Missa do 21. dom. comum. Palavra de Deus: Josué 24,1-2a.15-17.18b; Efésios 5,21-32; João 6,60-69.
Está
comprovado pela ciência que ter fé, ter uma religião, ajuda a pessoa a viver
melhor. Está comprovado que as pessoas que têm fé e praticam uma religião vivem
mais, são mais felizes e lidam melhor com os problemas da vida. Apesar dessa
constatação, o Evangelho de hoje vem nos dizer que a fé e a religião não estão
aí para colaborarem com o nosso bem estar; elas não visam anestesiar a nossa
consciência, mas provocá-la, despertá-la; elas não têm por objetivo nos colocar
numa zona de conforto mas nos tirar da nossa zona de conforto; numa palavra, a
fé e a religião não têm por objetivo nos dar respostas que facilitem a nossa
vida neste mundo, mas nos fazer perguntas que nos obriguem a tomar decisões,
decisões que passamos a vida inteira protelando, deixando para depois, porque
nos são dolorosas.
O
Evangelho de hoje nos revela um momento de crise na relação de Jesus com seus
discípulos: “A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não
andavam mais com ele” (Jo 6,66). Por qual motivo? Porque eles diziam: “Esta
palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” (Jo 6,60). Nós sabemos que a Palavra
de Jesus tem força para fazer uma pessoa passar da morte para a vida (cf. Jo
5,24-25). É uma Palavra que cura quem está doente, reorienta quem se sente
perdido, transmite amor a quem não se sente amado, ressuscita quem se sente
morto, comunica perdão a quem se sente condenado etc. No entanto, é uma Palavra
“dura”!
Duas
expressões bíblicas nos ajudam a entender qual a razão de a Palavra de Jesus ser
criticada como “dura”. A primeira se encontra no profeta Jeremias: “Não é minha
palavra como fogo e como martelo que arrebenta a rocha?” (Jr 23,29). Quanto
mais eu estou obstinado no erro, endurecido nele como ferro, mais eu preciso
que o fogo que é a Palavra de Deus derreta o ferro e torne o meu coração
flexível, capaz de modificar minhas atitudes. Quanto mais eu sou “cabeça dura”
mais é necessário que a Palavra de Deus bata firme em mim como um martelo, até
arrebentar a minha dureza, até me fazer ver aquilo que eu teimo em não ver e
admitir aquilo que eu me recuso a admitir: a minha necessidade de conversão ou
de tomada de atitude.
A
segunda expressão bíblica sobre a “dureza” da Palavra de Jesus se encontra na
carta aos Hebreus: “A palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do que
qualquer espada...; penetra até dividir alma e espírito... Ela julga as
disposições e as intenções do coração. E não há criatura oculta à sua presença”
(Hb 4,12-13). Quando Jesus dirige sua Palavra a mim, ele não visa esconder minha
ferida debaixo de um tecido fino, belo e caro; ele visa fazer sangrar a minha ferida,
em vista de tratá-la e curá-la. Interessa a Jesus que sua Palavra penetre em
nós, e não fique na superficialidade do nosso ler, escutar e entender o que ele
nos diz. Interessa a Jesus que sua Palavra penetre fundo em nossa alma, até
onde se encontram as raízes das nossas intenções ocultas que nos levam a ter
comportamentos contrários à vontade de Deus.
“A
partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com
ele” (Jo 6,66). Há um fenômeno preocupante em nossa Igreja: grupos conservadores
e tradicionalistas rejeitam as exigências do Evangelho, ao mesmo tempo em que exigem
que a Igreja lhes anuncie um “evangelho domesticado”, um evangelho que não
critique as riquezas, que não se ocupe dos que sofrem injustiças sociais, que tenha
como objetivo a salvação da almas e não das pessoas por inteiro, que não denuncie
o farisaísmo dos católicos que “filtram um mosquito, enquanto engolem um camelo”
(Mt 23,24), ajudando financeiramente a Igreja ao mesmo tempo em que pagam
salários miseráveis e injustos aos seus empregados (cf. Tg 5,1-5). Enquanto
rejeitam a “palavra dura” do Evangelho, esses católicos sustentam financeiramente
um projeto político e cultural chamado “Brasil Paralelo”, justamente porque querem
uma “política paralela,” uma “igreja paralela”, um “magistério paralelo”, um “jesus
paralelo”, um “evangelho paralelo”.
O
que Jesus fez, ao ver que muitos dos seus discípulos o deixaram por reclamarem
da dureza da sua Palavra? Ele não mudou seu discurso, não atenuou sua Palavra,
não lhes propôs um “evangelho paralelo”; ele simplesmente voltou-se para os
doze apóstolos e lhes perguntou: “Vocês também querem ir embora?” (Jo 6,67). Essa
pergunta está sendo dirigida hoje a cada um de nós e está sendo feita para nos
lembrar de que Jesus nos quer livres e conscientes. Sua Palavra queima como
fogo, bate duro como um martelo, fere como uma espada, mas é uma Palavra que
contém o Espírito e a Vida que Deus deseja comunicar aos Seus filhos.
Nós
não somos obrigados a estar na Igreja; não somos obrigados a viver segundo as
exigências do Evangelho; não somos obrigados a nada. E só há uma coisa que pode
nos impedir de optarmos por ser “católicos paralelos”, seguidores de um “jesus
paralelo”, desejosos de ouvir um “evangelho paralelo”: a certeza de que Jesus,
com a “dureza” da sua Palavra, com as exigências do seu Evangelho, só tem um
objetivo: nos dar a Vida eterna (cf. Jo 6,68). E só se abre à Vida eterna quem
se permite pôr em crise, quem se permite ser confrontado com a verdade do
Evangelho.
Não
nos assustemos com a época em que estamos vivendo, marcada por crises no campo
da economia, da cultura, da política, das religiões, dos valores e da fé. É somente
na crise que se revelam os verdadeiros discípulos de Jesus. É justamente quando
a fé é atacada, combatida que você precisa se decidir ou por abandonar Jesus ou
por aprofundar a sua fé nele e no seu Evangelho, cujas palavras “são espírito e
vida” (Jo 6,63).
Oração:
Jesus, meu Senhor e meu Deus, dura é a tua Palavra, exigente é o teu Evangelho!
No entanto, preciso que ele me atinja como fogo, derretendo as minhas resistências,
duras como o ferro. Preciso que a dureza da tua Verdade bata firme na rocha da
minha teimosia em viver contrário(a) à vontade do Pai. Necessito que a espada
da tua Palavra penetre nas profundezas da minha alma e do meu espírito, para
sanar as minhas raízes doentias que me levam a pecar, a praticar o que é errado
aos olhos de Deus.
Sustenta-me
nos meus momentos de crise. Ensina-me a não fugir das perguntas com as quais
preciso me confrontar, para me tornar a pessoa que fui chamada a ser, segundo o
plano de Deus para a minha vida. Confronta-me com a verdade do teu Evangelho,
para que eu seja liberto(a) das minhas mentiras. Não permita que eu te abandone
para ir atrás de um “jesus paralelo” ou de um “evangelho paralelo”. Quero suportar
ser corrigido(a), formado(a), educado(a) e orientado(a) por tuas Palavras, pois
só tu tens Palavras de Vida eterna! Amém.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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