quinta-feira, 23 de setembro de 2021

EU E OS MEUS ESCÂNDALOS

 Missa do 26. dom. comum. Palavra de Deus: Números 11,25-29; Tiago 5,1-6; Marcos 9,38-43.45.47-48

 

Dois temas aparecem nos textos bíblicos de hoje. O primeiro é o tema da liberdade do Espírito de Deus: Ele se derramou sobre dois homens que não estavam no acampamento, junto com Moisés (cf. Nm 11,26), assim como capacitou um homem que não era do grupo dos discípulos de Jesus a expulsar demônios (cf. Mc 9,38). O segundo tema é a questão do escândalo: “Se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço” (Mc 9,42). Devido ao contexto em que estamos vivendo, seja no campo da Igreja, seja no campo da sociedade como um todo, trataremos do segundo tema: a questão do escândalo.

No sentido bíblico, “escândalo” é toda atitude minha que leva uma pessoa a perder a fé. Nosso mundo está cheio de escândalos, de modo que eles deixaram de ser exceção e passaram a ser regra: tornaram-se tão comuns, tão habituais, que já não nos escandalizam.

Os escândalos mais comuns se referem ao desvio de dinheiro – corrupção de políticos e de empresários, de venda de sentenças (juízes), de assédio moral ou sexual (mundo do trabalho), de adultério e de separação de casais “famosos” etc. No campo religioso, os escândalos costumam girar em torno do enriquecimento de pastores evangélicos, da ostentação de alguns padres e bispos católicos que vivem como príncipes e da problemática sexual: tanto no campo evangélico quanto no católico, pipocam escândalos de pedofilia ou de vida sexual promíscua.

O problema do escândalo que provoca a perda da fé, mencionado por Jesus no Evangelho, foi retratado no filme Spotlight – segredos revelados (2015): um homem adulto, abusado por um padre quando criança, diz a um jornalista que investiga abusos sexuais na Igreja dos Estados Unidos: “Eles (padres abusadores) não roubam apenas a nossa inocência; roubam também a nossa fé”. Para Jesus, uma atitude minha consciente e proposital que leve uma pessoa a perder a fé equivale à minha condenação diante de Deus: “melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço” (Mc 9,42). Embora muitos escapem da justiça terrena, ninguém escapará do momento do julgamento divino, onde se confrontará tanto com o Filho – “Tudo o que fizeste a um desses pequeninos, foi a mim que o fizeste” (Mt 25,40) – quanto com o Pai, o qual “não deseja que nenhum desses pequeninos se perca” (Mt 18,14).

A título de conscientização, é importante lembrarmos de que tanto o Papa Bento XVI quanto o Papa Francisco estabeleceram para a nossa Igreja “tolerância zero” com padres ou bispos abusadores de menores: eles devem ser imediatamente suspensos de suas funções, investigados e entregues à justiça comum, casos se comprove que cometeram crime. Portanto, o tempo de acobertamento de crimes sexuais em nossa Igreja acabou!

Há uma outra face do escândalo que precisa ser despertada em nós: escândalos que não nos escandalizam. A fome não nos escandaliza; as desigualdades sociais e a violência gerada por elas não nos escandalizam; o enriquecimento de certos empresários às custas de salários miseráveis pagos aos seus empregados (cf. Tg 5,1-6) não nos escandaliza; as queimadas propositais, o desmatamento da Amazônia e a destruição do Pantanal para a expansão da agropecuária não nos escandalizam; um presidente que afirma ao mundo ser um homem que acredita em Deus, mas promove uma política que privilegia os ricos e mata os pobres não nos escandaliza. E por que esses escândalos não nos escandalizam? Por que cada um de nós está voltado para si mesmo, seja lutando por sua sobrevivência ou tentando administrar seus próprios escândalos.

Seria muito fácil justificar os nossos escândalos pessoais colocando a culpa na sociedade em que vivemos. Mas Jesus nos chama à responsabilidade pessoal, ao nos lembrar que “nós não somos produto das circunstâncias; nós somos produto das nossas decisões” (V. Frankl). Se é verdade que nós somos afetados por estímulos externos, também é verdade que nós temos consciência e liberdade para escolher como responder ao que nos afeta; responder, e não simplesmente reagir! Eis porque Jesus nos aconselha: “Se tua mão te leva a pecar, corta-a! (...) Se teu pé te leva a pecar, corta-o! (...) Se teu olho te leva a pecar, arranca-o! É melhor entrar no Reino de Deus” faltando um dos teus membros, do que todo o teu corpo “ser jogado no inferno” (Mc 9,43.45.47).

O problema é que “cortar” a mão, o pé, ou “arrancar” o olho significa dizer “não” a nós mesmos; significa frustrar a nossa vontade de satisfazer o nosso desejo de prazer, ainda que tal prazer seja aparente, momentâneo e contrário aos valores que professamos, ao estado de vida que abraçamos e àqueles que nós mais amamos. Desse modo, nós deixamos de ouvir nossa consciência e substituímos nossa responsabilidade pelo “viver o momento presente”, pelo delegar às nossas emoções e aos nossos instintos a direção da nossa vida. Assim, ao não querer perder a oportunidade de um prazer ou de um benefício, ainda que aparente ou obtido mediante a traição, a corrupção ou prejudicando alguém, nós perdemos a nossa alma diante de Deus...  

Permita que o Evangelho de hoje questione sua vida. Com o que você se escandaliza? Com o que você não mais se escandaliza? Quais são os seus escândalos pessoais? Quais são aqueles pecados que você trata como se fossem seus bichinhos de estimação, os quais você pensa que controla e não se dá conta de que eles estão comprometendo a sua salvação diante de Deus? Qual decisão você precisa tomar para salvar a sua vida diante de Deus? Será que alguma atitude sua está levando alguém a perder a fé em Deus, ou na Igreja, ou, quem sabe, no próprio ser humano? Jesus convida você a fazer uso da sua consciência e da sua liberdade para colocar em ordem os seus afetos, tomar as decisões que são necessárias, fazer os cortes que são precisos, ao invés de permitir que seus afetos desordenados joguem você por inteiro num inferno do qual você não conseguirá mais sair.

 

Oração: Senhor Jesus, ensina-me a ouvir a minha consciência e a usar a minha liberdade para me responsabilizar por minha vida, por minhas escolhas e decisões. Ordena os meus afetos, de modo que eles deixem de me sabotar, de trabalharem contra mim, desviando-me do caminho da salvação. Sustenta-me nas decisões que devo tomar para cortar da minha vida tudo aquilo que está me fazendo caminhar na direção do inferno, da destruição de tudo aquilo que eu amo. Ensina-me a dizer não a mim mesmo, a frustrar o meu ego sempre que ele desejar aquilo que não é um bem real, mas aparente. Livra-me de ser causa de escândalo, de perda de fé para quem quer que seja. Salva-me de mim mesmo, Senhor! Amém!   

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

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