Missa da quarta-feira de Cinzas. Palavra de Deus: Joel 2,12-18; 2Coríntios 5,20 – 6,2; Mateus 6,1-6.16-18
Para
compreendermos a importância do tempo da quaresma, podemos nos lembrar do apelo
de Jonas à cidade de Nínive: “Dentro de quarenta dias, Nínive será destruída”
(Jn 3,4). A primeira pergunta que podemos nos fazer é esta: Há algo que está
sendo destruído (ou correndo o risco de sê-lo) em minha vida ou à minha volta? A
força que provoca a destruição em nossa vida se chama pecado, e pecado
significa “fazer o que é mal aos olhos de Deus” (cf. Sl 51,6). A destruição ou
a ameaça dela em nossa vida pode ser barrada, pode ser revertida em
reconstrução. Para que isso aconteça, precisamos mudar de atitude, e tal
mudança se chama “conversão”.
Quem
nos faz esse apelo de mudança, de conversão, é o próprio Deus: “Voltai para mim
com todo o vosso coração” (Jl 2,12), isto é, com sinceridade e em profundidade.
Poderíamos lembrar também dessas palavras: “Voltai-vos para mim e sereis
salvos, homens todos dos confins de toda a terra” (Is 45,22). O filho só pode
ter vida junto do Pai. Não há vida, felicidade, paz ou alegria quando nos
afastamos de Deus. E da mesma forma que o nosso afastamento de Deus levou tempo
para acontecer, a volta para Ele se dá num tempo simbólico de quarenta dias.
Quarenta
dias é um tempo espiritual, chamado pelo apóstolo Paulo de “momento favorável”
e “dia da salvação” (2Cor 6,2). É o tempo espiritual onde uma ferida pode ser tratada
e curada, onde uma ponte pode ser construída sobre o abismo do distanciamento e
da separação, onde pode ocorrer em nós a mudança do coração de pedra
(desumanizado) em coração de carne (humanizado). Mais do que tudo, é o tempo de
“deixar-se reconciliar com Deus” (cf. 2Cor 5,20).
Jesus
também viveu sua quaresma. Antes de iniciar a sua missão, ele ficou no deserto
quarenta dias, como veremos no Evangelho de domingo: “O Espírito impeliu Jesus
para o deserto. E ele esteve no deserto quarenta dias” (Mc 1,12-13). Por que o
deserto? Porque é só numa situação de deserto que conseguimos voltar a ouvir e
obedecer à voz de Deus em nossa consciência: “Eu a conduzirei ao deserto e lá
lhe falarei ao coração” (Os 2,16).
O
Espírito Santo convida-nos diariamente à conversão, porque ela não é um fato
que acontece uma vez para sempre. Ninguém caminha na vida sem tropeçar, cair ou
se desviar de Deus. Retomar o caminho é uma necessidade constante. Rever nossos
valores, nossas prioridades, é necessário para evitar ou interromper um
processo de destruição de nós mesmos, dos nossos relacionamentos, dos nossos
sonhos e da vida que o Pai deseja para cada um de nós, seus filhos.
No
início desse período de quarenta dias de esforço por mudar aquilo que em nós
está provocando destruição e morte, Jesus nos convida a rever três áreas da
nossa vida: a área da nossa convivência com as pessoas. Neste sentido, a esmola
não é simplesmente dar qualquer coisa a quem necessita, só para tranquilizar a
nossa consciência. Trata-se de recuperar a nossa sensibilidade social,
lembrando o alerta do Papa Francisco: “Surgem novas formas de egoísmo e de
perda do sentido social” (FT 11). Outra área da nossa vida é o relacionamento
com Deus: vida de oração. Nenhuma mudança em nossa vida é possível sem a ação
da graça de Deus em nós. O barro não pode tornar-se coisa alguma se não se
colocar nas mãos do Oleiro. Disciplinar-se na oração diária é uma importante
penitência para esse tempo de quaresma. Por fim, uma terceira área é a maneira
como lidamos com os nossos desejos, afetos e instintos. Nesse sentido, o jejum
é um freio de mão que puxamos para interromper um comportamento desenfreado que
está nos arruinando. Jejuar significa recuperar a nossa liberdade perante tudo
aquilo que nos afeta, fortalecendo a consciência de que podemos não ser
responsáveis pelo que sentimos, mas somos responsáveis pelo consentir que
determinado sentimento nos leve a pecar, prejudicando a nós mesmos ou ao
próximo.
A Campanha
da Fraternidade, realizada em toda Quaresma, nos ensina que o pecado tem sempre
uma dimensão pessoal e outra social. O tema da CF deste ano é: “Vós sois todos
irmãos e irmãs” (Mt 23,8). O mal que penetra no mundo tem suas raízes na quebra
das relações fraternas. O Papa Francisco, na Encíclica Fratelli Tutti, nos
lembra de que o nosso mundo atual “privilegia os interesses individuais e
debilita a dimensão comunitária da existência” (FT 12). Somos chamados a “cuidar
da fragilidade; cuidar dos frágeis das nossas famílias, da nossa sociedade, do
nosso povo” (FT 115). “Precisamos fazer crescer a consciência de que, hoje, ou
nos salvamos todos ou não se salva ninguém” (FT 137). Que a vivência da
Quaresma deste ano nos leve a “sentir todo ser humano como um irmão” (FT 287).
As
cinzas que vamos receber sobre a nossa cabeça nos recordam o que o Senhor Deus
disse a Adão, após o pecado: “Você é pó e ao pó voltará” (Gn 3,19). A quaresma
quer nos ajudar a recuperar a consciência de que todo pecado nos leva para a
morte (cf. Rm 6,23). Ter consciência da nossa morte pode nos ajudar a rever os
nossos valores e a viver a nossa vida de outra maneira. Quem tem consciência da
própria morte não vive perdido em meio a coisas urgentes e acidentais, mas
mantém o foco naquilo que é essencial, e o essencial é a nossa salvação.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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