Missa do 6º dom. comum. Palavra de Deus: 2Reis 5,9-14; 1Coríntios 10,31 – 11,1; Marcos 1,40-45.
Na
época bíblica, tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, a doença mais temida
e mais repulsiva era a lepra. “A lepra é uma doença infecciosa causada pela
bactéria Mycobacterium leprae, que leva ao aparecimento de manchas
esbranquiçadas na pele e alteração dos nervos periféricos, o que diminui a
sensibilidade à dor, toque e calor” (https://www.tuasaude.com/lepra/).
Muito interessante essa definição! A consequência da lepra é a diminuição da
sensibilidade quanto à dor, ao toque e ao calor. “Diminuição da sensibilidade”
é o retrato da nossa época, na qual há uma preocupação exagerada com a
estética, com a aparência, com o cuidado com a pele, enquanto se ignora a
importância da ética, da formação da consciência e do caráter, da sensibilidade
para com o outro. Eis aqui um primeiro alerta da liturgia de hoje: Quantos de
nós são saudáveis fisicamente, mas não têm “sensibilidade social”*, isto é, não
se preocupam com quem sofre à sua volta?
Olhemos
para a cura do leproso Naamã. Tendo sabido que no país de Israel havia um “homem
de Deus” chamado Eliseu, Naamã viajou da Síria para Israel, na expectativa de
ser curado da sua lepra. O problema é que Naamã havia criado uma expectativa
para a sua cura: “Eu pensava que ele sairia para me receber e que, de pé,
invocaria o nome do Senhor, seu Deus, e que tocaria com sua mão o lugar da
lepra e me curaria” (2Rs 5,11). Como o profeta Eliseu ordenou a Naamã: “Vai,
lava-te sete vezes no Jordão, e tua carne será curada e ficarás limpo” (2Rs
5,10), Naamã “ficou irritado” e foi embora, achando humilhante ter que
mergulhar sete vezes em um rio cujas águas não eram famosas como as águas de
dois rios do seu país de origem.
A
arrogância de Naamã serve de alerta para nós. Enquanto não descemos do pedestal
em que nos colocamos e não nos humilhamos, no sentido de sermos humildes (húmus
significa terra), colocando os pés no chão e admitindo que somos simples
mortais, independente da posição que ocupamos no mundo, não há chance de cura.
A cura começa quando colocamos os pés no chão, quando nos despimos das máscaras
e das armaduras que costumamos usar para nos mostrarmos como pessoas fortes e
vencedoras, quando, na verdade, somos apenas um “cadáver”, isto é, “carne dada
aos vermes”, carne que, por sua definição bíblica, significa: algo passível de
apodrecimento.
Naamã,
num primeiro momento, não aceitou o fato de que a cura da sua lepra
dependia de um processo longo e demorado: mergulhar sete vezes nas águas
humildes do rio Jordão. Eis aqui um segundo questionamento para nós: Estamos
dispostos a passar por um processo longo e demorado de descontaminação daquilo
que infectou nosso corpo, nossa alma ou nosso espírito, e que não pode ser
removido de forma imediata?
Antes
de passarmos para a cura do leproso no Evangelho, consideremos essas palavras
do salmo de hoje: “Eu confessei, afinal, meu pecado, e minha falta vos
fiz conhecer.
Disse: ‘Eu irei confessar meu pecado!’ E
perdoastes, Senhor, minha falta” (Sl 32,5). Por que um salmo que fala da
confissão de pecados no meio de dois relatos de cura de leprosos? Porque, na
mentalidade bíblica, a lepra era sinal do pecado e da sua gravidade – aquilo que
faz apodrecer o ser humano. Sendo assim, a cura da lepra aponta para a
libertação do pecado, algo que só Jesus pode fazer (cf. Jo 8,33-36). O problema
é: o que é pecado hoje?
De uma época onde “tudo era pecado”, passamos para
uma outra época onde “nada é pecado”. No campo da Igreja, a mudança foi outra:
de uma época onde se acentuavam os pecados sociais – não se preocupar com as
injustiças e com o sofrimento do próximo – passamos para uma acentuação sobre
os pecados individuais – sobretudo de cunho moral, quando, na verdade, tanto os
pecados pessoais quanto os sociais são uma realidade que pede conversão. Se atualmente
os pregadores moralistas fazem muito sucesso entre os “cristãos” das novas
gerações, cuja consciência gira em torno do umbigo dos pecados de cunho
moral/sexual, não nos esqueçamos de que Jesus nunca deixou de alertar para os
pecados de cunho social. Portanto, a lepra do moralismo é um sério problema
dentro da nossa Igreja atualmente, cuja maioria maciça de “cristãos” raramente
ou nunca se questiona sobre a sua falta de sensibilidade para com as injustiças
que ferem inúmeras pessoas e as mantém afastadas, isoladas, do mundo do
consumo.
Enfim, olhemos para a cura do leproso no Evangelho.
Desobedecendo à lei religiosa que proibia o leproso de se aproximar de qualquer
pessoa (cf. Lv 13,46), esse homem “chegou perto de Jesus, e de joelhos pediu: ‘Se queres tens o poder de
curar-me’” (Mc 1,40). A cura só começa a nascer em nós quando temos duas
atitudes: a primeira é romper com o nosso isolamento, com o vitimismo; a
segunda é declarar a nossa confiança absoluta em Jesus: “Tens o poder de
curar-me”. Toda pessoa enferma precisa ter essa confiança, sabendo que o Pai
concedeu ao Filho “o poder sobre toda a carne” (Jo 17,2). Jesus tem poder sobre
tudo aquilo que em nós é passível de adoecimento, de apodrecimento e de morte. No
entanto, esse poder não pode ser manipulado pela nossa urgência ou pelo nosso
desespero: “Se queres”.
Muitas pessoas abandonaram a sua fé seja na
existência de Deus, seja no seu poder de cura, porque se esqueceram de que Ele
é soberano na sua vontade: Deus pode não querer curar, não porque Ele não ama a
pessoa que está doente, mas porque, muito mais do que o seu bem físico, o que
Ele visa é a sua salvação. Em breve ou muito tempo ainda, nós nos tornaremos
cadáveres – nosso corpo morrerá e apodrecerá. Todo ser humano um dia será
atingido pela lepra da morte, tenha ele fé ou não. A diferença é que nós,
cristãos, temos uma fé que olha para além dessa vida temporária e cheia de
ilusão, e se abre para a vida eterna, para a glorificação do nosso corpo (cf.
Fl 3,20-21), operada por aquele que, “cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele, e disse: ‘Eu quero: fica
curado!’” (Mc 1,41).
Através da nossa fé no Evangelho e na Eucaristia,
nós nos encontramos hoje diante do Senhor Jesus que, compadecido daquele homem
até as entranhas, não apenas falou com ele, mas estendeu a mão e o tocou; tocou
num homem de quem todos os demais procuravam se manter distantes. Hoje nós,
discípulos de Jesus, somos chamados a estender a nossa mão para alcançar pessoas
que, quem sabe, a nossa própria religião excluiu ou de quem ainda acha
necessário se manter distante...
*No
capítulo “As sombras de um mundo fechado”, da Fratelli Tutti, o Papa Francisco
denuncia: “Reacendem-se conflitos que se consideravam superados. Surgem novas
formas de egoísmo e de perda do sentido social” (FT 11).
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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