quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

SEU CORPO É UM TEMPLO HABITADO POR DEUS OU OCUPADO POR DEMÔNIOS?

 Missa do 3º. Dom. Quaresma. Palavra de Deus: Êxodo 20,1-3.7-17; 1Coríntios 1,22-25; João 2,13-25.  

 

            Geralmente, a imagem que os Evangelhos nos dão de Jesus é a de um homem sereno, pacífico, manso e humilde. Mas a cena do Evangelho de hoje nos apresenta um Jesus enérgico, “agressivo”, que, ao ver o Templo, a casa do seu Pai, ser corrompido em casa de comércio, faz um chicote de cordas e expulsa todos do Templo. Essa atitude enérgica de Jesus tem uma justificativa: a religião jamais pode estar a serviço do enriquecimento dos seus dirigentes, sobretudo quando esse enriquecimento é fruto da exploração da miséria dos que buscam na religião o socorro de Deus. Além disso, a religião também não pode ser distorcida em autoajuda, em motivação empresarial, de modo que Deus seja instrumentalizado e colocado a serviço da ambição ou dos sonhos de enriquecimento dos “fiéis” que a frequentam.

“Tirai isso daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” (Jo 2,16). Quantos de nós temos uma relação “comercial” com Deus? Temos sonhos, projetos, desejos, e achamos que Deus é o encarregado de realizá-los. Consciente ou inconscientemente, muitas pessoas estão nas igrejas não para servirem a Deus, mas para se servirem d’Ele, em vista dos seus desejos egoístas. Essa maneira comercial de viver a fé foi chamada por Rodrigo Bibo, autor do livro “O Deus que destrói sonhos”, de “teologia da Xuxa”, uma vez que a mesma costumava cantar uma música cuja letra dizia: “Tudo o que eu quiser, o cara lá de cima vai me dar” (Lua de Cristal).

  A verdade é que, num primeiro momento, ninguém procura Deus gratuitamente, mas sempre movido por uma necessidade. Normalmente é a dor, e não o amor, que move as pessoas a irem a um templo e a orarem a Deus. Mas Jesus deseja nos conduzir a um nível mais profundo de fé, onde aquilo que nos move na direção de Deus não seja uma necessidade, mas simplesmente o amor, como um filho que procura o pai não porque precisa de algo, mas porque ama o pai e quer ficar na presença dele.

Ao ser questionado sobre seu “ataque” ao sistema corrompido do judaísmo do seu tempo, Jesus fez uma revelação surpreendente, que não foi compreendida de imediato: “Jesus estava falando do Templo do seu corpo” (Jo 2,21). Existem incontáveis templos na face da terra, mas somente Jesus é o verdadeiro Templo, porque somente por meio d’Ele podemos ter acesso ao Pai (cf. Ef 2,18). Numa época em que a descrença e a indiferença religiosa crescem mais do que a procura por Deus nas diversas religiões, todos precisamos ser “chicoteados” por essas palavras do apóstolo Paulo: “Os judeus pedem sinais milagrosos... Nós, porém, pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus... Esse Cristo é poder de Deus” (1Cor 1,22.23.24). O Corpo crucificado de Jesus, presente nos crucificados do nosso tempo, é o lugar do encontro com o verdadeiro Deus.

Se Jesus entendeu o seu Corpo como Templo de Deus, nós também devemos recobrar a consciência de que o Espírito de Deus habita em nós, o que significa que também o nosso corpo é templo de Deus (cf. 1Cor 3,16-17; 6,19). Desse modo, as palavras de Jesus – “Tirai isso daqui!” – também devem ser entendidas em relação ao nosso corpo. Justamente porque vivemos numa sociedade erotizada, que reduz o afeto ao prazer e à satisfação dos nossos desejos instintivos, o corpo é hoje um templo profanado por inúmeros comerciantes. A pornografia é uma das cinco indústrias mundiais que mais ganha dinheiro. Segundo a neurociência, o seu poder de viciar é mais forte que o da cocaína. Temos também a indústria do tráfico de órgãos: pessoas pobres são sequestradas e têm seus órgãos retirados para a venda no mercado clandestino, “salvando” a vida dos ricos que podem pagar por órgãos traficados. A série “Coração marcado” denuncia isso claramente. Temos ainda o problema da pedofilia e da prostituição infantil, conhecidas, toleradas e praticadas por “gente grande” em muitas partes do nosso País: políticos, juízes, médicos etc.   

“Tirai isso daqui!”. Esta ordem de Jesus precisa questionar a presunçosa autonomia dos que afirmam: “meu corpo, minhas regras”. Como alguém sabiamente disse: “Seu corpo tem suas regras? A vida tem seus direitos!”. Um embrião ou um feto não é um órgão que pertence ao corpo da mulher e que ela pode decidir extirpar dele, se assim o desejar. Além disso, devemos considerar o fenômeno atual das tatuagens. Buscando modelos ou ídolos – destaque para os jogadores de futebol –, as novas gerações mergulham de cabeça na onda de tatuar-se. Ignorando totalmente o próprio corpo como templo de Deus, tatuam-se de maneira cada vez mais extravagante, nunca se dando ao trabalho de perguntar a Deus na sua consciência o que Ele acha daquela tatuagem (Elas conhecem os dez mandamentos???). São “templos pichados” com toda espécie de imagens, frases (inclusive bíblicas!) ou símbolos – um comportamento próprio de uma geração paganizada.  

Muito mais do que diante do chicote de Jesus, o Evangelho de hoje quer nos colocar diante dessa verdade: Jesus “conhecia o homem por dentro” (Jo 2,25). Diante de uma geração como a nossa, excessivamente preocupada com o corpo, mas desleixada quanto à consciência, Jesus nos vê no profundo de nós mesmos; Ele sabe o que se esconde dentro de nós e que ninguém vê. Ele conhece cada pensamento, sentimento e desejo que se escondem nas regiões mais profundas e obscuras de nós mesmos. Ele conhece o lixo que se acumula dentro de nós há muito tempo. Ele enxerga não somente as nossas tatuagens, mas principalmente os motivos que nos levaram a fazê-las. Deixemos com que Ele nos diga o que deve ser tirado do nosso corpo, da nossa alma e do nosso espírito, para que o templo que somos seja reconstruído e volte a ser o lugar da habitação de Deus e não dos demônios que permitimos que passassem a morar dentro de nós.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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