domingo, 1 de agosto de 2021

COMO LIDAR COM A FALTA DOS 15%?


Uma mulher, enquanto solteira, teve relações sexuais com diversos homens. Seu último relacionamento, antes de se casar com o atual marido, foi marcado por intensas experiências sexuais, assim também como por muitos sofrimentos, pois seu parceiro era um homem “problemático”.

Os anos passaram e essa mulher encontrou “o homem da sua vida”: íntegro, afetuoso, trabalhador, inteligente, um marido presente e um excelente pai; numa palavra: seu marido é o homem que toda mulher desejaria encontrar para se casar. De repente, quando a vida parecia perfeita, essa mulher se dá conta de que não é totalmente feliz. Em termos de porcentagem, ela toma consciência de que se sente realizada na vida 85%; portanto, faltam 15% para que ela se sinta plenamente realizada! O que são esses 15%? Justamente, as intensas experiências sexuais que ela teve com o homem que tanto a fez sofrer.

Atormentada por fantasias sexuais, essa mulher se dá conta de que precisa fazer uma escolha: ou se contentar com os 85% que tem de realização, ou abrir mão deles (paz, conforto, marido e filhos) para tentar recuperar os 15% dos quais sente falta. Entre essas duas possibilidades de escolha, uma terceira lhe é proposta: conjugar as duas coisas, ou seja, viver uma vida dupla; manter-se casada com seu marido, permitindo-se, ao mesmo tempo, dar vazão aos seus desejos sexuais, encontrando-se ocasionalmente com seu antigo namorado.   

Esse drama encontra-se na minissérie “Sex Life” (Netflix) e serve para nos fazer refletir sobre uma importante questão: existe vida 100% realizada e feliz? Existe alguma pessoa na face da terra que se sinta 100% feliz e realizada com o caminho que escolheu seguir na vida?

Todas as propagandas de consumo que o mundo inventa para nos “fisgar” prometem exatamente isso: uma vida 100% realizada, feliz. Mas não só isso: a chamada “ditadura da felicidade” ou “ditadura do bem-estar” quer nos convencer de que, se não estamos 100% realizados e felizes não somente na vida, mas 24 horas por dia, algo está errado com a nossa vida, e precisamos urgentemente ir atrás dos 15% que nos faltam, para sermos plenamente felizes e realizados.      

            Quais são os seus 15%? Em qual área da sua vida você não se sente plenamente feliz ou realizado(a)? Por desejarem 100% de realização e felicidade, pessoas casadas adulteram, padres que abraçaram o celibato levam vida dupla, políticos e juízes se corrompem, pessoas se tornam dependentes químicas (uso de drogas) ou se suicidam... Na verdade, a busca pelos 100% de realização esconde uma armadilha: “O que é demais nunca é o bastante” (Legião Urbana, Teatro dos vampiros). Além de sermos seres insatisfeitos, sempre surgirá alguém ou algo novo e diferente para nos dizer: “você ainda não me tem na sua vida!”.  

            A resposta que você dará à falta dos seus 15% depende dos seus valores, do seu caráter, da sua consciência, da sua maturidade, da sua fé, da sua capacidade de renúncia e, principalmente, do sentido que você dá à dor da ausência dos 15% . Se no mundo virtual ou literário existe vida 100% realizada e feliz, na vida real o que existe é a verdade de que “ninguém pode ter tudo”. Essa foi uma descoberta dolorosa que o pavão fez. Ao ir reclamar com o Criador por que ele havia sido criado com uma beleza invejável, mas com pés e uma voz feios, que destoavam da beleza das suas penas coloridas, recebeu como resposta: “Porque ninguém pode ter tudo”.

            Para toda pessoa inconformada com a realidade da vida e, sobretudo, para pessoas religiosas iludidas por pregações que afirmam que Deus nos quer plenamente felizes aqui e agora, vale a pena lembrarmos as palavras de Jesus nas bem-aventuranças: “Felizes os pobres em espírito... Felizes os que choram... Felizes os que têm fome e sede de justiça... Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, de mim e do Evangelho...” (Mateus 5,3-12). Todas essas pessoas mencionadas por Jesus têm em sua vida a ausência dos 15%, para não dizer que algumas delas vivem apenas com 15%, isto é, sem os 85% de realização!

            O que Jesus quer nos dizer que é precisamos tomar cuidado com aquilo que entendemos por felicidade. Precisamos ser realistas e aceitar o fato de que “ninguém tem tudo” e “ninguém pode ter tudo”. Precisamos estar conscientes de que, enquanto estivermos neste mundo terreno, sempre nos faltarão os 15%, pelo fato de que “agora vemos como que através de um espelho, mas depois veremos face a face; agora conhecemos apenas em parte, mas depois conheceremos como somos conhecidos” (1Coríntios 13,12). O que Jesus está nos perguntando é se vale mesmo à pena correr atrás dos 15% e pôr a perder os 85% que temos.

            Uma última palavra: para quem acredita que dá conta de conciliar os 85% com os 15% levando uma vida dupla, adúltera, fazendo um “bem bolado”, fica a advertência bíblica de que “ferro e barro não se fundem”: cedo ou tarde, uma pequena pedra baterá nos pés feitos de ferro misturado com barro, e tudo desabará, tudo será destruído (cf. Daniel 2,33.43).

  

            Pe. Paulo Cezar Mazzi

5 comentários:

  1. Maravilhosa reflexão! Obrigada padre Paulo, por nos presentear com tais palavras,tão pertinentes diante da realidade de nosso tempo!

    ResponderExcluir
  2. Padre Paulo, refletir sobre a nossa vida sempre nos faz encontrar possibilidades para agradecer, ou até para murmurar sobre os caminhos que a vida nos leva, mas refletir sobre o que Deus nos presenteia a cada amanhecer nos fortalece para aceitar seus desígnios, mesmo que a vida agoraseja uma eterna busca de sentido! Obrigada por me abrir os olhos com sua maravilhosa reflexão, saudades!!!!

    ResponderExcluir
  3. Sempre muito oportuna as reflexões deste meu querido irmão, a quem desejo saudar e cumprimentar também pelo dia do Padre! Uns dos únicos 15% que às vezes sinto falta são os das suas visitas aqui em BH. Fortíssimo abraço! + Nivaldo

    ResponderExcluir
  4. Padre Paulo, excelente reflexão. Ninguém pode ter tudo, ou querer tudo e sentir-se infeliz quando falta uma pequena coisa. O Evangelho das Bem Aventuranças deixa claro que Jesus entendia que a vida terrena tem suas limitações.

    ResponderExcluir