quinta-feira, 19 de agosto de 2021

O FOGO, O MARTELO E A ESPADA, OU UM "evangelho paralelo"?

 Missa do 21. dom. comum. Palavra de Deus: Josué 24,1-2a.15-17.18b; Efésios 5,21-32; João 6,60-69.

 

Está comprovado pela ciência que ter fé, ter uma religião, ajuda a pessoa a viver melhor. Está comprovado que as pessoas que têm fé e praticam uma religião vivem mais, são mais felizes e lidam melhor com os problemas da vida. Apesar dessa constatação, o Evangelho de hoje vem nos dizer que a fé e a religião não estão aí para colaborarem com o nosso bem estar; elas não visam anestesiar a nossa consciência, mas provocá-la, despertá-la; elas não têm por objetivo nos colocar numa zona de conforto mas nos tirar da nossa zona de conforto; numa palavra, a fé e a religião não têm por objetivo nos dar respostas que facilitem a nossa vida neste mundo, mas nos fazer perguntas que nos obriguem a tomar decisões, decisões que passamos a vida inteira protelando, deixando para depois, porque nos são dolorosas.

O Evangelho de hoje nos revela um momento de crise na relação de Jesus com seus discípulos: “A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele” (Jo 6,66). Por qual motivo? Porque eles diziam: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?” (Jo 6,60). Nós sabemos que a Palavra de Jesus tem força para fazer uma pessoa passar da morte para a vida (cf. Jo 5,24-25). É uma Palavra que cura quem está doente, reorienta quem se sente perdido, transmite amor a quem não se sente amado, ressuscita quem se sente morto, comunica perdão a quem se sente condenado etc. No entanto, é uma Palavra “dura”!

Duas expressões bíblicas nos ajudam a entender qual a razão de a Palavra de Jesus ser criticada como “dura”. A primeira se encontra no profeta Jeremias: “Não é minha palavra como fogo e como martelo que arrebenta a rocha?” (Jr 23,29). Quanto mais eu estou obstinado no erro, endurecido nele como ferro, mais eu preciso que o fogo que é a Palavra de Deus derreta o ferro e torne o meu coração flexível, capaz de modificar minhas atitudes. Quanto mais eu sou “cabeça dura” mais é necessário que a Palavra de Deus bata firme em mim como um martelo, até arrebentar a minha dureza, até me fazer ver aquilo que eu teimo em não ver e admitir aquilo que eu me recuso a admitir: a minha necessidade de conversão ou de tomada de atitude.  

A segunda expressão bíblica sobre a “dureza” da Palavra de Jesus se encontra na carta aos Hebreus: “A palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do que qualquer espada...; penetra até dividir alma e espírito... Ela julga as disposições e as intenções do coração. E não há criatura oculta à sua presença” (Hb 4,12-13). Quando Jesus dirige sua Palavra a mim, ele não visa esconder minha ferida debaixo de um tecido fino, belo e caro; ele visa fazer sangrar a minha ferida, em vista de tratá-la e curá-la. Interessa a Jesus que sua Palavra penetre em nós, e não fique na superficialidade do nosso ler, escutar e entender o que ele nos diz. Interessa a Jesus que sua Palavra penetre fundo em nossa alma, até onde se encontram as raízes das nossas intenções ocultas que nos levam a ter comportamentos contrários à vontade de Deus.

  “A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele” (Jo 6,66). Há um fenômeno preocupante em nossa Igreja: grupos conservadores e tradicionalistas rejeitam as exigências do Evangelho, ao mesmo tempo em que exigem que a Igreja lhes anuncie um “evangelho domesticado”, um evangelho que não critique as riquezas, que não se ocupe dos que sofrem injustiças sociais, que tenha como objetivo a salvação da almas e não das pessoas por inteiro, que não denuncie o farisaísmo dos católicos que “filtram um mosquito, enquanto engolem um camelo” (Mt 23,24), ajudando financeiramente a Igreja ao mesmo tempo em que pagam salários miseráveis e injustos aos seus empregados (cf. Tg 5,1-5). Enquanto rejeitam a “palavra dura” do Evangelho, esses católicos sustentam financeiramente um projeto político e cultural chamado “Brasil Paralelo”, justamente porque querem uma “política paralela,” uma “igreja paralela”, um “magistério paralelo”, um “jesus paralelo”, um “evangelho paralelo”.

O que Jesus fez, ao ver que muitos dos seus discípulos o deixaram por reclamarem da dureza da sua Palavra? Ele não mudou seu discurso, não atenuou sua Palavra, não lhes propôs um “evangelho paralelo”; ele simplesmente voltou-se para os doze apóstolos e lhes perguntou: “Vocês também querem ir embora?” (Jo 6,67). Essa pergunta está sendo dirigida hoje a cada um de nós e está sendo feita para nos lembrar de que Jesus nos quer livres e conscientes. Sua Palavra queima como fogo, bate duro como um martelo, fere como uma espada, mas é uma Palavra que contém o Espírito e a Vida que Deus deseja comunicar aos Seus filhos.

Nós não somos obrigados a estar na Igreja; não somos obrigados a viver segundo as exigências do Evangelho; não somos obrigados a nada. E só há uma coisa que pode nos impedir de optarmos por ser “católicos paralelos”, seguidores de um “jesus paralelo”, desejosos de ouvir um “evangelho paralelo”: a certeza de que Jesus, com a “dureza” da sua Palavra, com as exigências do seu Evangelho, só tem um objetivo: nos dar a Vida eterna (cf. Jo 6,68). E só se abre à Vida eterna quem se permite pôr em crise, quem se permite ser confrontado com a verdade do Evangelho.

Não nos assustemos com a época em que estamos vivendo, marcada por crises no campo da economia, da cultura, da política, das religiões, dos valores e da fé. É somente na crise que se revelam os verdadeiros discípulos de Jesus. É justamente quando a fé é atacada, combatida que você precisa se decidir ou por abandonar Jesus ou por aprofundar a sua fé nele e no seu Evangelho, cujas palavras “são espírito e vida” (Jo 6,63).

 

Oração: Jesus, meu Senhor e meu Deus, dura é a tua Palavra, exigente é o teu Evangelho! No entanto, preciso que ele me atinja como fogo, derretendo as minhas resistências, duras como o ferro. Preciso que a dureza da tua Verdade bata firme na rocha da minha teimosia em viver contrário(a) à vontade do Pai. Necessito que a espada da tua Palavra penetre nas profundezas da minha alma e do meu espírito, para sanar as minhas raízes doentias que me levam a pecar, a praticar o que é errado aos olhos de Deus.

Sustenta-me nos meus momentos de crise. Ensina-me a não fugir das perguntas com as quais preciso me confrontar, para me tornar a pessoa que fui chamada a ser, segundo o plano de Deus para a minha vida. Confronta-me com a verdade do teu Evangelho, para que eu seja liberto(a) das minhas mentiras. Não permita que eu te abandone para ir atrás de um “jesus paralelo” ou de um “evangelho paralelo”. Quero suportar ser corrigido(a), formado(a), educado(a) e orientado(a) por tuas Palavras, pois só tu tens Palavras de Vida eterna! Amém.       

 

Pe. Paulo Cezar Mazzi

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário