quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

O QUE A MINHA DOENÇA ESTÁ TENTANDO ME DIZER?

 Missa do 5º dom. comum. Palavra de Deus: Jó 7,1-4.6-7; 1Coríntios 9,16-19.22-23; Marcos 1,29-39.

 

            “Luta, decepção, sofrimento, sem esperança”. Essas palavras estão presentes no desabafo de um homem enfermo, muito conhecido no mundo bíblico: Jó. Seu livro foi escrito para desmontar uma tese errada: toda doença ou sofrimento é fruto do pecado e, portanto, castigo de Deus. Essa distorção da imagem de Deus foi corrigida pelo próprio Jó, ao afirmar que, antes de passar pelo sofrimento que passou, ele só tinha ouvido falar de Deus, mas depois da sua dura experiência de dor, Jó conheceu a Deus de maneira mais profunda (cf. Jó 42,5).  

            “Luta, decepção, sofrimento, sem esperança”: tudo isso está contido na experiência da doença. Quando adoecemos, lutamos não só pela vida, mas para manter a nossa fé. Na doença, frequentemente nos decepcionamos com Deus: não esperávamos que Ele fosse permitir aquele sofrimento em nossa vida. Uma vez doentes, sofremos não só por causa dos efeitos da doença em nosso corpo ou em nossa alma, mas sofremos também para manter a nossa confiança em Deus. Por fim, pior do que a doença em si mesma é nos tornarmos uma pessoa sem esperança. Deixar de esperar em Deus é nos fechar a toda possibilidade de cura ou de libertação do nosso sofrimento.

            A doença não é uma possiblidade em nossa vida, mas uma certeza: cedo ou tarde, de uma forma ou de outra, ela nos alcançará, devido à nossa natureza mortal. Além disso, como afirmou o Papa Francisco, “não podemos pretender ser saudáveis vivendo num mundo doente”. A principal fonte de adoecimento vem dos alimentos que ingerimos, cultivados na base de agrotóxicos – alguns cancerígenos – e de hormônios. Outra fonte de adoecimento é o estresse, a correria da vida, o sedentarismo (falta de exercícios físicos), o descuido com a alma (silêncio, meditação, oração) e, mais do que tudo, o vício das telas. Como sabiamente afirmou Renato Russo, “nos deram espelhos e vimos um mundo doente” (Índios, 1986). Através do espelho da tela do celular, do computador, da televisão, diariamente vemos um mundo doente e nos tornamos tão doentes quanto ele.

            Justamente porque o lugar do médico é junto das pessoas enfermas, Jesus sempre se deixou afetar pelo sofrimento das pessoas doentes. Através dele, descobrimos que o nosso Deus não é o “Deus dos justos”, como pensavam os líderes religiosos do judaísmo, mas o “Deus dos que sofrem”. O judaísmo entendia a doença como castigo de Deus. “A exclusão do templo, lugar santo onde Deus habita, lembra de maneira implacável aos enfermos aquilo que eles já perceberam no fundo de sua enfermidade: Deus não os ama como ama os outros” (Pe. José Pagola, Jesus – aproximação histórica, p.195). Ao se colocar junto dos doentes, Jesus afirma que “Deus é, antes de mais nada, o Deus dos que sofrem o desamparo e a exclusão” (Pe. José Pagola, Jesus – aproximação histórica, p.196).

            Por ter uma vida de oração disciplinada e procurar em tudo fazer a vontade do Pai, Jesus se tornou uma fonte de cura para as pessoas enfermas: “Dele saía uma força que curava a todos” (Lc 6,19). Essa força tem um nome: Espírito Santo. Mas as curas que Jesus realizava não aconteciam sem a participação ativa dos doentes; elas só aconteciam mediante a fé. Antes da cura, Jesus sempre procurava suscitar no enfermo sua confiança em Deus. “Jesus não cura para despertar a fé, mas pede fé para que seja possível a cura” (Pe. José Pagola, Jesus – aproximação histórica, p.205). A cada pessoa enferma Jesus pede fé na bondade de Deus, o Deus que “conforta os corações despedaçados, enfaixa suas feridas e as cura” (Sl 147,3).

            “Olhar, dialogar, tocar”. As curas que Jesus realizou normalmente tinham essas três atitudes: olhar, enxergar a pessoa enferma, não ignorá-la, deixar-se afetar pelo sofrimento dela. Depois, dialogar, ouvir a pessoa – falar cura –, mas também questionar o enfermo – sua forma de viver e de lidar com as situações podem causar adoecimento a si próprio. Por fim, tocar na pessoa doente. Nossas palavras e nossas mãos podem ser portadoras de cura: “A sogra de Simão estava de cama, com febre, e eles logo contaram a Jesus. E ele se aproximou, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se. Então, a febre desapareceu” (Mc 1,30-31). Quantas pessoas estão enfermas em suas casas e ninguém da família se dispõe a ouvi-la, a falar com ela, a tocar nela e a ajudá-la a se levantar?

“Jesus curou muitas pessoas de diversas doenças e expulsou muitos demônios” (Mc 1,34). Na época de Jesus, todas as doenças psíquicas eram entendidas como possessão demoníaca. Hoje as doenças psíquicas estão crescendo cada vez mais, atingindo inclusive crianças, adolescentes e jovens. Muitas delas são fruto da ausência de pai e de mãe na vida do filho – ausência de diálogo, de afeto e de limite. O uso excessivo de celular, o vício nas redes sociais ou nos jogos eletrônicos e o ficar o tempo todo no quarto, diante do computador, sem conviver e dialogar com pessoas reais, tudo isso é um terreno propício para o adoecimento mental.

“De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto” (Mc 1,35). Ninguém é uma fonte inesgotável de cuidado para com os outros, nem mesmo Jesus. Ninguém deve se deixar sugar e esgotar pelas constantes solicitações dos outros. Ninguém pode ser curado se não se colocar na diariamente na presença do Médico dos médicos: o Pai. A cura acontece pelo tocar, e cabe a cada um de nós disciplinar-se na vida de oração, para dar ao Pai o tempo que Ele necessita para nos tocar e nos curar. Além disso, não se trata de entender a oração como uma mera recarga de bateria para continuarmos a viver a vida de uma maneira doentia. A oração é o momento em que o barulho que nos adoece silencia, e nós temos a coragem encarar a nossa verdade, rever as nossas prioridades e nos conscientizar para o quê devemos dizer “não” e para o quê devemos dizer “sim”.

Enfim, não nos esqueçamos de que doença tem nome. Só é possível tratar uma doença quando se sabe que doença é. Muitas famílias estão enfermas por doenças como falta de organização na vida financeira, falta de limites para os filhos, sobrecarga de um e folga dos demais, alimentação industrializada, falta de coragem em falar o que se sente – quem não explode, implode –, falta de silêncio, limpeza e organização da própria casa, a substituição do diálogo por “cada um diante da sua tela” etc.   

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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