Uma
mulher, enquanto solteira, teve relações sexuais com diversos homens. Seu
último relacionamento, antes de se casar com o atual marido, foi marcado por
intensas experiências sexuais, assim também como por muitos sofrimentos, pois
seu parceiro era um homem “problemático”.
Os
anos passaram e essa mulher encontrou “o homem da sua vida”: íntegro, afetuoso,
trabalhador, inteligente, um marido presente e um excelente pai; numa palavra: seu
marido é o homem que toda mulher desejaria encontrar para se casar. De repente,
quando a vida parecia perfeita, essa mulher se dá conta de que não é totalmente
feliz. Em termos de porcentagem, ela toma consciência de que se sente realizada
na vida 85%; portanto, faltam 15% para que ela se sinta plenamente realizada! O
que são esses 15%? Justamente, as intensas experiências sexuais que ela teve
com o homem que tanto a fez sofrer.
Atormentada
por fantasias sexuais, essa mulher se dá conta de que precisa fazer uma
escolha: ou se contentar com os 85% que tem de realização, ou abrir mão
deles (paz, conforto, marido e filhos) para tentar recuperar os 15% dos quais
sente falta. Entre essas duas possibilidades de escolha, uma terceira lhe é
proposta: conjugar as duas coisas, ou seja, viver uma vida dupla; manter-se
casada com seu marido, permitindo-se, ao mesmo tempo, dar vazão aos seus
desejos sexuais, encontrando-se ocasionalmente com seu antigo namorado.
Esse
drama encontra-se na minissérie “Sex Life” (Netflix) e serve para nos
fazer refletir sobre uma importante questão: existe vida 100% realizada e feliz?
Existe alguma pessoa na face da terra que se sinta 100% feliz e realizada com o
caminho que escolheu seguir na vida?
Todas
as propagandas de consumo que o mundo inventa para nos “fisgar” prometem
exatamente isso: uma vida 100% realizada, feliz. Mas não só isso: a chamada “ditadura
da felicidade” ou “ditadura do bem-estar” quer nos convencer de que, se não
estamos 100% realizados e felizes não somente na vida, mas 24 horas por dia, algo
está errado com a nossa vida, e precisamos urgentemente ir atrás dos 15% que
nos faltam, para sermos plenamente felizes e realizados.
Quais são os seus 15%? Em qual área
da sua vida você não se sente plenamente feliz ou realizado(a)? Por desejarem
100% de realização e felicidade, pessoas casadas adulteram, padres que
abraçaram o celibato levam vida dupla, políticos e juízes se corrompem, pessoas
se tornam dependentes químicas (uso de drogas) ou se suicidam... Na verdade, a
busca pelos 100% de realização esconde uma armadilha: “O que é demais nunca
é o bastante” (Legião Urbana, Teatro dos vampiros). Além de sermos seres
insatisfeitos, sempre surgirá alguém ou algo novo e diferente para nos dizer: “você
ainda não me tem na sua vida!”.
A resposta que você dará à falta dos
seus 15% depende dos seus valores, do seu caráter, da sua consciência, da sua
maturidade, da sua fé, da sua capacidade de renúncia e, principalmente, do
sentido que você dá à dor da ausência dos 15% . Se no mundo virtual ou
literário existe vida 100% realizada e feliz, na vida real o que existe é a
verdade de que “ninguém pode ter tudo”. Essa foi uma descoberta dolorosa que o
pavão fez. Ao ir reclamar com o Criador por que ele havia sido criado com uma
beleza invejável, mas com pés e uma voz feios, que destoavam da beleza das suas
penas coloridas, recebeu como resposta: “Porque ninguém pode ter tudo”.
Para toda pessoa inconformada com a
realidade da vida e, sobretudo, para pessoas religiosas iludidas por pregações
que afirmam que Deus nos quer plenamente felizes aqui e agora, vale a pena
lembrarmos as palavras de Jesus nas bem-aventuranças: “Felizes os pobres em
espírito... Felizes os que choram... Felizes os que têm fome e sede de
justiça... Felizes os que são perseguidos por causa da justiça, de mim e do
Evangelho...” (Mateus 5,3-12). Todas essas pessoas mencionadas por Jesus têm em
sua vida a ausência dos 15%, para não dizer que algumas delas vivem apenas com
15%, isto é, sem os 85% de realização!
O que Jesus quer nos dizer que é
precisamos tomar cuidado com aquilo que entendemos por felicidade. Precisamos ser
realistas e aceitar o fato de que “ninguém tem tudo” e “ninguém pode ter tudo”.
Precisamos estar conscientes de que, enquanto estivermos neste mundo terreno,
sempre nos faltarão os 15%, pelo fato de que “agora vemos como que através de
um espelho, mas depois veremos face a face; agora conhecemos apenas em parte,
mas depois conheceremos como somos conhecidos” (1Coríntios 13,12). O que
Jesus está nos perguntando é se vale mesmo à pena correr atrás dos 15% e pôr a
perder os 85% que temos.
Uma última palavra: para quem
acredita que dá conta de conciliar os 85% com os 15% levando uma vida dupla,
adúltera, fazendo um “bem bolado”, fica a advertência bíblica de que “ferro
e barro não se fundem”: cedo ou tarde, uma pequena pedra baterá nos pés
feitos de ferro misturado com barro, e tudo desabará, tudo será destruído (cf.
Daniel 2,33.43).
Pe. Paulo Cezar Mazzi
Maravilhosa reflexão! Obrigada padre Paulo, por nos presentear com tais palavras,tão pertinentes diante da realidade de nosso tempo!
ResponderExcluirPadre Paulo, refletir sobre a nossa vida sempre nos faz encontrar possibilidades para agradecer, ou até para murmurar sobre os caminhos que a vida nos leva, mas refletir sobre o que Deus nos presenteia a cada amanhecer nos fortalece para aceitar seus desígnios, mesmo que a vida agoraseja uma eterna busca de sentido! Obrigada por me abrir os olhos com sua maravilhosa reflexão, saudades!!!!
ResponderExcluirSempre muito oportuna as reflexões deste meu querido irmão, a quem desejo saudar e cumprimentar também pelo dia do Padre! Uns dos únicos 15% que às vezes sinto falta são os das suas visitas aqui em BH. Fortíssimo abraço! + Nivaldo
ResponderExcluirSempre muito oportunas…*
ResponderExcluirPadre Paulo, excelente reflexão. Ninguém pode ter tudo, ou querer tudo e sentir-se infeliz quando falta uma pequena coisa. O Evangelho das Bem Aventuranças deixa claro que Jesus entendia que a vida terrena tem suas limitações.
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