Missa do 4º dom. Quaresma. Palavra de Deus: Crônicas 36,14-16.19-23; Efésios 2,4-10; João 3,14-21.
Nós
já percorremos três semanas do nosso caminho quaresmal. Agora que estamos
iniciando a quarta semana, já é possível ver algo despontando no horizonte:
alguém foi levantado numa cruz! A explicação dessa imagem nos é dada pelo
próprio Jesus: “Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto,
assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que
nele crerem tenham a vida eterna” (Jo 3,14-15). Da mesma forma como o povo de
Israel, picado por serpentes venenosas no deserto, encontrou cura e salvação ao
olhar para a imagem de uma serpente de bronze, fabricada por Moisés por ordem
de Deus (cf. Nm 21,8-9), assim Jesus se tornará na cruz uma imagem da salvação
de Deus para a humanidade, mas essa salvação depende da fé: “É necessário que o
Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida
eterna” (Jo 3,14-15).
A
fé que nos salva não está na imagem do Crucificado, e sim no que ela significa,
e o próprio Jesus explica: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho
unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna”
(Jo 3,16). A primeira verdade na qual somos chamados a crer é esta: Deus ama a
humanidade, e a prova desse amor está explícita na cruz de seu Filho. Porém,
muitos perguntam que amor é esse que parece ter abandonado a humanidade a si
mesma; que amor é esse que permite o câncer e tantas outras doenças, as
catástrofes, as guerras, a violência, a desintegração das famílias, a
desorientação da humanidade etc.
A
imagem do Crucificado coloca em crise a nossa ideia a respeito do amor. Para
nós, quem ama faz de tudo para que o amado não sofra. No entanto, Deus vê as
coisas de outra maneira. Quem ama educa e corrige o amado (cf. Hb 12,5-13).
Quem ama permite situações difíceis na vida do amado, para que ele cresça,
amadureça e se torne forte perante os desafios da vida. No Antigo Testamento,
Deus amou Israel, e, no entanto, permitiu que seu povo fosse exilado na
Babilônia por vários anos (cf. 2Cr 36,19-20). Estando naquela situação de
sofrimento, Israel se sentiu abandonado e esquecido por Deus, mas o próprio
Deus lhe garantiu: “Se de ti, Jerusalém, algum dia eu me esquecer, que resseque
a minha mão! Que se cole a minha língua e se prenda ao céu da boca, se de
ti não me lembrar! Se não for Jerusalém minha grande alegria!” (Sl 137,5-6).
A
humanidade tem feito inúmeras experiências de exílio, não porque Deus assim o
queira, mas justamente por ter virado as costas para Deus. O mundo moderno
empurrou Deus para fora; consequentemente, ele se sente tomado por um grande
vazio, traduzido em insegurança, medo, apatia, desencanto, orfandade etc. Assim
como a experiência do exílio foi uma correção para o povo de Israel, assim Deus
permite exílios para corrigir o ser humano, na esperança de que ele reveja as
suas atitudes, pare de ferir a si mesmo e ao seu semelhante, e decida voltar a
se deixar amar e cuidar por Deus.
Embora
o pessimismo tenha tomado conta do coração de muitas pessoas, Jesus nos lembra
de uma outra grande verdade: “Deus não enviou o seu Filho ao mundo para
condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3,17). Todo
pregador que distorce a Palavra de Deus para incutir medo e ameaçar pessoas não
entendeu o Evangelho. Justamente porque ama a humanidade, Deus “deseja que
todos os homens sejam salvos” (1Tm 2,4). É nossa missão nos colocar junto de
pessoas que desistiram não somente de Deus, mas também de si mesmas, e anunciar
que não há fim de linha nem estrada sem saída para ninguém. “Não existe mais
condenação para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8,1).
Se
é verdade que Jesus veio ao mundo para salvar, não para condenar, existe a
possibilidade de condenação por parte da pessoa que escolhe as trevas e não a
luz: “A luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque
suas ações eram más” (Jo 3,19). O que Jesus está nos dizendo é que escolher a
luz implica em renunciar às trevas, e muitas pessoas, apesar de desejarem a luz
– ser salvas –, não estão dispostas a pagar o preço de renunciar às trevas,
porque estas lhes dão algum tipo de ganho ou de compensação. Em outras
palavras, quem faz o mal não o faz por ser mal, mas por querer ganhar algo com
o mal que faz. Só quem aceita perder esse ganho, abrir mão dessa compensação
que tem como custo o mal provocado a si mesmo, aos outros, à humanidade,
consegue sustentar a sua escolha pela luz.
Jesus
entende que escolher a luz significa agir conforme a verdade: “Quem age
conforme a verdade aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são
realizadas em Deus” (Jo 3,21). Em outras palavras, ninguém é salvo por saber ou
conhecer a verdade, mas por decidir viver segundo ela. A verdade é o Evangelho
(“Palavra da verdade”, cf. Ef 1,13). Quando agimos conforme a verdade, sentimos
paz e temos saúde física, emocional e alegria espiritual. Quando agimos em
desacordo com a verdade, perdemos nossa paz, começamos a adoecer e a tristeza
passa a morar em nosso espírito.
Três
perguntas podem nos ajudar a rezar a nossa vida diante da Palavra de Deus,
neste quarto domingo da Quaresma: 1) Eu creio no amor de Deus pela humanidade,
manifestado visivelmente na cruz de seu Filho Jesus? 2) Qual sentimento é mais
frequente em meu interior: o de condenação ou o de salvação? 3) Eu me esforço
para viver segundo a verdade do Evangelho no meu dia a dia?
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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