Missa do 22. dom. comum. Palavra de Deus: Deuteronômio 4,1-2.6-8; Tiago 1,17-18.21b-22.27; Marcos 7,1-8.14-15.21-23.
Na década de 80-90, nossa Igreja
viveu um conflito interno, como se estivesse dividida em dois blocos: um,
conservador; o outro, progressista. O conservador tinha como preocupação o
cuidado interno com as coisas da Igreja: a reta liturgia, a reta doutrina, a
reta moral e o cuidado com a alma das pessoas. O progressista tinha como
preocupação o cuidado com o externo, com a situação das pessoas, sobretudo
aquelas que eram atingidas pelas injustiças sociais. Neste sentido, eles
entendiam que a Igreja devia sair de si e envolver-se com o mundo, que
necessita ser salvo.
Passaram-se trinta anos e esse
conflito reacendeu, despertado pela polarização política da eleição de 2018 no
Brasil, entre direita e esquerda. Assim como na sociedade brasileira, nossa
Igreja encontra-se ferida por uma divisão entre católicos conservadores, que
desejam uma Igreja voltada unicamente para o espiritual, e católicos
progressistas, que desejam uma Igreja voltada para o social, para o cuidado com
a vida humana. Diante desse conflito, o bom senso nos aconselha a evitar os
extremos. Além disso, o nosso olhar deve ser posto em Jesus. Ele é o nosso
modelo tanto de espiritualidade quanto de ação pastoral.
Jesus foi conservador em alguns
aspectos e progressista em outros. Quando se tratava de proteger a essência da
lei de Deus, Jesus foi conservador, como se dissesse: “A verdade é inegociável!
A Escritura não pode ser anulada! Meu Pai não está preocupado em agradar as
pessoas, mas em libertá-las e salvá-las!” Porém, Jesus não foi nada conservador
ao denunciar a hipocrisia dos fariseus, homens religiosos que se tornaram
rígidos na aplicação da Lei de Deus, não considerando a realidade da vida das
pessoas, uma realidade que exigia uma interpretação “atualizada” da Lei.
A realidade em que vivemos muda
constantemente e essa mudança causa insegurança nas pessoas. Todos os dias, o
mundo nos apresenta situações novas que questionam a nossa fé e os nossos
valores cristãos. Diante disso, algumas pessoas escolhem defender-se do mundo,
fechando-se numa fé intimista e fundamentalista, uma fé que ataca o mundo ao
invés de dialogar com ele, em vista de aproximá-lo do Evangelho. No entanto,
quando olhamos para Jesus, ele não teve esse tipo de atitude. Pelo contrário,
Jesus sempre se deixou afetar pela realidade à sua volta. Além disso, ele foi
muito mais duro com a religião do que com o mundo! Suas críticas eram muito
mais severas para com os homens da religião do que para com os homens do mundo.
Por qual motivo? Porque a religião havia se distanciado do drama da vida das
pessoas e se fechado em si mesma, privilegiando um pequeno grupo que se
considerava puro, fiel, conservador, não contaminado pelo mundo – o grupo dos
fariseus.
O Papa
Francisco nos ajuda entender o que Jesus quer de nós, sua Igreja, neste mundo
cheio de situações contrárias ao Evangelho: “Compreendo aqueles que preferem
uma pastoral mais rígida, que não dê lugar a confusão alguma; mas creio
sinceramente que Jesus Cristo quer uma Igreja atenta ao bem que o Espírito
derrama no meio da fragilidade: uma Mãe que, ao mesmo tempo que expressa
claramente a sua doutrina objetiva, não renuncia ao bem possível, ainda que
corra o risco de sujar-se com a lama da estrada... Jesus espera que renunciemos
a procurar aqueles abrigos pessoais ou comunitários que permitem manter-nos à
distância do nó do drama humano, a fim de aceitarmos verdadeiramente entrar em
contato com a vida concreta dos outros e conhecermos a força da ternura. Quando
o fazemos, a vida complica-se sempre maravilhosamente” (Amoris Laetitia, 308).
Seria muito mais fácil para nós,
cristãos, não termos que lidar com casais em segunda ou mais uniões; com
pessoas homossexuais, bissexuais ou transexuais; com casais homoafetivos; com
crianças abusadas sexualmente; com jovens adoecidos mentalmente; com tanta
gente passando fome; com crianças e adolescentes desorientados e adoecidos pelo
vício na Internet; com pessoas exploradas no seu trabalho ou envolvidas nas
drogas; com um meio ambiente agredido e que, por sua vez, nos agride etc. No
entanto, é exatamente a partir dessas situações todas que o Espírito Santo está
gritando à Igreja!
O Concílio Vaticano II foi um
momento ímpar em nossa Igreja, quando os Papas São João XXIII e São Paulo VI
perceberam a grande necessidade de abrir as portas e janelas da nossa Igreja
para que o sopro do Espírito, que faz novas todas as coisas, pudesse entrar
nela e renová-la, quer na sua identidade (dimensão interna), quer na sua missão
(dimensão externa). Mas hoje, alguns católicos, por pura desinformação,
demonizam o Concílio Vaticano II, não se dando conta de que estão rejeitando a
renovação que o Espírito Santo quis para a Sua Igreja. Desse modo, nós temos católicos
fechados em Movimentos, sufocados em tradições e doutrinas estranhas às
atitudes de Jesus, sem permitirem ser questionados pelo Espírito da Verdade,
que age também no mundo e não apenas no espaço determinado pelos fariseus do
nosso tempo.
O Evangelho de hoje nos ajuda a responder duas perguntas: O que conservar? O
que mudar? Conservar aquilo que nos ensina a Palavra de Deus: “Nada
acrescenteis, nada tireis, à palavra que vos digo, mas guardai os mandamentos
do Senhor vosso Deus que vos prescrevo” (Dt 4,2). Mudar aquilo que é tradição
humana, criada numa determinada época para ajudar na evangelização, mas que
hoje não responde mais às necessidades pastorais, além de impedir a Igreja de
chegar aonde o Espírito Santo está exigindo que ela chegue: às periferias
existenciais. Neste sentido, todo o trabalho do Papa Francisco tem sido uma
tentativa de colocar na prática aquilo que há 14 anos afirmou o Documento de
Aparecida: “é urgente passar de uma pastoral de manutenção (conservação) para
uma pastoral decididamente missionária; é igualmente urgente abandonar as
estruturas ultrapassadas que não ajudam mais na transmissão da fé” (DAp 365 a
370).
A proposta de Jesus a nós é uma
revisão do nosso interior. Não basta lutar contra o pecado pessoal; é preciso
cuidar daqueles que estão sendo feridos pelo pecado social (cf. Sl 14,2.3.5).
Não basta cuidar do espiritual, evitando ser corrompido pelo mundo; também é
preciso proteger a vida daqueles que são explorados e marginalizados em nosso
mundo (cf. Tg 1,27). Aos conservadores Jesus aconselha a ouvir os apelos do
Espírito Santo, que fala com a Igreja a partir das realidades desumanas; aos
progressistas Jesus aconselha não perder-se no social, descuidando do seu
próprio interior e da sua espiritualidade. Trata-se, portanto, de buscar o
equilíbrio e sair dos extremos.
Pe.
Paulo Cezar Mazzi
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