quinta-feira, 26 de agosto de 2021

INFLUENCIADOS A PARTIR DE FORA, SIM, MAS NÃO DETERMINADOS!

 Homilia reeditada (22o. domingo comum - Marcos 7,1-8.14-15.21-23)


“Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado. Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação. Que país é esse?” (Legião Urbana, Que país é esse?).

“Sujeira pra todo lado”. Mas, de onde vem a sujeira que nos torna “impuros”? Para os fariseus da época de Jesus e de hoje, ela vem dos outros: do contato com quem não é da minha igreja ou da minha religião; do contato com quem não tem a cor da minha pele, que não mora no meu condomínio ou no meu bairro, que não pertence à minha classe social etc. Para os países da Europa, a “sujeira” vem dos imigrantes que todos os dias chegam pelo mar, fugindo da fome, da guerra e da perseguição religiosa. Para o Estado Islâmico, o perigo da impureza vem dos cristãos, que precisam ser exterminados...

Se a tendência atual é cada um fechar-se em si mesmo e viver sua fé de maneira individualista, o apóstolo Tiago deixa claro que o que Deus espera de nós é exatamente o contrário: “contaminar-se”, envolver-se com a aflição do nosso semelhante – concretamente, “socorrer os órfãos e as viúvas em suas necessidades” (cf. Tg 1,27). Neste sentido, o Papa Francisco afirmou, há anos atrás: “Não se pode fazer o bem sem aproximar-se... Tantas vezes penso que seja, não digo impossível, mas muito difícil fazer o bem sem sujar as mãos. Estou disposto a ‘sujar’ as minhas mãos, se for preciso, para me tornar próximo de quem precisa de mim?”, pergunta Francisco.

“Escutai todos e compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior” (Mc 7,20). Há uma verdade importantíssima nesta afirmação de Jersus: nós não somos o que o mundo faz de nós; nós somos aquilo que decidimos fazer com o que o mundo nos oferece. Por uma questão de comodismo, muitas pessoas assumiram diante da vida uma postura de vítimas: a responsabilidade por elas serem infelizes, fracas, doentes ou fracassadas vem de fora: dos pais que as criaram, do ambiente em que cresceram, da escola em que estudam, do lugar em que trabalham, do país em que vivem. A teoria delas é essa: se o mundo fosse melhor, elas também seriam melhores.

Jesus, ao rejeitar esse tipo de irresponsabilidade perante a própria existência, nos lembra que existe um espaço dentro de nós habitado pela liberdade e pela responsabilidade. Esse espaço se chama “coração” (ou “consciência”). Pelo fato de Deus nos ter dotado de liberdade e de responsabilidade, cabe a nós decidir não só o que “entra” em nós (influências externas), mas também o que “sai” de nós (atitudes, comportamentos). Sem dúvida, todos nós recebemos uma forte influência do mundo, principalmente da mídia e da tecnologia. Mas Jesus faz duas perguntas a cada um de nós: ‘O que há dentro de você: um filtro ou um esgoto? Sua consciência / seu coração funciona como um filtro ou como um esgoto?’ Enquanto o esgoto engole tudo (a ideia de que “tudo é válido”), o filtro separa o que presta do que não presta, o que convém daquilo que não convém, o que condiz com a sua condição de cristão e o que não condiz.

Muitas pessoas acham mais fácil “funcionar” como esgoto do que como filtro. Dá menos trabalho; no entanto, isso nos faz um mal imenso. Há muita coisa tóxica que tem se instalado dentro de nós porque pervertemos nosso filtro em esgoto. Neste sentido, a pior corrupção não é aquela que se encontra fora de nós, mas dentro: a corrupção dos nossos valores, a desorientação da nossa bússola interna, o seguir pela vida esperando que os outros, o destino ou a própria vida escolha e decida por nós, o deixar-se levar pela onda do momento. Jesus convida cada um de nós a assumir a responsabilidade por suas escolhas e por suas decisões. Ele nos convida a cuidar desse espaço sagrado em nós chamado coração / consciência, um espaço que precisa estar constantemente iluminado pela Palavra da verdade (cf. Tg 1,18), para poder discernir, separar o puro do impuro, o que presta do que não presta, o que convém daquilo que não convém a nós como seres humanos, como cristãos, como pessoas destinadas à vida eterna.                 

 

Oração: Senhor Jesus, andando pelo jardim da minha consciência e do meu coração, percebo a presença de ervas daninhas e de plantas tóxicas, que têm adoecido a minha alma e trazido confusão aos meus valores. Essas plantas nasceram em mim porque deixei de cultivar o meu jardim interior, deixei de fazer a limpeza do filtro da minha consciência, deixei de distinguir o certo do errado, o justo do injusto, o saudável do doentio.

Hoje quero agradecer a Palavra da verdade contida no teu Evangelho, Palavra que sou chamado(a) não só a ouvir, mas a colocar em prática (cf. Tg 1,22). Quero assumir o compromisso de me posicionar criticamente diante de tudo aquilo que o mundo me oferece. Quero, sobretudo, reassumir a direção da minha liberdade e da minha responsabilidade, fazendo as escolhas e tomando as decisões necessárias para a minha vida, sem esperar e, muito menos, permitir que o mundo escolha ou decida por mim.

Purifica a partir de dentro, Senhor! Que o meu trabalho e as minhas atitudes sejam pautados pela honestidade. Que o meu comportamento seja justo. Que a minha vivência religiosa me leve para perto daqueles que sofrem e que precisam do meu sal e da minha luz. Enfim, que a minha presença neste mundo o ajude a se tornar menos impuro, menos injusto, menos corrompido, menos doente, mais fraterno, mais pacífico, mais saudável e mais digno para todos os seres humanos. Amém!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

     

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