quinta-feira, 2 de setembro de 2021

NÃO VEJO, NÃO OUÇO, NÃO FALO

 Missa do 23. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 35,4-7a; Tiago 2,1-5; Marcos 7,31-37

 

            A grande maioria de nós conhece a imagem dos três macaquinhos, muito utilizada nas mensagens de whatsapp. Essa imagem, originalmente, tem uma boa intenção. Ela provém de um provérbio japonês que significa: “Não veja o mal; não fale o mal; não ouça o mal”. Contudo, a grande maioria das pessoas utilizam esses macaquinhos para dizerem intencionalmente: não quero ver; não quero falar; não quero ouvir. Portanto, trata-se de um fechamento voluntário, alimentado pelo forte individualismo da época atual, onde cada um corre atrás dos seus interesses, da sua própria satisfação, sem se importar com o que se passa com o próximo.

Acabamos de ver no Evangelho Jesus curar um surdo. Todo surdo é também mudo, porque o falar depende do ouvir. Um detalhe importante: a audição é o último sentido a se desligar, quando morremos. Por isso, precisamos tomar cuidado com o que falamos a uma pessoa que está em coma, por exemplo, aparentemente ausente deste mundo. No entanto, existe um desligamento voluntário dos sentidos: pessoas que decidiram não mais ver, não mais falar, não mais ouvir. Sobretudo a essas pessoas, Jesus hoje diz: “Efatá!”, isto é “Abra-se!”.

Na sua encíclica sobre “a Fraternidade e a Amizade social” (Fratelli Tutti), o Papa Francisco denuncia os males de um “mundo fechado”. “Encontramo-nos mais sozinhos do que nunca neste mundo massificado, que privilegia os interesses individuais e debilita a dimensão comunitária da existência” (FT 12). Este mundo fechado domina as pessoas “semeando o desânimo e despertando uma desconfiança constante... Nega-se a outros o direito de existir e pensar... Nesta luta de interesses que nos coloca todos contra todos, onde vencer se torna sinônimo de destruir... aumentam as distâncias entre nós, e a dura e lenta marcha rumo a um mundo unido e mais justo sofre um novo e drástico revés” (FT 15 e 16). «O mundo de hoje... é um mundo surdo” (FT 48), constata o Papa Francisco.

Jesus veio restituir à humanidade os sentidos da escuta, da fala e da visão, que possibilitam o diálogo. Ele veio tocar naquilo que está fechado em nós e nos lançar o desafio de nos abrir. Diante do diferente, é uma tentação fechar-se: os ricos se fecham aos pobres; os brancos se fecham aos negros; os da direita se fecham aos da esquerda, e assim vamos nos desumanizando e nos destruindo uns aos outros. Mas Jesus nos cura de forma que possamos nos abrir ao outro, àquele que é diferente de nós, ao que está em nossa casa ou em nosso ambiente de trabalho. Jesus nos propõe um mundo aberto, pois “o ser humano está feito de tal maneira que não se realiza, não se desenvolve, nem pode encontrar a sua plenitude a não ser no sincero dom de si mesmo aos outros” (FT 87). Precisamos, portanto, estar cientes de que “ninguém amadurece nem alcança a sua plenitude isolando-se”! (FT 95).

Estamos iniciando o mês da Bíblia, cujo estudo proposto é da carta aos Gálatas. Nas redes sociais é possível encontrar inúmeros vídeos e reflexões a respeito deste importante livro que nos fala da liberdade em Cristo. Justamente por estarmos no mês da Bíblia, vale a pena recordarmos esta palavra do profeta Jeremias: “Esta é a nação que não escutou a voz do Senhor, seu Deus, e não aceitou correção. Sua fé morreu, foi arrancada de sua boca” (Jr 7,28). Da mesma forma, afirma o apóstolo Paulo: “A fé vem pelo ouvir a pregação da palavra de Cristo” (Rm 10,17). Um cristão que não se alimenta diariamente da Palavra de Deus “tem sua fé arrancada de sua boca”, ou seja, torna-se uma pessoa muda, incapaz de comunicar uma palavra de fé e de esperança para alguém. Além disso, ouvir a Palavra do Senhor significa “aceitar Sua correção”, e o Senhor Jesus hoje está nos corrigindo em relação a essa atitude perigosa e doentia do fechamento. Quanto mais as pessoas se fecham em si mesmas, mais a humanidade caminha para o seu adoecimento e a sua destruição. Quanto mais nos esforçamos em nos manter abertos uns aos outros, mais saúde emocional, mais fortalecimento espiritual e mais fraternidade universal.

