Missa do 24. dom. comum. Palavra de Deus: Isaías 50,5-9a; Tiago 2,14-18; Marcos 8,27-35.
Qual é o sentido
da vida? Quando é que a vida vale a pena?
Segundo
a mentalidade moderna, o sentido da vida está em ser feliz, o que significa ter
uma vida sem dor, ou com um mínimo de dor, de problemas e dificuldades.
Portanto, para o mundo moderno, guiado pelo princípio do prazer e pela
constante busca da felicidade e do bem-estar individual, a vida só vale a pena
quando não há dor, nem problema, nem sofrimento, nem dificuldade.
Se
perguntarmos a Jesus o que ele entende pelo “sentido da vida”, sua resposta
será uma pergunta: “O que as pessoas pensam a meu respeito?” (Mc 8,27), ou
seja, “O que as pessoas esperam de mim? Elas esperam que eu lhes ofereça uma
vida sem dor, sem sofrimento, sem dificuldades?” Muitas pessoas
desinteressaram-se de Jesus por ele ser apresentado pela Igreja – e pela própria
Sagrada Escritura! – como “um homem sujeito à dor, familiarizado com o
sofrimento” (Is 53,3). Um Jesus assim não atrai ninguém, justamente porque as
pessoas, na sua grande maioria, sentem repulsa da dor e desviam-se o quanto
podem do sofrimento.
Mas
a pergunta principal de Jesus não é sobre a opinião que as pessoas de fora da
Igreja têm dele, mas sim aquilo que nós, que estamos dentro da Igreja, pensamos
a seu respeito. Quem Jesus é para nós? O que esperamos dele? O que buscamos no
seu Evangelho? O que esperamos receber, quando comungamos o seu Corpo na
Eucaristia?
Pedro
era um discípulo encantado por Jesus! Suas expectativas a respeito dele eram
altíssimas! Pedro tinha certeza de que Jesus libertaria o país de Israel da
dominação do Império Romano, causa de inúmeros sofrimentos para o povo. No
entanto, quando Jesus “disse abertamente” aos discípulos que “devia sofrer
muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei;
devia ser morto, e ressuscitar depois de três dias” (Mc 8,31), Pedro
escandalizou-se com o que ouviu de Jesus e se opôs duramente a ele!
Dentro
das nossas igrejas há inúmeros “Pedros”, inúmeros cristãos que estão buscando
no Evangelho não uma orientação para lidarem melhor com os desafios da vida,
mas um anestésico que alivie suas dores; mais que isso, uma blindagem contra a
dor e o sofrimento. São homens e mulheres “de Igreja” que pensam a vida segundo
a mentalidade do mundo, não segundo a mentalidade de Deus. Enquanto a
mentalidade do mundo entende que a vida só vale a pena quando se desenvolve distante
de todo tipo de dor, a mentalidade de Deus entende que a vida também tem
sentido quando se lida com a dor.
Por
que Jesus “disse abertamente” a todos os seus discípulos que ele deveria sofrer
muito? Porque Jesus chamou a multidão para perto de si e deixou bem claro: “Se
alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Mc
8,34)? Primeiro, porque não existe vida sem dor; não existe pessoa humana que
atravesse a vida sem se deparar com algum tipo de cruz. Segundo, porque quem
passa sua vida fugindo da dor não vive verdadeiramente, não cresce, não amadurece.
Mais do que isso, quem foge constantemente da dor nunca se dará conta de que
tem dentro de si uma grande força adormecida e que só será despertada quando
for provocada por uma experiência de dor.
O
que Jesus está nos propondo no Evangelho de hoje? Que busquemos sofrer o quanto
for possível? Não! Jesus nunca procurou a dor pela dor, nem o sofrimento pelo
sofrimento. O que Jesus buscou foi viver intensamente sua vida, abrindo-se a tudo
aquilo que ela tinha para lhe ensinar. Mais do que isso, Jesus procurou viver
sua vida deixando-se afetar pelos acontecimentos, deixando-se questionar pela
realidade e tocar pela ferida dos outros. Jesus abraçou a cruz por nossa causa,
porque ele sabia que as lições que nós jamais esqueceremos nunca virão das
palavras que escutamos das pessoas, mas daquilo que nós vemos nelas –
concretamente, da maneira como elas lidam com a dor.
Todos
sofrem, mas nem todos se abrem à transformação que a dor pode lhes
proporcionar. A pandemia trouxe dor a grande parte da humanidade: quem estava
aberto à vida tornou-se um ser humano melhor; quem estava fechado tornou-se um
ser humano pior. Todos sofrem, mas nem todos têm vontade e coragem de dialogar
com a dor que atravessou seu caminho de vida. Todos sofrem, mas nem todos têm a
humildade de aprender o que o sofrimento está querendo lhes ensinar. Todos
sofrem, mas são poucos os que se recordam o que a rosa disse ao Pequeno
Príncipe: “É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as
borboletas”.
Termino
esta reflexão lembrando de Victor Frankl, um médico que sobreviveu a quatro
campos de concentração, sem ter enlouquecido nem se suicidado, seja ao ver
tanta dor, seja ao sofrê-la. Ele entendeu algo muito importante: “Tudo pode ser
tirado de uma pessoa, exceto uma coisa: a liberdade de escolher sua atitude em qualquer
circunstância da vida”. Ou seja, você nem sempre escolhe qual sofrimento que
vai entrar na sua vida, mas sempre pode escolher a maneira como vai lidar com
ele. Neste sentido, é importante considerar também que esta outra verdade: “Você
não é produto das circunstancias, você é produto das suas decisões” (Victor Frankl).
Sua vida nunca será o resultado das dores que marcaram a sua história; ela
sempre será o resultado daquilo que você decidiu fazer com essas dores. Portanto,
o sentido da vida não está em não sofrer, mas em manter-se fiel à tarefa que a
vida está lhe pedindo para abraçar neste momento, ainda que isso comporte dor
para você. Parafraseando Nietzsche, quem tem uma razão para viver, quem tem uma
missão a cumprir, quem tem um sentido para viver, suporta qualquer dor que essa
missão comporte. Foi assim que Jesus enfrentou a cruz.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
Excelente reflexão, muito existencial.
ResponderExcluirMuito obrigado, Agenor! Abraço!
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