sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

FAÇA-SE: QUE A TERRA ÁRIDA DA NOSSA VIDA SE ABRA PARA ACOLHER O ORVALHO QUE CAI DO CÉU!

Missa do 4. dom. do advento. Palavra de Deus: 2Samuel 7,1-5.8b-12.14a.16; Romanos 16,25-27; Lucas 1,26-38.

 

            Uma das orações que nós, enquanto Igreja, mais elevamos a Deus no tempo do advento é esta: “Céus, deixai cair orvalho das alturas, e que as nuvens façam chover justiça; abra-se a terra e germine a salvação; brote igualmente a justiça” (Is 45,8). O Evangelho de hoje nos traz a resposta a essa súplica, o momento em que o céu se abre e desce à terra, fecundando-a com a salvação que vem de Deus.

            De todos os lugares que poderia fazer brotar a salvação, Deus escolheu um insignificante, um vilarejo desconhecido até mesmo pela Sagrada Escritura, nunca mencionado no Antigo Testamento, uma cidadezinha mal vista pelos judeus, porque povoada de pessoas mestiças, isto é, por pessoas que não tinham o sangue puro do judaísmo, a pequena Nazaré, desprezada, como se vê nessa pergunta de Natanael: “De Nazaré pode vir algo de bom?” (Jo 1,46).

Nazaré somos nós. Nazaré é a nossa vida cotidiana, uma vida ignorada pelo mundo que só enxerga e valoriza o que é grande, forte, famoso e que se destaca, fugindo da simplicidade. Nazaré é a nossa vida de pessoas comuns, que não ocupam o centro das atenções, que passarão pela história humana sem ter sido notadas. Deus escolheu Nazaré porque “os homens veem a aparência, mas Deus olha o coração” (1Sm 16,7). Deus escolheu entrar no mundo não pela força, mas pela fraqueza; não pelo espetáculo, mas pela discrição; não pelo barulho, mas pelo silêncio; não por aquilo que o mundo considera importante, mas exatamente por aquilo que ele despreza. Isso significa que, se quisermos nos encontrar com Deus, temos que acolher e valorizar a Nazaré onde nos encontramos.

Para fazer brotar na terra a salvação, Deus entra em diálogo com Maria, a qual, muito provavelmente, se encontrava em oração em sua casa. Embora na oração nós muitas vezes buscamos pedir coisas a Deus – e consideramos que nossa oração é bem sucedida quando obtemos aquilo que havíamos pedido –, o diálogo entre Deus e Maria nos revela uma face mais profunda da oração: ela é justamente o espaço que damos a Deus para falar conosco, para intervir em nossa vida, e o nosso maior desafio é permitir que Ele modifique os nossos planos, que Deus dê uma direção nova à nossa história, uma direção que, a princípio, virará nossa vida do avesso, e isso nos causará muito medo, mas é assim que Deus abrirá o horizonte da nossa existência e nos fará compreender que cada um de nós tem uma palavra d’Ele a pronunciar ao mundo com a nossa existência, que é única.   

“Não tenhas medo, Maria... Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus” (Lc 1,30-31). Dentro de cada um de nós há um ventre vazio, uma força adormecida, um sonho a ser despertado, uma tarefa que pede para ser realizada. Normalmente, quando nos damos conta disso, sentimos medo. Mas Deus nos encoraja, nos dizendo que é hora de conceber, é hora de gerar vida e esperança, é hora de permitir que aquilo para o qual nascemos comece a ganhar corpo, comece a vir à luz. As circunstâncias não são favoráveis; o momento não parece propício; a realidade à nossa volta não nos aconselha a “engravidar” do sonho de Deus para a humanidade, mas é exatamente nesse contexto, onde nada parece favorável, que precisamos confiar, porque a obra é de Deus.

