humano que
sofre. No meio de tantas pessoas desoladas, Jesus nos convida a manter nossos
ouvidos abertos ao Pai, para que Ele coloque em nossa boca palavras de conforto
para as pessoas que estão abatidas à nossa volta. Uma pessoa que serve a Deus
não pode ficar calada diante do sofrimento do seu semelhante.
Na
hora em que Jesus estava para ser crucificado, “deram-lhe vinho misturado com
mirra, mas ele não o tomou” (Mc 15,23). Essa bebida servia como anestésico,
para que a pessoa que fosse crucificada não sentisse toda a intensidade da dor
da crucificação. Jesus rejeita esse anestésico; quer sofrer conscientemente.
Como nós nos portamos diante da nossa ou da dor dos outros? Usamos de meios
para manter nossa consciência anestesiada? Todos nós somos influenciados por um
mundo que não aceita a dor e que oferece uma porção de subterfúgios para não
senti-la. As drogas que o digam! Jesus nos desafia a encarar a vida nos olhos e
a não fugir daquilo que nos cabe enfrentar.
“Vivemos
em uma sociedade da positividade. A dor é a negatividade pura e simplesmente. O
treino de resiliência como treino de resistência espiritual tem de formar, a
partir do ser humano, um sujeito de desempenho permanentemente feliz, o mais
insensível à dor possível. A sociedade paliativa coincide com a sociedade do
desempenho. A dor é vista como um sinal de fraqueza. A passividade do sofrer
não tem lugar na sociedade ativa dominada pelo poder. Nada deve provocar dor. Esquece-se
que a dor purifica” (Byung-Chul Han, Sociedade paliativa – a dor hoje).
A
crucificação foi a violência suprema sofrida por Jesus. Não se trata somente da
dor física da crucificação, mas da dor “moral”, a dor de ser declarado perante
o mundo um homem “condenado”, condenado pelos homens e condenado pelo próprio
Deus! Se Jesus aceitou a violência da condenação à morte foi para livrar todo
ser humano de sentir-se condenado e de ser condenado (cf. Rm 8,1). Por isso,
hoje Jesus pede a nós, seus discípulos, para sermos uma presença libertadora
junto a toda pessoa crucificada por inúmeras formas de violência neste mundo. É
missão de todo discípulo de Jesus levar “palavras de conforto à pessoa abatida”
(Is 50,4); ser uma presença de conforto junto a toda pessoa atingida por algum
tipo de cruz, especialmente para que ela não se sinta abandonada por Deus
naquela situação.
O
silêncio que Jesus manteve durante o seu julgamento e a sua crucificação foi
rompido com uma oração: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc
15,34). Como é possível que aquele que a vida toda confiou no Pai morra
sentindo-se abandonado por Ele? Certamente, nunca o Pai esteve tão junto do seu
Filho como neste momento de cruz, mas Jesus expressa no seu grito a verdade
mais profunda que nos habita: na hora mais intensa da dor, nós não sentimos
Deus. Ele está ali, nos sustentando nos Seus braços, mas, naquele momento, nós
nos sentimos completamente sozinhos, literalmente abandonados!
“Meu
Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mc 15,34). Quantas pessoas que
morreram de câncer ou de outras doenças fizeram essa pergunta na hora da morte?
Quantas famílias, esposas, maridos, filhos, pais, fizeram essa mesma pergunta,
ao perderam alguém que eles amavam? Essa pergunta não pode ser ignorada, porque
ela nos habita: para cada ser humano que crê, sempre chegará o momento de
questionar Deus. A fé nunca será blindada contra a dúvida, contra o sentimento
de abandono por parte de Deus. Então, o melhor que temos a fazer é nos jogar
nos braços do Pai dizendo o quanto estamos nos sentindo sozinhos, abandonados,
esquecidos, ignorados por Ele!
Se
muitas pessoas se escandalizam com o questionamento que o Filho faz ao Pai na
hora da morte, um homem não se escandaliza; pelo contrário, se abre à fé, ao
ver como Jesus morre: “Quando o oficial do exército, que estava bem em frente
dele, viu como Jesus havia expirado, disse: 'Na verdade, este homem era Filho
de Deus!’” (Mc 15,39). A maneira como lidamos com a nossa cruz, com a dor que
atravessa o nosso caminho, com o sofrimento que atinge pessoas à nossa volta,
pode levar outros à fé. Quem dera as pessoas, ao nos virem sofrer e até mesmo
morrer, dissessem a nosso respeito: “Verdadeiramente, essa pessoa era uma filha
de Deus!”. A experiência de cruz não se dá em nossa vida para destruir a nossa
fé, mas para comprová-la! O Pai permite que a cruz atravesse o nosso caminho
não para nos fazer desistir de sermos discípulos de seu Filho, mas para nos
confirmar como tais.
Diante
desse Pai, “Jesus deu um forte grito e expirou” (Mc 15,37). No grito de Jesus
está o grito de cada ser humano por vida, por paz, por justiça, por
misericórdia, por perdão... Expirando, Jesus entrega seu hálito de vida (seu
espírito) a Deus. Expirar lembra término. Chegará o momento em que iremos
expirar, como Jesus. Que o nosso expirar seja vivido segundo as palavras do
apóstolo Paulo: “sei em quem depositei a minha fé” (2Tm 2,12). Sei nas mãos de
quem eu entrego o meu espírito: nas mãos do Pai que conta cada um dos meus
passos errantes e recolhe no seu odre cada uma das minhas lágrimas (cf. Sl
56,9), para enxugá-las e recompensá-las (cf. Is 25,8; Ap 7,17). Quer eu esteja
vivo, quer eu morra, continuarei pertencendo ao Senhor Jesus (cf. Rm 14,7-8)!
Pe. Paulo
Cezar Mazzi
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