Missa do 26. dom. comum. Palavra de Deus: Números 11,25-29; Tiago 5,1-6; Marcos 9,38-43.45.47-48
Dois
temas aparecem nos textos bíblicos de hoje. O primeiro é o tema da liberdade do
Espírito de Deus: Ele se derramou sobre dois homens que não estavam no
acampamento, junto com Moisés (cf. Nm 11,26), assim como capacitou um homem que
não era do grupo dos discípulos de Jesus a expulsar demônios (cf. Mc 9,38). O
segundo tema é a questão do escândalo: “Se alguém escandalizar um destes
pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de
moinho amarrada ao pescoço” (Mc 9,42). Devido ao contexto em que estamos
vivendo, seja no campo da Igreja, seja no campo da sociedade como um todo,
trataremos do segundo tema: a questão do escândalo.
No
sentido bíblico, “escândalo” é toda atitude minha que leva uma pessoa a perder
a fé. Nosso mundo está cheio de escândalos, de modo que eles deixaram de ser exceção
e passaram a ser regra: tornaram-se tão comuns, tão habituais, que já não nos
escandalizam.
Os
escândalos mais comuns se referem ao desvio de dinheiro – corrupção de
políticos e de empresários, de venda de sentenças (juízes), de assédio moral ou
sexual (mundo do trabalho), de adultério e de separação de casais “famosos” etc.
No campo religioso, os escândalos costumam girar em torno do enriquecimento de pastores
evangélicos, da ostentação de alguns padres e bispos católicos que vivem como
príncipes e da problemática sexual: tanto no campo evangélico quanto no
católico, pipocam escândalos de pedofilia ou de vida sexual promíscua.
O
problema do escândalo que provoca a perda da fé, mencionado por Jesus no
Evangelho, foi retratado no filme Spotlight – segredos revelados (2015):
um homem adulto, abusado por um padre quando criança, diz a um jornalista que
investiga abusos sexuais na Igreja dos Estados Unidos: “Eles (padres
abusadores) não roubam apenas a nossa inocência; roubam também a nossa fé”. Para
Jesus, uma atitude minha consciente e proposital que leve uma pessoa a perder a
fé equivale à minha condenação diante de Deus: “melhor seria que fosse jogado
no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço” (Mc 9,42). Embora muitos
escapem da justiça terrena, ninguém escapará do momento do julgamento divino,
onde se confrontará tanto com o Filho – “Tudo o que fizeste a um desses
pequeninos, foi a mim que o fizeste” (Mt 25,40) – quanto com o Pai, o qual “não
deseja que nenhum desses pequeninos se perca” (Mt 18,14).
A
título de conscientização, é importante lembrarmos de que tanto o Papa Bento XVI
quanto o Papa Francisco estabeleceram para a nossa Igreja “tolerância zero” com
padres ou bispos abusadores de menores: eles devem ser imediatamente suspensos de
suas funções, investigados e entregues à justiça comum, casos se comprove que
cometeram crime. Portanto, o tempo de acobertamento de crimes sexuais em nossa
Igreja acabou!
Há
uma outra face do escândalo que precisa ser despertada em nós: escândalos que
não nos escandalizam. A fome não nos escandaliza; as desigualdades sociais e a
violência gerada por elas não nos escandalizam; o enriquecimento de certos
empresários às custas de salários miseráveis pagos aos seus empregados (cf. Tg
5,1-6) não nos escandaliza; as queimadas propositais, o desmatamento da Amazônia
e a destruição do Pantanal para a expansão da agropecuária não nos
escandalizam; um presidente que afirma ao mundo ser um homem que acredita em
Deus, mas promove uma política que privilegia os ricos e mata os pobres não nos
escandaliza. E por que esses escândalos não nos escandalizam? Por que cada um
de nós está voltado para si mesmo, seja lutando por sua sobrevivência ou
tentando administrar seus próprios escândalos.
Seria
muito fácil justificar os nossos escândalos pessoais colocando a culpa na
sociedade em que vivemos. Mas Jesus nos chama à responsabilidade pessoal, ao
nos lembrar que “nós não somos produto das circunstâncias; nós somos produto
das nossas decisões” (V. Frankl). Se é verdade que nós somos afetados por
estímulos externos, também é verdade que nós temos consciência e liberdade para
escolher como responder ao que nos afeta; responder, e não simplesmente reagir!
Eis porque Jesus nos aconselha: “Se tua mão te leva a pecar, corta-a! (...) Se
teu pé te leva a pecar, corta-o! (...) Se teu olho te leva a pecar, arranca-o! É
melhor entrar no Reino de Deus” faltando um dos teus membros, do que todo o teu
corpo “ser jogado no inferno” (Mc 9,43.45.47).
O
problema é que “cortar” a mão, o pé, ou “arrancar” o olho significa dizer “não”
a nós mesmos; significa frustrar a nossa vontade de satisfazer o nosso desejo
de prazer, ainda que tal prazer seja aparente, momentâneo e contrário aos
valores que professamos, ao estado de vida que abraçamos e àqueles que nós mais
amamos. Desse modo, nós deixamos de ouvir nossa consciência e substituímos nossa
responsabilidade pelo “viver o momento presente”, pelo delegar às nossas emoções
e aos nossos instintos a direção da nossa vida. Assim, ao não querer perder a
oportunidade de um prazer ou de um benefício, ainda que aparente ou obtido
mediante a traição, a corrupção ou prejudicando alguém, nós perdemos a nossa
alma diante de Deus...
Permita
que o Evangelho de hoje questione sua vida. Com o que você se escandaliza? Com
o que você não mais se escandaliza? Quais são os seus escândalos pessoais?
Quais são aqueles pecados que você trata como se fossem seus bichinhos de
estimação, os quais você pensa que controla e não se dá conta de que eles estão
comprometendo a sua salvação diante de Deus? Qual decisão você precisa tomar
para salvar a sua vida diante de Deus? Será que alguma atitude sua está levando
alguém a perder a fé em Deus, ou na Igreja, ou, quem sabe, no próprio ser
humano? Jesus convida você a fazer uso da sua consciência e da sua liberdade para
colocar em ordem os seus afetos, tomar as decisões que são necessárias, fazer
os cortes que são precisos, ao invés de permitir que seus afetos desordenados joguem
você por inteiro num inferno do qual você não conseguirá mais sair.
Oração:
Senhor Jesus, ensina-me a ouvir a minha consciência e a usar a minha liberdade
para me responsabilizar por minha vida, por minhas escolhas e decisões. Ordena
os meus afetos, de modo que eles deixem de me sabotar, de trabalharem contra
mim, desviando-me do caminho da salvação. Sustenta-me nas decisões que devo tomar
para cortar da minha vida tudo aquilo que está me fazendo caminhar na direção
do inferno, da destruição de tudo aquilo que eu amo. Ensina-me a dizer não a
mim mesmo, a frustrar o meu ego sempre que ele desejar aquilo que não é um bem
real, mas aparente. Livra-me de ser causa de escândalo, de perda de fé para
quem quer que seja. Salva-me de mim mesmo, Senhor! Amém!
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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