Missa do 1º dom. Quaresma. Palavra de Deus: Gênesis 9,8-15; 1 Pedro 3,18-22; Marcos 1,12-15.
“O Espírito impeliu Jesus para o
deserto. E ele ficou no deserto durante quarenta dias” (Mc 1,12-13). Hoje, o
Espírito Santo impele, empurra, joga cada um de nós numa situação de deserto,
porque somente nela podemos ouvir Deus falar ao nosso coração (cf. Os 2,16). O deserto
é necessário para que possamos nos afastar de tudo aquilo que tem nos afastado
de Deus e dos irmãos. Ele é também uma experiência de correção, de educação, de
conversão, de rever qual é a meta da nossa vida. Na Quaresma devemos buscar
esse deserto através da nossa decisão de fazer silêncio, de olhar para dentro e
de nos confrontar conosco mesmos e com o mal que nos habita.
Jesus “ficou no deserto durante
quarenta dias, e aí foi tentado por Satanás” (Mc 1,13). As tentações nos
ensinam que não é possível tornar-nos a pessoa que fomos chamados a ser sem
lutar. Ninguém se torna senhor de si mesmo enquanto não lutar com os demônios
que habitam o seu interior e que tentam mandar na sua vida. O confronto com as
tentações nos lembra que "as mudanças que contam na nossa vida não
acontecem de um dia para o outro ou de forma espontânea. Acontecem no meio de
um paciente combate interior" (Cardeal José Tolentino Mendonça). Se
quisermos sair da Quaresma curados, libertos, transformados, precisamos
enfrentar o combate interior contra a nossa preguiça, o nosso comodismo, o
nosso vício e os nossos maus hábitos.
As armas que Jesus usou durante sua
vida para vencer o seu combate interior são as mesmas que podemos usar: a
oração, nascida da consciência de que não somos autossuficientes e não podemos
vencer o maligno por nós mesmos; a sinceridade diante dos próprios sentimentos,
nascida da consciência de que não somos anjos; a paciência conosco mesmos,
nascida da consciência de que só sofre quedas quem se dispõe a caminhar; o
jejum, nascido da consciência de que podemos administrar nossos instintos e não
sermos administrados por eles; a perseverança e a determinação, nascidas da
consciência de que “Deus é fiel: ele não permitirá que sejamos tentados acima
das nossas forças, mas, junto com a tentação, nos dará os meios de sairmos
delas e a força para as suportar” (1Cor 10,13).
Toda
experiência de deserto é uma experiência de purificação da nossa fé, de
correção da imagem de Deus que temos dentro de nós. Na época de Noé, Deus era
interpretado como Aquele que resolveu exterminar, por meio do dilúvio, a vida
do ser humano e dos animais da face da terra, por causa da maldade do próprio
ser humano (cf. Gn 6,5-7). Quando a experiência do dilúvio terminou, Noé e sua
família puderam ter uma imagem mais clara de Deus, como Aquele que fez aliança
com a terra e com toda vida que há nela, uma aliança que será lembrada toda vez
que surgir um arco-íris (cf. Gn 9,13-15).
Deus
não está interessado em fazer guerra aos homens. É por isso que, no lugar do
arco de guerra, Ele colocou no céu o arco-íris. Nós não estávamos na arca com
Noé, mas vivenciamos a salvação do dilúvio por meio do nosso batismo, conforme afirmou
o apóstolo Pedro: “À arca corresponde o batismo, que hoje é a vossa salvação”
(1Pd 3,21). A água do batismo foi derramada sobre a nossa cabeça não para
limpar o nosso corpo da sujeira, para pedir a Deus uma boa consciência, uma
consciência como a de Jesus, voltada para o Pai, que aceita ser conduzida pelo
Espírito Santo e que não se deixa enganar pelas mentiras do tentador.
Batizadas
ou não, muitas pessoas navegam na Internet praticamente todos os dias. Quantas
delas se afogam ou se pervertem nessas águas? Neste sentido, o Papa Francisco
alertou na Encíclica Fratelli Tutti: “Não podemos aceitar um mundo digital
projetado para explorar as nossas fraquezas e tirar fora o pior das pessoas” (FT,
n.204). Talvez, um saudável jejum de redes sociais nos ajudaria a terminar o
período da Quaresma melhores, mais humanizados e mais fraternos, mais filhos do
arco-íris do que filhos dos arcos de guerra, convencidos de que “toda a guerra
deixa o mundo pior do que o encontrou. A guerra é um fracasso da política e da
humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota perante as forças do mal” (Papa
Francisco, FT, n.261).
Uma
última palavra. Durante a sua experiência de deserto, Jesus “vivia entre os
animais selvagens, e os anjos o serviam” (Mc 1,13). Todos nós temos instintos
selvagens e impulsos angelicais. Devemos evitar a tentação de eliminar um e
ficar com o outro. Ambos fazem parte da nossa humanidade. Ambos precisam ser
integrados em nosso caminho de conversão e de santificação. A harmonia daquilo
que é selvagem com aquilo que é angelical aponta para um mundo reconciliado,
para o ser humano pacificado, para a humanidade redimida pelo Ungido do Senhor
(cf. Is 11,6.9). Permitamos que o Pai forme em nós os sentimentos do Filho (cf.
Fl 2,6), de modo que possamos “sentir todo ser humano como um irmão” (Papa
Francisco, FT, n.287).
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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