quinta-feira, 5 de agosto de 2021

VIVER DE FÉ, SOMENTE PELA FÉ

 Missa do 19. dom. comum. Palavra de Deus: 1Reis 19,4-8; Efésios 4,30 – 5,2; João 6,41-51.

 

            Chegará um tempo em que só será possível viver pela fé: “O justo (o homem de Deus) viverá por sua fé” (Hab 2,4; Rm 1,17), unicamente pela força da sua fé. “Uma pessoa que perdeu sua fé é como um arco frouxo do qual nenhuma flecha consegue mais ser lançada” (Pe. Henri Nouwen).

            Nós, cristãos, não temos fé numa doutrina, num livro (ainda que seja a Bíblia), mas numa Pessoa: Jesus Cristo. “Eu não me envergonho de sofrer pelo Evangelho porque sei em quem coloquei a minha fé” (citação livre de 2Tm 1,12). A fé não nos impede de sofrer, mas dá sentido ao nosso sofrimento. Todo ser humano sofre, mas quem tem fé não é soterrado pelo sofrimento; sua fé o faz transcender sua situação de dor.

            Jesus, aquele em quem depositamos a nossa fé, se apresenta dessa forma, no Evangelho de hoje: “Eu sou o pão que desceu do céu... Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente.” (Jo 6,41.51). Pão é alimento. Todo ser vivo precisa alimentar-se. Nossa fé em Jesus precisa alimentar-se do pão que Ele mesmo é, do pão que Ele nos oferece, primeiramente na Palavra; depois, na Eucaristia. E aqui é preciso concentrar-nos na Palavra de Jesus enquanto alimento de vida eterna: “Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Também o apóstolo Paulo afirma que “a fé nasce em nós e se mantém em nós pelo ouvir a Palavra de Cristo, a Palavra que é Cristo” (citação livre de Rm 10,17).

             Vejamos o que aconteceu com o profeta Elias. Depois de viver um momento de enorme sucesso no seu profetismo (cf. 1Rs 18,20-40), ele entra em depressão, a ponto de pedir a Deus a morte: “Elias entrou deserto adentro e caminhou o dia todo... e pediu para si a morte, dizendo: ‘Agora basta, Senhor! Tira a minha vida’. E, deitando-se no chão, adormeceu” (1Rs 19,4-5). Elias é a imagem das pessoas que entram em depressão devido ao esgotamento. De repente, a vida perde o sentido e elas são jogadas dentro de um deserto. Elas não apenas tropeçam e caem, mas deitam-se no chão desse deserto, se entregam à depressão, porque se sentem fracassadas, porque não têm forças para mais nada. Deitadas no chão, elas adormecem, porque dormir significa não ter que pensar nos problemas a serem enfrentados; significa não ouvir as constantes solicitações do mundo; significa entregar os pontos e dizer: ‘Eu não consigo mais’.

                Mas Elias tem uma parcela de responsabilidade na sua depressão. Ele se julgou imbatível, com uma fé inabalável, como uma pessoa de ânimo inesgotável, e agora precisa lidar com o seu humano, com os seus limites, com a verdade de que, por mais fé que uma pessoa tenha, em sua alma também haverá lugar para o cansaço, o desânimo, o medo e o sentimento de abandono por parte de Deus, exatamente como descreveu Santa Teresa de Calcutá, no seu período de aridez espiritual: “O lugar de Deus na minha alma está vazio. Não há Deus em mim” (do livro “Vem; seja a minha luz”). 

            Contudo, “tenho plena certeza de que aquele que começou em vocês uma boa obra há de levá-la à perfeição até o dia de Cristo Jesus” (Fl 1,6). Deus jamais abandona no meio do caminho aqueles que chamou à fé em seu Filho Jesus. Elias é visitado por um homem no deserto, que fala com ele e lhe oferece pão e água: “‘Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer’. Elias levantou-se, comeu e bebeu, e, com a força desse alimento, andou quarenta dias e quarenta noites até chegar ao Horeb, o monte de Deus” (1Rs 19,7-8). Precisamos nos alimentar de fé; precisamos nos alimentar da Palavra que é Cristo porque as lutas e os desafios que temos que enfrentar estão acima das nossas forças humanas, e só poderão ser vencidos pela força da nossa fé.

