Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo. Palavra de Deus: Isaías 52,13 – 53,12; Hebreus 4,14-16; 5,7-9; João 18,1 – 19,42.
Aquilo
que mais faz as pessoas se afastarem da fé em Deus é a experiência do
sofrimento. Nós inventamos uma forma de ver a vida onde Deus e o sofrimento são
inconciliáveis: onde está Deus não pode estar o sofrimento; onde está o
sofrimento não pode estar Deus. Um exclui o outro. Logo, para muitos, a ferida
do sofrimento que atinge cada vez mais pessoas no mundo é a “prova” de que, ou
Deus não existe, ou, se existe, não se preocupa com o mundo. Quem afirma isso
se esquece de que “o discurso de Deus é a própria vida, a vida que é uma
correção constante, e por vezes dolorosa, dos nossos desejos e ilusões” (Tomás
Halík, A noite do confessor, p.106).
Embora
tenhamos a tendência a nos desviar do sofrimento, o profeta Isaías nos coloca
frente a frente com o Servo Sofredor, “um homem tão desfigurado pelo sofrimento
que não parecia ter aspecto humano” (Is 52,14). De fato, ele “não tinha beleza
nem aparência que nos agradasse” (Is 53,2). Quando nos deixamos levar por uma
sociedade que valoriza a estética, a aparência, e despreza aquilo que não tem
beleza, acabamos por não conseguir enxergar Deus no rosto de alguém coberto de
dores e cheio de sofrimentos. Com que olhos você se vê quando está sofrendo?
Você vê apenas a casca, ou é capaz de enxergar mais profundamente as
transformações que estão acontecendo em você com a experiência da dor?
“Ele
cresceu diante do Senhor, como raiz em terra seca” (Is 53,2). É possível crescer
na dor, na aridez, na experiência do sofrimento! Para nós, ele era “alguém
castigado por Deus” (Is 53,4) ou pelo destino; mas “ele foi ferido por nossos
pecados, esmagado por nossos crimes” (Is 53,5). Antes de jogarmos nas costas de
Deus a responsabilidade pelo sofrimento que existe no mundo, é importante nos
perguntar qual é a nossa parcela de responsabilidade em criar ou alimentar
situações de sofrimento à nossa volta. Nossos pecados, nossos pequenos crimes
causam sofrimento nas pessoas e no ambiente ao nosso redor.
O
maior desafio no sofrimento é readquirir a confiança
Meditando
sobre o sofrimento de Jesus, a carta aos Hebreus nos lembra que ele não está
mais na cruz, mas no céu, como aquele que intercede por nós. Por isso
“permaneçamos firmes na fé que professamos” (Hb 4,14), pois Jesus é capaz de se
compadecer de nossas fraquezas, uma vez que foi provado em tudo como nós. Nada
que nos acontece é estranho a Jesus. Nenhuma dor, nenhum sofrimento, nenhum
absurdo pelo qual você passa é estranho ou desconhecido para ele. “Aproximemo-nos
então com toda a confiança do trono da graça” (Hb 4,16), que é a sua Cruz, e
oremos por toda a humanidade, sabendo que Jesus “provou a morte em favor de
todos os homens” (Hb 2,9).
A
maneira como Jesus lidou com seu sofrimento de cruz tem muito a nos ensinar. “Então
Jesus disse a Pedro: ‘Guarda a tua espada na bainha. Não vou beber o cálice que
o Pai me deu?’” (Jo 18,11). Beber o cálice é compreender que a dor deve doer. A
dor da renúncia para nos manter fiéis à missão que Deus nos confiou deve doer.
A dor da fidelidade, do não nos conformar com esse mundo, do fazer em tudo a
vontade de Deus deve doer.
“Eu
nasci e vim ao mundo para isto: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que
é da verdade escuta a minha voz" (Jo 18,37). Jesus não veio ao mundo nos
oferecer uma vida de ilusão e fantasia, mas o confronto com a verdade que,
embora doa, é necessária para a nossa cura e a nossa salvação.
“Tu
não terias autoridade alguma sobre mim, se ela não te fosse dada do alto. Quem
me entregou a ti, portanto, tem culpa maior” (Jo 19,11). Quando nos confiamos a
Deus, não precisamos temer as pessoas. Nada nos atingirá, sem o consentimento
do Pai. Além disso, toda autoridade precisa saber que prestará contas a Deus. Exercer
o poder sobre os outros é uma grande responsabilidade.
“Ele
tomou o vinagre e disse: ‘Tudo está consumado’. E, inclinando a cabeça,
entregou o espírito” (Jo 19,30). Cumpri minha missão. “Conclui a obra que me encarregaste
de realizar” (Jo 17,4). “Não perdi nenhum daqueles que tu me deste” (Jo 17,12).
Como concluiremos a nossa vida?
“Olharão
para aquele que transpassaram” (Jo 19,37). Nesta tarde, em que Jesus foi
elevado da terra para atrair tudo a si (cf. Jo 12,32), para reunir todos os
filhos de Deus dispersos (cf. Jo 11,52), nós nos colocamos aos pés da sua cruz,
diante do trono da graça, permanecendo firmes em nossa fé e rezando por toda a
humanidade.
“Então José veio tirar o corpo de Jesus. Chegou
também Nicodemos...
Levou uns trinta quilos de perfume feito de mirra e aloés. Então tomaram o corpo de
Jesus
e envolveram-no, com os aromas, em faixas de linho, como os judeus costumam sepultar” (Jo 19,38.39.40). Como Nicodemos,
queremos espalhar perfume da vida onde existe o mau cheiro da morte; o perfume
da esperança onde há o mau cheiro do desespero; o perfume da consolação onde há
o mau cheiro da desolação; o perfume da solidariedade onde há o mau cheiro da
indiferença; o perfume da palavra de conforto onde há o mau cheiro do
abatimento; o perfume da reconciliação onde há o mau cheiro da inimizade...
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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