Homilia reeditada (22o. domingo comum - Marcos 7,1-8.14-15.21-23)
“Nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado. Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação. Que país é esse?” (Legião Urbana, Que país é esse?).
“Sujeira pra todo lado”. Mas, de onde vem a sujeira que nos torna “impuros”? Para os fariseus da época de Jesus e de hoje, ela vem dos outros: do contato com quem não é da minha igreja ou da minha religião; do contato com quem não tem a cor da minha pele, que não mora no meu condomínio ou no meu bairro, que não pertence à minha classe social etc. Para os países da Europa, a “sujeira” vem dos imigrantes que todos os dias chegam pelo mar, fugindo da fome, da guerra e da perseguição religiosa. Para o Estado Islâmico, o perigo da impureza vem dos cristãos, que precisam ser exterminados...
Se a tendência atual
é cada um fechar-se em si mesmo e viver sua fé de maneira individualista, o
apóstolo Tiago deixa claro que o que Deus espera de nós é exatamente o
contrário: “contaminar-se”, envolver-se com a aflição do nosso semelhante –
concretamente, “socorrer os órfãos e as viúvas em suas necessidades” (cf. Tg
1,27). Neste sentido, o Papa Francisco afirmou, há anos atrás: “Não se pode
fazer o bem sem aproximar-se... Tantas vezes penso que seja, não digo
impossível, mas muito difícil fazer o bem sem sujar as mãos. Estou disposto a
‘sujar’ as minhas mãos, se for preciso, para me tornar próximo de quem precisa
de mim?”, pergunta Francisco.
“Escutai todos e
compreendei: o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora,
mas o que sai do seu interior” (Mc 7,20). Há uma verdade importantíssima nesta
afirmação de Jersus: nós não somos o que o mundo faz de nós; nós somos aquilo
que decidimos fazer com o que o mundo nos oferece. Por uma questão de
comodismo, muitas pessoas assumiram diante da vida uma postura de vítimas: a
responsabilidade por elas serem infelizes, fracas, doentes ou fracassadas vem
de fora: dos pais que as criaram, do ambiente em que cresceram, da escola em
que estudam, do lugar em que trabalham, do país em que vivem. A teoria delas é
essa: se o mundo fosse melhor, elas também seriam melhores.
Jesus, ao rejeitar
esse tipo de irresponsabilidade perante a própria existência, nos lembra que
existe um espaço dentro de nós habitado pela liberdade e pela responsabilidade.
Esse espaço se chama “coração” (ou “consciência”). Pelo fato de Deus nos ter
dotado de liberdade e de responsabilidade, cabe a nós decidir não só o que
“entra” em nós (influências externas), mas também o que “sai” de nós (atitudes,
comportamentos). Sem dúvida, todos nós recebemos uma forte influência do mundo,
principalmente da mídia e da tecnologia. Mas Jesus faz duas perguntas a cada um
de nós: ‘O que há dentro de você: um filtro ou um esgoto? Sua consciência / seu
coração funciona como um filtro ou como um esgoto?’ Enquanto o esgoto engole
tudo (a ideia de que “tudo é válido”), o filtro separa o que presta do que não
presta, o que convém daquilo que não convém, o que condiz com a sua condição de
cristão e o que não condiz.
Muitas pessoas acham
mais fácil “funcionar” como esgoto do que como filtro. Dá menos trabalho; no
entanto, isso nos faz um mal imenso. Há muita coisa tóxica que tem se instalado
dentro de nós porque pervertemos nosso filtro em esgoto. Neste sentido, a pior
corrupção não é aquela que se encontra fora de nós, mas dentro: a corrupção dos
nossos valores, a desorientação da nossa bússola interna, o seguir pela vida
esperando que os outros, o destino ou a própria vida escolha e decida por nós,
o deixar-se levar pela onda do momento. Jesus convida cada um de nós a assumir
a responsabilidade por suas escolhas e por suas decisões. Ele nos convida a cuidar
desse espaço sagrado em nós chamado coração / consciência, um espaço que
precisa estar constantemente iluminado pela Palavra da verdade (cf. Tg 1,18),
para poder discernir, separar o puro do impuro, o que presta do que não presta,
o que convém daquilo que não convém a nós como seres humanos, como cristãos,
como pessoas destinadas à vida eterna.
Oração: Senhor Jesus,
andando pelo jardim da minha consciência e do meu coração, percebo a presença
de ervas daninhas e de plantas tóxicas, que têm adoecido a minha alma e trazido
confusão aos meus valores. Essas plantas nasceram em mim porque deixei de
cultivar o meu jardim interior, deixei de fazer a limpeza do filtro da minha
consciência, deixei de distinguir o certo do errado, o justo do injusto, o saudável
do doentio.
Hoje quero agradecer
a Palavra da verdade contida no teu Evangelho, Palavra que sou chamado(a) não
só a ouvir, mas a colocar em prática (cf. Tg 1,22). Quero assumir o compromisso
de me posicionar criticamente diante de tudo aquilo que o mundo me oferece.
Quero, sobretudo, reassumir a direção da minha liberdade e da minha
responsabilidade, fazendo as escolhas e tomando as decisões necessárias para a
minha vida, sem esperar e, muito menos, permitir que o mundo escolha ou decida
por mim.
Purifica a partir de
dentro, Senhor! Que o meu trabalho e as minhas atitudes sejam pautados pela
honestidade. Que o meu comportamento seja justo. Que a minha vivência religiosa
me leve para perto daqueles que sofrem e que precisam do meu sal e da minha luz.
Enfim, que a minha presença neste mundo o ajude a se tornar menos impuro, menos
injusto, menos corrompido, menos doente, mais fraterno, mais pacífico, mais
saudável e mais digno para todos os seres humanos. Amém!
Pe. Paulo Cezar Mazzi