quinta-feira, 16 de setembro de 2021

QUAL TAREFA A VIDA ME PEDE PARA ABRAÇAR?

 Missa do 25. dom. comum. Sabedoria 2,12.17-20; Tiago 3,16 – 4,3; Marcos 9,30-37.

 

Vivemos quase que constantemente sob pressão e debaixo de muita cobrança. As pressões e as cobranças geram em nós ansiedade, que nada mais é do que um sentimento de ameaça: se não correspondermos ao que nos é exigido, perderemos nosso lugar no mundo. E aí, como iremos sobreviver?

Jesus, no Evangelho de hoje, questiona nossa correria diária, nossas angústias e preocupações, a razão de ser de tanta ansiedade em nossa vida. Ao chegar em casa com seus discípulos, Jesus lhes perguntou: “O que vocês estavam discutindo pelo caminho?” (Mc 9,33). Mas os discípulos “ficaram calados, pois pelo caminho tinham discutido quem era o maior” (Mc 9,34). Por que a preocupação em “ser o maior”? No contexto do Evangelho, ela surgiu como uma reação ao fato de Jesus tornar seus discípulos conscientes da sua morte de cruz.

Qual é a preocupação principal na vida de cada um de nós? O que nos motiva a fazer as coisas que fazemos? O que estamos buscando na vida? Para muitas pessoas, a motivação principal em fazer o que fazem é a busca do prazer, o seu próprio bem estar. Para elas, a vida só vale a pena se elas estão se sentindo bem, ainda que esse “sentir-se bem” seja no âmbito restrito do individualismo, do egoísmo. Para outras pessoas, a motivação principal da vida é ser “o maior”, “o mais importante”, tornar-se “a pessoa mais visível”, “sobressair-se” em relação aos demais. E há um detalhe que precisa ser levado em conta aqui: tanto a pessoa que busca o prazer (sentir-se bem) como aquela que busca sobressair-se em relação às demais não suportam frustrações, isto é, não aceitam nenhum tipo de cruz.

A vida de Jesus nunca girou em torno do “sentir-se bem”, muito menos do “sobressair-se” em relação aos outros. Para Jesus, o mais importante na vida sempre foi ser fiel à razão que justificava a sua própria existência: Ele veio para servir e para dar a vida em resgate por muitos (cf. Mc 10,45). Sua vida foi uma vida para os outros, para uma causa, para uma tarefa que visava o bem comum. Por isso, quando via pessoas correndo atrás de uma felicidade egoísta ou de uma posição social superior à dos demais, Jesus apontava na direção contrária, mostrando que ninguém se realiza fechando-se em si mesmo ou se colocando acima dos outros; a nossa realização humana está em servir, em “viver para”, em cuidarmos daquilo que está pedindo nossos cuidados.

Eis porque Jesus, diante da preocupação dos discípulos em saber quem era o maior dentre eles, toma uma criança, coloca-a no meio deles e a abraça (v.36). Na época de Jesus, a criança era a pessoa mais desprezível da sociedade. Ela simplesmente não contava, chegando até mesmo a ser ignorada. Hoje Jesus toma aquela pessoa que nós mais ignoramos – o lixeiro; o catador de material reciclável; a pessoa que limpa o prédio onde moramos; a “caixa”, o “entregador” ou o “repositor” do supermercado, coloca essa pessoa diante de nós e a abraça, para nos dizer: o sentido da vida não está em ser feliz de maneira egoísta ou em ser maior do que os outros; o sentido da vida está em fazer-se próximo das pessoas ignoradas e desprezadas; está em cuidar de quem não é cuidado, em amar quem não é amado, em defender quem não é defendido por ninguém.

Quem são as pessoas mais importantes do nosso tempo? Políticos? Juízes? Cientistas? Médicos? Artistas? Cantores? Jogadores de futebol? Youtubers? E os lixeiros? E os professores? “O pai da criança sabe o nome de cada jogador do seu time, mas não sabe o nome da professora do seu filho... O país do futebol deveria ser o país da educação” (Diogo Almeida - humorista). Nossos valores estão invertidos. Ainda não entendemos que um cristão ou uma igreja que busca sua própria grandeza é uma contradição com Cristo e o seu Evangelho, pois Ele deixou claro que somente quando nos deixarmos afetar pela realidade das pessoas mais frágeis e ignoradas pelo mundo é que poderemos sentir a presença d’Ele e do Pai! (cf. Mc 9,37).

Há um consenso geral de que a humanidade está mais desumana. Além do aumento da violência e das desigualdades sociais, estamos sendo duramente atingidos pelos efeitos do aquecimento global: geadas, secas, queimadas e ausência de chuva... O externo reflete o interno, segundo São Tiago. A desordem externa revela a interna: inveja e rivalidade, desordens, maldade, guerras e brigas, nascidas das paixões em conflito dentro de nós; paixões em conflito que são consequência da constante busca de prazer e de poder. A cobiça é o motor do nosso consumismo. Matamos, brigamos e fazemos guerra, mas nada conseguimos possuir, porque tudo está sendo destruído pela nossa ganância sem limites.

São Tiago nos lembra que tudo poderia ser resolvido pedindo ao Pai, na oração, pois Ele conhece nossas necessidades (cf. Mt 6,8). Mas, ainda que peçamos, Ele não nos dará, se a motivação da nossa vida continuar a ser o prazer egoísta e o desejo de ser o maior, de nos sobressair aos outros. Quando decidirmos tirar o nosso egoísmo e o nosso individualismo do centro da vida, e abraçarmos tudo aquilo que está ferido, fragilizado e pedindo para ser cuidado, a vida começará a mudar. Mas isso levará tempo e exigirá de nós perseverança e constância no bem, porque ferir e destruir acontecem rapidamente; curar e reconstruir leva tempo...    

 

Oração: Senhor Jesus, visita o meu interior e põe fim aos conflitos que estão dentro de mim, invertendo os meus valores e comprometendo o meu servir. Diante da tentação do meu fechamento em mim mesmo(a), o Senhor coloca uma criança, uma pessoa frágil, desprezada e ignorada, para que eu a abrace e cuide dela. Desse modo, o Senhor me ensina que o sentido da minha vida não está dentro de mim, mas fora, numa tarefa a ser realizada, num serviço a ser abraçado em favor de uma pessoa ou de uma causa que é sagrada aos olhos do Pai. Liberta-me da cobiça e da ganância de ter o que eu não preciso, o que não é essencial para a minha vida. Concede-me paz de consciência e de coração, para que eu cuide daquilo que fui chamado(a) a cuidar, e nesse cuidado, que eu encontre a Ti e ao Pai. Amém.

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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