sexta-feira, 10 de setembro de 2021

NENHUMA DOR DETERMINA SUA VIDA, NEM SUAS ATITUDES

 Missa do 24. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 50,5-9a; Tiago 2,14-18; Marcos 8,27-35.

 

Qual é o sentido da vida? Quando é que a vida vale a pena?

Segundo a mentalidade moderna, o sentido da vida está em ser feliz, o que significa ter uma vida sem dor, ou com um mínimo de dor, de problemas e dificuldades. Portanto, para o mundo moderno, guiado pelo princípio do prazer e pela constante busca da felicidade e do bem-estar individual, a vida só vale a pena quando não há dor, nem problema, nem sofrimento, nem dificuldade.

Se perguntarmos a Jesus o que ele entende pelo “sentido da vida”, sua resposta será uma pergunta: “O que as pessoas pensam a meu respeito?” (Mc 8,27), ou seja, “O que as pessoas esperam de mim? Elas esperam que eu lhes ofereça uma vida sem dor, sem sofrimento, sem dificuldades?” Muitas pessoas desinteressaram-se de Jesus por ele ser apresentado pela Igreja – e pela própria Sagrada Escritura! – como “um homem sujeito à dor, familiarizado com o sofrimento” (Is 53,3). Um Jesus assim não atrai ninguém, justamente porque as pessoas, na sua grande maioria, sentem repulsa da dor e desviam-se o quanto podem do sofrimento.

Mas a pergunta principal de Jesus não é sobre a opinião que as pessoas de fora da Igreja têm dele, mas sim aquilo que nós, que estamos dentro da Igreja, pensamos a seu respeito. Quem Jesus é para nós? O que esperamos dele? O que buscamos no seu Evangelho? O que esperamos receber, quando comungamos o seu Corpo na Eucaristia?

Pedro era um discípulo encantado por Jesus! Suas expectativas a respeito dele eram altíssimas! Pedro tinha certeza de que Jesus libertaria o país de Israel da dominação do Império Romano, causa de inúmeros sofrimentos para o povo. No entanto, quando Jesus “disse abertamente” aos discípulos que “devia sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei; devia ser morto, e ressuscitar depois de três dias” (Mc 8,31), Pedro escandalizou-se com o que ouviu de Jesus e se opôs duramente a ele!

Dentro das nossas igrejas há inúmeros “Pedros”, inúmeros cristãos que estão buscando no Evangelho não uma orientação para lidarem melhor com os desafios da vida, mas um anestésico que alivie suas dores; mais que isso, uma blindagem contra a dor e o sofrimento. São homens e mulheres “de Igreja” que pensam a vida segundo a mentalidade do mundo, não segundo a mentalidade de Deus. Enquanto a mentalidade do mundo entende que a vida só vale a pena quando se desenvolve distante de todo tipo de dor, a mentalidade de Deus entende que a vida também tem sentido quando se lida com a dor.

Por que Jesus “disse abertamente” a todos os seus discípulos que ele deveria sofrer muito? Porque Jesus chamou a multidão para perto de si e deixou bem claro: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Mc 8,34)? Primeiro, porque não existe vida sem dor; não existe pessoa humana que atravesse a vida sem se deparar com algum tipo de cruz. Segundo, porque quem passa sua vida fugindo da dor não vive verdadeiramente, não cresce, não amadurece. Mais do que isso, quem foge constantemente da dor nunca se dará conta de que tem dentro de si uma grande força adormecida e que só será despertada quando for provocada por uma experiência de dor. 

O que Jesus está nos propondo no Evangelho de hoje? Que busquemos sofrer o quanto for possível? Não! Jesus nunca procurou a dor pela dor, nem o sofrimento pelo sofrimento. O que Jesus buscou foi viver intensamente sua vida, abrindo-se a tudo aquilo que ela tinha para lhe ensinar. Mais do que isso, Jesus procurou viver sua vida deixando-se afetar pelos acontecimentos, deixando-se questionar pela realidade e tocar pela ferida dos outros. Jesus abraçou a cruz por nossa causa, porque ele sabia que as lições que nós jamais esqueceremos nunca virão das palavras que escutamos das pessoas, mas daquilo que nós vemos nelas – concretamente, da maneira como elas lidam com a dor.

Todos sofrem, mas nem todos se abrem à transformação que a dor pode lhes proporcionar. A pandemia trouxe dor a grande parte da humanidade: quem estava aberto à vida tornou-se um ser humano melhor; quem estava fechado tornou-se um ser humano pior. Todos sofrem, mas nem todos têm vontade e coragem de dialogar com a dor que atravessou seu caminho de vida. Todos sofrem, mas nem todos têm a humildade de aprender o que o sofrimento está querendo lhes ensinar. Todos sofrem, mas são poucos os que se recordam o que a rosa disse ao Pequeno Príncipe: “É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas”.

Termino esta reflexão lembrando de Victor Frankl, um médico que sobreviveu a quatro campos de concentração, sem ter enlouquecido nem se suicidado, seja ao ver tanta dor, seja ao sofrê-la. Ele entendeu algo muito importante: “Tudo pode ser tirado de uma pessoa, exceto uma coisa: a liberdade de escolher sua atitude em qualquer circunstância da vida”. Ou seja, você nem sempre escolhe qual sofrimento que vai entrar na sua vida, mas sempre pode escolher a maneira como vai lidar com ele. Neste sentido, é importante considerar também que esta outra verdade: “Você não é produto das circunstancias, você é produto das suas decisões” (Victor Frankl). Sua vida nunca será o resultado das dores que marcaram a sua história; ela sempre será o resultado daquilo que você decidiu fazer com essas dores. Portanto, o sentido da vida não está em não sofrer, mas em manter-se fiel à tarefa que a vida está lhe pedindo para abraçar neste momento, ainda que isso comporte dor para você. Parafraseando Nietzsche, quem tem uma razão para viver, quem tem uma missão a cumprir, quem tem um sentido para viver, suporta qualquer dor que essa missão comporte. Foi assim que Jesus enfrentou a cruz.

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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