Missa do 5º dom. comum. Palavra de Deus: Jó 7,1-4.6-7; 1Coríntios 9,16-19.22-23; Marcos 1,29-39.
“Luta, decepção, sofrimento, sem
esperança”. Essas palavras estão presentes no desabafo de um homem enfermo,
muito conhecido no mundo bíblico: Jó. Seu livro foi escrito para desmontar uma
tese errada: toda doença ou sofrimento é fruto do pecado e, portanto, castigo
de Deus. Essa distorção da imagem de Deus foi corrigida pelo próprio Jó, ao
afirmar que, antes de passar pelo sofrimento que passou, ele só tinha ouvido
falar de Deus, mas depois da sua dura experiência de dor, Jó conheceu a Deus de
maneira mais profunda (cf. Jó 42,5).
“Luta, decepção, sofrimento, sem
esperança”: tudo isso está contido na experiência da doença. Quando adoecemos,
lutamos não só pela vida, mas para manter a nossa fé. Na doença, frequentemente
nos decepcionamos com Deus: não esperávamos que Ele fosse permitir aquele
sofrimento em nossa vida. Uma vez doentes, sofremos não só por causa dos
efeitos da doença em nosso corpo ou em nossa alma, mas sofremos também para manter
a nossa confiança em Deus. Por fim, pior do que a doença em si mesma é nos
tornarmos uma pessoa sem esperança. Deixar de esperar em Deus é nos fechar a
toda possibilidade de cura ou de libertação do nosso sofrimento.
A doença não é uma possiblidade em
nossa vida, mas uma certeza: cedo ou tarde, de uma forma ou de outra, ela nos
alcançará, devido à nossa natureza mortal. Além disso, como afirmou o Papa
Francisco, “não podemos pretender ser saudáveis vivendo num mundo doente”. A
principal fonte de adoecimento vem dos alimentos que ingerimos, cultivados na
base de agrotóxicos – alguns cancerígenos – e de hormônios. Outra fonte de adoecimento
é o estresse, a correria da vida, o sedentarismo (falta de exercícios físicos),
o descuido com a alma (silêncio, meditação, oração) e, mais do que tudo, o
vício das telas. Como sabiamente afirmou Renato Russo, “nos deram espelhos e
vimos um mundo doente” (Índios, 1986). Através do espelho da tela do celular,
do computador, da televisão, diariamente vemos um mundo doente e nos tornamos tão
doentes quanto ele.
Justamente porque o lugar do médico
é junto das pessoas enfermas, Jesus sempre se deixou afetar pelo sofrimento das
pessoas doentes. Através dele, descobrimos que o nosso Deus não é o “Deus dos
justos”, como pensavam os líderes religiosos do judaísmo, mas o “Deus dos que
sofrem”. O judaísmo entendia a doença como castigo de Deus. “A exclusão do
templo, lugar santo onde Deus habita, lembra de maneira implacável aos enfermos
aquilo que eles já perceberam no fundo de sua enfermidade: Deus não os ama
como ama os outros” (Pe. José Pagola, Jesus – aproximação histórica, p.195). Ao
se colocar junto dos doentes, Jesus afirma que “Deus é, antes de mais nada, o
Deus dos que sofrem o desamparo e a exclusão” (Pe. José Pagola, Jesus –
aproximação histórica, p.196).
Por ter uma vida de oração disciplinada
e procurar em tudo fazer a vontade do Pai, Jesus se tornou uma fonte de cura
para as pessoas enfermas: “Dele saía uma força que curava a todos” (Lc 6,19).
Essa força tem um nome: Espírito Santo. Mas as curas que Jesus realizava não aconteciam
sem a participação ativa dos doentes; elas só aconteciam mediante a fé. Antes
da cura, Jesus sempre procurava suscitar no enfermo sua confiança em Deus. “Jesus
não cura para despertar a fé, mas pede fé para que seja possível a cura” (Pe.
José Pagola, Jesus – aproximação histórica, p.205). A cada pessoa enferma Jesus
pede fé na bondade de Deus, o Deus que “conforta os corações despedaçados,
enfaixa suas feridas e as cura” (Sl 147,3).
“Olhar, dialogar, tocar”. As curas
que Jesus realizou normalmente tinham essas três atitudes: olhar, enxergar a
pessoa enferma, não ignorá-la, deixar-se afetar pelo sofrimento dela. Depois,
dialogar, ouvir a pessoa – falar cura –, mas também questionar o enfermo – sua forma
de viver e de lidar com as situações podem causar adoecimento a si próprio. Por
fim, tocar na pessoa doente. Nossas palavras e nossas mãos podem ser portadoras
de cura: “A sogra de Simão estava de cama, com febre, e eles logo contaram a
Jesus. E ele se aproximou, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se. Então, a
febre desapareceu” (Mc 1,30-31). Quantas pessoas estão enfermas em suas casas e
ninguém da família se dispõe a ouvi-la, a falar com ela, a tocar nela e a ajudá-la
a se levantar?
“Jesus
curou muitas pessoas de diversas doenças e expulsou muitos demônios” (Mc 1,34).
Na época de Jesus, todas as doenças psíquicas eram entendidas como possessão
demoníaca. Hoje as doenças psíquicas estão crescendo cada vez mais, atingindo
inclusive crianças, adolescentes e jovens. Muitas delas são fruto da ausência de
pai e de mãe na vida do filho – ausência de diálogo, de afeto e de limite. O
uso excessivo de celular, o vício nas redes sociais ou nos jogos eletrônicos e
o ficar o tempo todo no quarto, diante do computador, sem conviver e dialogar
com pessoas reais, tudo isso é um terreno propício para o adoecimento mental.
“De
madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar
deserto” (Mc 1,35). Ninguém é uma fonte inesgotável de cuidado para com os
outros, nem mesmo Jesus. Ninguém deve se deixar sugar e esgotar pelas
constantes solicitações dos outros. Ninguém pode ser curado se não se colocar
na diariamente na presença do Médico dos médicos: o Pai. A cura acontece pelo
tocar, e cabe a cada um de nós disciplinar-se na vida de oração, para dar ao
Pai o tempo que Ele necessita para nos tocar e nos curar. Além disso, não se
trata de entender a oração como uma mera recarga de bateria para continuarmos a
viver a vida de uma maneira doentia. A oração é o momento em que o barulho que
nos adoece silencia, e nós temos a coragem encarar a nossa verdade, rever as
nossas prioridades e nos conscientizar para o quê devemos dizer “não” e para o
quê devemos dizer “sim”.
Enfim,
não nos esqueçamos de que doença tem nome. Só é possível tratar uma doença
quando se sabe que doença é. Muitas famílias estão enfermas por doenças como
falta de organização na vida financeira, falta de limites para os filhos, sobrecarga
de um e folga dos demais, alimentação industrializada, falta de coragem em
falar o que se sente – quem não explode, implode –, falta de silêncio, limpeza
e organização da própria casa, a substituição do diálogo por “cada um diante da
sua tela” etc.
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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