Para curar o homem surdo, Jesus “afastou-se com o homem, para fora da multidão” (Mc 7,33). Precisamos nos afastar do barulho do mundo para voltarmos a ouvir a voz de Deus, assim como precisamos nos afastar do barulho das redes sociais para voltarmos a ouvir as pessoas que estão próximas de nós, pessoas que há tempos estão nos comunicando algo importante e que nós não temos encontrado tempo, nem coragem, para ouvir. “Em seguida, (Jesus) colocou o dedo nos seus ouvidos e tocou a língua dele” (Mc 7,33). Há quanto tempo não tocamos fisicamente nas pessoas próximas de nós? Por que nossas mãos não têm dificuldade alguma em digitarem e compartilharem inúmeras mensagens nas redes sociais com pessoas distantes de nós, mas acham muito difícil, ou, quem sabe, desnecessário, tocarem naqueles que estão perto de nós?

Por fim, Jesus, levantando os olhos para o céu – para o Pai – “suspirou e disse: ‘Efatá!’ (Abra-se!) [Mc 7,34]. Há quanto tempo nossos olhos não se dirigem para o alto, para o Pai? É verdade que Ele é “um Deus escondido” (Is 45,15), que não podemos ver; mas também é verdade que Ele jamais disse a alguém: “Busque-me e procure-me inutilmente” (Is 45,19). Ao Pai, cujo coração é aberto e não fechado, suspiramos pela abertura dos nossos ouvidos, da nossa boca, dos nossos olhos, das nossas mãos... A Ele suplicamos que sua Palavra encontre em nós ouvidos dispostos a escutá-la e coração disposto a obedecê-la, de modo que a fé jamais seja arrancada da nossa boca; pelo contrário seja testemunhada com nossas palavras e nossas atitudes.

Às vésperas do dia da Pátria, suplicamos ao Pai por nossa Pátria amada Brasil, Pátria que hoje se encontra faminta, devido à alta abusiva de preços dos alimentos e dos combustíveis; Pátria que hoje se encontra desmatada e queimada, devido ao desrespeito com o meio ambiente por parte de ruralistas predadores e gananciosos; Pátria cujos filhos naturais – os povos indígenas – são atacados por “atrapalharem” os interesses de empresários e políticos corruptos; Pátria que hoje se encontra com seu sistema educacional enfraquecido propositalmente, para favorecer a ignorância do povo, enquanto o presidente da República, cinicamente, cita o versículo bíblico: “Meu povo será destruído por falta de conhecimento” (Os 4,6); Pátria cuja bandeira se tornou vermelha devido ao sangue da violência contra pobres, jovens, negros, mulheres e indígenas, alimentada por um presidente que afirma que toda família deve ter um fuzil em casa, ao invés de feijão para comer.


Oração: Senhor Jesus Cristo, toca em meus ouvidos e pronuncia o teu “Abra-se!” Que eu ouça a tua Palavra e oriente minhas escolhas e decisões por ela. Fecha os meus ouvidos a tudo o que é mal, a toda mentira e fofoca.

Toca em meus olhos e pronuncia o teu “Abra-se!” Que eu veja todas as coisas a partir da luz da tua verdade; que eu veja a minha história com os olhos da fé, e me deixe conduzir pelo Espírito do Pai. Fecha os meus olhos a tudo o que é mal, a toda pornografia; ensina-me a ver com os olhos do coração.

Toca em minha boca e pronuncia o teu “Abra-se!” Que eu saiba levar todos os dias uma palavra de conforto, de fé e de esperança às pessoas que necessitam. Fecha minha boca a tudo o que é mal, de modo que dela não saiam palavras que machuquem ou danifiquem a imagem dos outros.

Toca em meu coração e pronuncia o teu “Abra-se!” Livra-me do individualismo que me desumaniza. Torna-me aberto(a) à vida, ao meu próximo, ao próprio Deus e àquilo que a vida está me pedindo neste momento. Fecha o meu coração a tudo o que é mal, a todo tipo de tentação, a tudo o que possa me corromper.

Enfim, pronuncia o teu “Abra-se!” sobre as famílias, as empresas, as cidades e os países fechados em si mesmos. Cura a surdez do nosso mundo, de modo que nos humanizemos e nos abramos uns aos outros, em vista da solidariedade e da fraternidade universal. Amém.     

 Pe. Paulo Cezar Mazzi

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