            Acontece que a fé não é um simples querer da nossa parte, um mero exercício da nossa vontade: “Eu quero ter fé”. Ela é um dom do Pai: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai. E eu o ressuscitarei no último dia. Está escrito nos profetas: ‘Todos serão discípulos de Deus’. Ora, todo aquele que escutou o Pai e por ele foi instruído vem a mim” (Jo 6,44-45). Da mesma forma como pedimos ao Pai “o pão nosso de cada dia nos dai hoje”, precisamos pedir-Lhe: “a fé nossa de cada dia nos dai hoje!” Precisamos pedir que o Pai nos atraia para seu Filho, que nos encante por Ele e pelo seu Evangelho. Precisamos orar pelas pessoas que perderam ou estão enfraquecidas na sua fé, pois somente o Pai pode despertar nelas a necessidade e o desejo de buscarem Jesus. Precisamos pedir que o Pai nos dê ouvidos e coração de discípulos, para O escutarmos e para permitir que Ele nos conduza ao seu Filho, “Salvador de todos os homens, mas sobretudo dos que têm fé” (1Tm 4,10).

            É preciso lembrar mais uma vez: “Todo aquele que escutou o Pai e por ele foi instruído vem a mim” (Jo 6,45), isto é, “tem fé em mim”, disse Jesus. Nós escutamos o Pai quando escutamos a nossa consciência; quando temos a coragem de silenciar não somente o barulho externo, mas o interno – o mais difícil de ser silenciado –, para ouvirmos a Sua voz que fala a partir do mais profundo de nós mesmos, do meio do nosso deserto espiritual. E o Pai está nos falando: “Levante-se da sua prostração, do seu desânimo; alimente-se de fé; alimente sua fé; alimente-se da Palavra e do Pão vivo descido do céu, que é meu Filho, para que você possa chegar até Mim!”.

            Hoje oramos especialmente pelos pais. Também como Elias, muitos pais estão deprimidos, desanimados, esgotados; muitos pais têm caminhado a vida toda distantes da fé, sem alimentar-se da Palavra e da Eucaristia; por não terem fé, ou por não saberem como alimentar sua fé, muitos pais se tornaram arcos frouxos, dos quais nenhuma flecha pode mais ser lançada. Não são poucas as famílias cujos filhos não têm junto a si esse arco firme que incentiva-os a se lançarem na vida e a buscarem Jesus como fonte de salvação. Oremos pelos pais cristãos, que atravessam desertos espirituais; que o Pai do céu fale aos seus corações, retire-os da prostração, afaste-os do desânimo, alimente-os com sua Palavra e fortaleça-os com a graça do Espírito Santo, para que possam chegar com suas famílias ao monte Horeb, ao lugar onde o Pai habita!

 

Oração: Pai, hoje venho entregar a ti o meu cansaço, o meu desânimo, a minha experiência de me sentir num profundo deserto. Minha fé desfalece, Senhor. Preciso do teu socorro. Abre meus ouvidos e dá-me coração de discípulo para que, ouvindo-te, eu me deixe atrair para o teu Filho.

Concede-me fé! Mesmo no meu vazio espiritual, não quero desistir de te buscar, pois sei tu não desejas que eu morra no deserto. Tu me alimentas e me convidas a retomar o caminho da fé, até chegar aonde tu habitas.

Estende tua mão sobre cada homem, especialmente sobre cada pai, na face da terra. Infunde-lhes a força do Espírito Santo. Levanta-os das suas quedas. Suscita-lhes a fé em teu Filho Jesus. Que cada pai volte a ser um arco firme, capaz de lançar-se para a frente com sua família, rumo à meta que tu nos chamas a alcançar: a tua casa, o teu Reino, o teu coração.

Em nome de Jesus, amém!

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi    

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