“O Espírito virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra” (Lc 1,35). Sobre a terra árida e sem vida do nosso coração, Deus derrama a água viva do seu Espírito. Essa água penetra no chão da nossa existência e nos torna homens e mulheres fecundos de alegria, de fé, de esperança e de amor, fecundos de força interior, de vida interior. O Espírito “vem em socorro da nossa fraqueza” (Rm 8,26), não para cancelá-la da nossa vida, mas para, através dela, manifestar a força de Deus. Sendo “poder do Altíssimo”, ele nos “cobrirá com sua sombra”, isto é, nos revestirá da sua graça em nossa missão de gerar vida e esperança no mundo. Deixar-se cobrir pelo Espírito Santo significa deixar-se conduzir por ele; significa realizar a tarefa que Deus nos confia tendo no coração suas próprias palavras: “Não pelo poder, não pela força, mas sim por meu Espírito” (Zc 4,6).

Para comprovar que vale a pena nos abrir à tarefa que Deus quer nos confiar, o anjo Gabriel, interlocutor entre Deus e Maria, afirma: “Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na velhice. Este já é o sexto mês daquela que era considerada estéril, porque para Deus nada é impossível” (Lc 1,36-37). Quantos de nós se sentem “velhos”? Quantos, por já terem uma certa idade, não contam mais para o mercado e para a cultura moderna, que despreza e descarta tudo o que é velho? A gravidez de Isabel, idosa e estéril, deve lembrar Maria e cada um de nós que Deus não descarta pessoas; Deus faz, sim, novas todas as coisas, mas o faz revitalizando o que é velho, gerando vida exatamente naquilo que consideramos definitivamente morto em nós.

E assim se conclui a oração de Maria, o seu diálogo com Deus: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38). Estamos diante de uma oração “bem sucedida”, uma oração que alcançou o seu objetivo, não porque Deus fez aquilo que lhe havíamos pedido, mas porque saímos dela dispostos a fazer o que Ele nos pediu: “Faça-se”. Quantas orações estão travadas, por falta desse “faça-se”? Muitos ventres continuam vazios e muitos horizontes continuam fechados, sem alegria e sem esperança, porque as pessoas não têm coragem de dizer a Deus: “Faça-se”, “Eu permito que a tua Palavra, que a tua vontade se faça em minha vida”; “Eu me disponho a abraçar a vontade de Deus, ainda que isso me custe renunciar aos meus planos, aos meus desejos egoístas”.  

            O Natal se aproxima. O céu visita a terra, desejoso de derramar sobre ela o orvalho da justiça, a bênção da chuva da salvação. Mas ele espera que a terra se abra, que o coração do ser humano dê o seu “faça-se”, que cada um de nós se deixe conduzir pelo Espírito Santo e possa pronunciar, com a sua existência, a Palavra que se fez pessoa humana no ventre de Maria. Sempre que entramos em diálogo com Deus e ouvimos com fé sua Palavra, ela precisa permanecer em nós até que se cumpra, até que se faça. Saibamos respeitar o tempo de gestação da Palavra em nós, até que aquilo que era impossível em nossa vida deixe de sê-lo, porque permitimos que Deus agisse e nos tornasse grávidos da mudança que Ele deseja provocar em nós e no coração da humanidade.

                Enquanto muitos desejam por uma intervenção “bombástica” de Deus, acolhamos essa intervenção calma, serena e silenciosa como orvalho que cai do céu e fecunda a terra, lembrando que a Encarnação de Jesus Cristo “não se realizou de modo estridente, mas com infinita discrição, na ‘sombra’ do Espírito Santo. À intervenção divina deve corresponder a nossa discreta disponibilidade: ‘Abra-se a terra’. E a terra abriu-se, quando a Virgem de Nazaré deu o seu ‘sim’: ‘Eis a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra’ (Lc 1,38) – Liturgia Dehonianos.

 

            ORAÇÃO: Senhor Jesus, derrama sobre a terra árida da minha vida o orvalho da tua graça. Fecunda-me! Que a sombra do Espírito Santo me cubra e desperte em mim a força espiritual necessária para que eu realize a tarefa que a vida me pede neste momento, em vista da salvação da humanidade. Afasta de mim o medo, a covardia e todo tipo de desânimo ou pessimismo. Quero viver segundo o teu Evangelho principalmente em meio às circunstâncias que não são favoráveis, confiando que para Deus nada é impossível. Quem em cada dia da minha vida eu possa alimentar-me da tua Palavra e obedecer ao que ela me diz, respondendo conscientemente o meu “faça-se”. Amém!   

 

            Pe. Paulo Cezar Mazzi

 


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